Quem é contra tributar os milionários
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Quem é contra tributar os milionários


Por Conceição Lemes, no blog Viomundo:

Não é novidade. Somos um país extremamente injusto quanto ao sistema tributário.

Aqui, quem tem carro popular, paga anualmente IPVA – Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores. Já dono de avião particular, helicóptero ou lancha, não é taxado.

Assim como a nossa massa trabalhadora paga proporcionalmente mais impostos do que um milionário.

Porém, se aprovados, dois projetos da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) poderão inverter esse quadro.

Um deles, já tramitando na Câmara dos Deputados, cria a contribuição social sobre grandes fortunas.

O outro é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que determina que veículos aéreos e aquáticos também paguem IPVA. Ela já foi batizada de PEC do helicóptero.

“No Brasil, a tributação é regressiva”, afirma Jandira Feghali ao Viomundo. “Os nossos dois projetos - com escala progressiva - propõem o oposto do que temos hoje.”

Tributação regressiva significa retirar proporcionalmente, por meio de impostos diretos e indiretos, mais de quem tem menor poder de contribuição. Ou seja, paga mais quem ganha menos.

Tributação progressiva é quando o pagamento de tributos aumenta na mesma proporção em que crescem a renda e a riqueza. Ou seja, paga mais quem ganha mais.

“Alguns colegas vão dizer que estamos criando um novo imposto, não estamos”, já se antecipa Jandira. “Apenas estamos invertendo a lógica, gerando uma contribuição que não existe. Os recursos obtidos com a contribuição sobre grandes fortunas serão destinados exclusivamente para a saúde. Nós esperamos arrecadar anualmente R$ 14 bilhões para o setor.”

A batalha não será fácil. Parte dos colegas têm interesses contrários aos dois projetos. Mas Jandira aposta no bom senso dos parlamentares e na mobilização da sociedade para aprová-los.

“Numa conjuntura em que principalmente o povão quer respostas concretas na sua vida, quero ver qual o deputado que vai ser contra tributar quem tem mais dinheiro”, desafia Jandira. “Afinal, ele vai ter de ir ao microfone e dizer que é contra tributar milionário.”

Segue a íntegra da nossa entrevista, começando pela PEC do helicóptero.

Atualmente, quem tem carro popular paga todo ano IPVA. Já quem tem lancha, helicóptero, avião particular, não paga. Que mágica garantiu esse privilégio?

O Constituinte de 1988 inseriu no texto constitucional o IPVA, incluindo os veículos aéreos e aquáticos, pois é evidente que todos são automotores. O STF, no entanto, interpretou que o IPVA não poderia ser estendido aos veículos aéreos e aquáticos. Justificou que o IPVA tinha sido criado para substituir a Taxa Rodoviária Única (TRU) e que, por isso, aplicava-se tão somente aos transportes rodoviários.

Nós entendemos que essa interpretação do STF não corresponde à intenção dos constituintes de 1988. Se quisessem restringir o IPVA aos veículos rodoviários, eles teriam deixado expressa essa intenção.

O IPVA não é um mero substituto da TRU, é uma espécie diferente de tributo, muito mais abrangente.

A sua proposta então deixar explícito o que o constituinte de 1988 deixou implícito?

Exatamente. Por isso, apresentamos essa PEC. Ela altera o inciso III do art. 155 da Constituição Federal para determinar que seja o imposto incidente sobre veículos automotores terrestres, aéreos e aquáticos. Essa cobrança sobre veículos aéreos e aquáticos vai carrear novos recursos para os estados e Distrito federal, para atender às necessidades e bem estar dessas coletividades.

Qual o significado da PEC do helicóptero?

Isso se chama tributação progressiva. Quem tem menos tem que pagar menos.

Infelizmente, no Brasil, nós temos hoje uma tributação regressiva. Quem tem um fusca, paga IPVA. Quem tem lancha, não paga nada. Temos de inverter essa lógica

Em que pé está essa proposta na Câmara?

Na fase de coleta de assinaturas. Nós já temos 171 para dar entrada.

Por que decidiu apresentar o projeto que cria a Contribuição Social sobre Grandes Fortunas (CSGF)? Não havia outro na mesma linha tramitando na na Casa?

A criação do imposto sobre grandes fortunas está lá na Constituição de 1988, no artigo 153 inciso VII. Só que depende de regulamentação por um projeto de lei. E isso não foi feito pelo Parlamento até hoje.

É importante legislar sobre a tributação progressiva, visto que ricos quase nada pagam de imposto no Brasil. A carga tributária pesa demais sobre a massa trabalhadora.

Insisto. No Brasil, a tributação é regressiva. Os nossos dois projetos - com escala progressiva - propõem o oposto do que temos hoje.

Não havia outro projeto semelhante tramitando na Casa?

