Por Valesca Pinheiro, no site Outras Palavras:A política de encarceramento em massa vigente hoje no Brasil, além de ter provado sua ineficiência, acumula o perverso efeito de estimular a criminalidade e punir uma parcela específica da população. A conclusão de acadêmicos e especialistas em direitos humanos toma por base os números do próprio sistema e o cotidiano dos presídios do País.
Um dos indicadores é o crescimento da população carcerária, que vai no sentido oposto à sensação de segurança na sociedade. Enquanto entre 2004 e 2014, a população carcerária cresceu 67%, a população brasileira cresceu 8,6%. Com um total de 563.526 presos, o país tem o quarto maior número de presos do mundo, perdendo para Estados Unidos, China e Rússia. E é um número que só cresce: a cada 9.000 presos ingressando por mês, 8.000 são liberados, revela Marcos Fuchs, diretor das organizações Conectas Direitos Humanos e Instituto Pro Bono. Isto é, há um acréscimo mensal de 1.000 presos. “Ao contrário do que muitos pensam, o Brasil não é o país da impunidade”, diz Fuchs. Ao menos não para as classes populares, que representam a maior parte da população carcerária.
Esse contingente de meio milhão de pessoas espreme-se em instalações onde faltam 200 mil vagas. “A situação nos presídios é caótica, desumana, covarde”, afirma Fuchs. Em alguns centros de detenção provisória, visitados por ele, há 50 presos em celas com capacidade para 8. Eles chegam a dormir em pé, amarrados à cela para não caírem no chão ou se arriscando em redes presas ao teto. “Você acha que alguém vai sair daí recuperado?” questiona.
A resposta pode estar no índice de reincidência entre os egressos do sistema penitenciário: sete de cada dez voltam ao crime. Na avaliação de Fuchs, é preciso mudar urgentemente essa política de encarceramento, que, além de todas essas deficiências, acaba abrindo caminho para que jovens infratores, muitos deles autores de pequenos delitos, sejam abrigados pelo crime.
Várias unidades prisionais em São Paulo são controladas pelo Primeiro Comando da Capital (PCC). É dentro delas que a facção forma muitos de seus soldados. Uma pesquisa conduzida por Fábio Mallart, mestre em Antropologia pela Universidade de São Paulo, em unidades da Fundação Casa e presídios em São Paulo, revelou cadeias dominadas, com presos hierarquizados que gerenciavam as unidades, orientados por preceitos PCC. Apesar de criticar a expressão “escola do crime” por entender que o termo simplifica o problema, ele aponta que até na Fundação Casa a maioria dos internos orienta-se a partir da cartilha da facção.
Boa parte dessa mão de obra que vem sendo posta à disposição do PCC é formada por jovens, negros e sem antecedentes criminais que chegaram à prisão enquadrados pela Lei de Drogas (11.343/2006). Dados levantados pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV), da USP, revelaram um aumento de 320% das prisões por tráfico de drogas desde a sua implantação. É que a lei acabou com a pena de prisão para usuários e porte de pequena quantidade de drogas e aumentou a pena para o traficante – punindo com regime fechado mesmo aqueles que não têm antecedentes criminais. Mas ao não especificar o que caracteriza quem usa e quem trafica, a atribuição ficou especialmente a cargo dos policiais, o que levou a um encarceramento massivo da parcela da população tradicionalmente marginalizada.
O resultado, aponta a pesquisa, é que hoje a maior parte dos presos provisórios, que somam 180 mil pessoas, responde por tráfico de drogas. Eles são jovens de 18 a 29 anos, pobres, pouco escolarizados, sem antecedentes criminais, que portavam até 100 gramas de apenas um tipo de droga quando foram apreendidos pela polícia. Parece haver aqui o que Rafael Custódio, advogado, especialista em direito penal, chama de dupla punição: essa população vulnerável, que teve diversos direitos considerados essenciais negados no decorrer de sua vida, será agora punida por se desviar dos padrões de comportamento que não lhe foram ensinados. E, ao entrarem no sistema prisional, eles serão tutelados por mestres do crime e entrarão de fato no mundo do crime.
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