Havia o Projeto de Lei Complementar 48/2011, do ex-deputado Dr. Aluízio (PV/RJ), do qual eu fui relatora na Comissão de Seguridade Social e Família. Infelizmente, ele ficou no limbo regimental do Plenário. Foi arquivado mais de uma vez entre as legislaturas, interrompendo seu trâmite na Casa. Para não cessar o debate, resolvi apresentar este ano o texto do relatório como um novo projeto, o que garante continuidade do assunto.

Qual a sua proposta?

É uma taxação sobre grandes fortunas (na forma de patrimônio) voltada para o Fundo Nacional de Saúde. Ou seja, a arrecadação anual de uma pequena elite milionária será toda direcionada à Saúde. São nove faixas sobre patrimônio, iniciando em R$ 4 milhões até R$ 150 milhões.

O Brasil é um dos campeões mundiais de concentração de renda. O que significa o País passar a ter esse tributo sobre grandes fortunas?

Significa que somos extremamente injustos quanto ao sistema tributário, que arrecada muito de quem pouco tem e quase nada de parte da sociedade que possui maior renda, patrimônio, etc. Uma análise do economista João Sicsú da carga tributária revela a estrutura concentradora deste modelo. Segundo dados da Receita Federal, mais de 47% da carga tributária vem do consumo, ou seja, da grande parcela da sociedade trabalhadora que consome no dia a dia pequenos produtos com alta carga de impostos. Agora pegue as transações financeiras e sobre propriedade: apenas 5%, o que mostra um baixo impacto em grandes fortunas.

É o que costumo dizer: a classe média compra um carro popular e paga 4% de IPVA sobre ele. Já o rico compra uma lancha e nada paga. Não existe essa visão progressiva.

Pelo seu projeto o imposto vai incidir sobre patrimônio declarado acima de R$ 4 milhões. Quantas pessoas serão atingidas?

A proposta estabelece nove faixas de contribuição, com alíquotas diferenciadas. A tributação começa a partir de um patrimônio declarado superior a R$ 4 milhões.

Nesse cenário, a expectativa de arrecadação chegaria a quase R$ 14 bilhões, mantida a concentração de arrecadação na última faixa, acima de R$ 150 milhões de patrimônio. Dos R$ 14 bilhões esperados, R$ 10 bilhões viriam desses contribuintes. Ou seja, menos de mil pessoas poderiam fornecer ao Brasil uma grande arrecadação.

Quantos brasileiros o projeto atinge?

38 mil brasileiros. Porém, R$ 10 bilhões - pouco mais de 70% do total que se espera arrecadar anualmente - viriam de apenas 997 brasileiros com patrimônio superior a R$ 150 milhões.

Imagino que haverá a ladainha de mais um imposto. Em que países já existe Contribuição Social sobre Grandes Fortunas ou algo semelhante?

O mundo inteiro tende a esse rumo. E a gente, aqui, ainda não conseguiu fazer. Há uma porção de países da Europa, como Holanda, França, Suíça, Noruega, Islândia, Luxemburgo, Hungria e Espanha. Aqui na América do Sul, a Argentina é pioneira neste tipo de legislação.

Como desmontar os argumentos daqueles são contra?

Não há que desmontar argumentos contrários, porque este dever legislativo é exigido por nossa Constituição. Como legislar contra nossa Carta Magna? O capital financeiro não pode decidir o que é importante no país. É preciso manter as contas públicas e atribuir uma tributação justa a todos.

Alguns colegas vão dizer que estamos criando um novo imposto, não estamos.Apenas estamos invertendo a lógica, gerando uma contribuição que não existe. Os recursos obtidos com a contribuição sobre grandes fortunas serão destinados exclusivamente para a saúde. Nós esperamos arrecadar anualmente R$ 14 bilhões para o setor.

Segundo o seu projeto, seriam arrecadados anualmente R$ 14 bilhões,que teriam um único destino: Fundo Nacional de Saúde. Ou seja, vai contribuir para diminuir o subfinanciamento do SUS no Brasil. Qual a importância dessa verba a mais para o SUS?

O déficit na Saúde é enorme. Estima-se a falta de mais de R$ 50 bilhões ao ano para suprir as principais demandas. A arrecadação do projeto Grandes Fortunas seria imprescindível para a eficácia do SUS, que é um dos mais universais do planeta.

Já está claro que o Eduardo Cunha representa os interesses do grande capital, da mídia tradicional, etc, etc. A senhora não teme que ele inviabilize de alguma forma a tramitação do seu projeto?

Costumo dizer que na Câmara quem dita os rumos é seu chefe máximo: o povo. Não temo o bom debate de ideias, este, sim, produtivo para o crescimento do País.

Agora, numa conjuntura em que principalmente o povão quer respostas concretas na sua vida, quero ver qual o deputado vai ter coragem de ser contra tributar quem tem mais dinheiro”, desafia Jandira. “Afinal, ele vai ter de ir ao microfone da Câmara e dizer que é contra tributar milionário.

De que forma a sociedade pode contribuir para a tramitação e aprovação desse projeto?

Acima de tudo se informando. Acredito que a mídia independente e livre contribui muito neste sentido. É ela a grande aliada das pautas progressistas.




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