Reação autoritária - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
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GAZETA DO POVO - PR - 31/07


Classificar o informe do Santander de ?interferência eleitoral? é completamente descabido



Quando um cliente confia seu dinheiro a um banco, o mínimo que espera da instituição e de seus funcionários é um aconselhamento sincero sobre as perspectivas da economia e as melhores formas de fazer render os recursos depositados. Aos analistas do banco cabe interpretar os sinais vindos de diversas fontes e traçar cenários com base em possibilidades futuras. Foi o que o banco Santander fez na semana passada, quando enviou a clientes do segmento Select (com renda mensal acima de R$ 10 mil) um informe no qual dizia que ?se a presidente [Dilma Rousseff] se estabilizar ou voltar a subir nas pesquisas [de intenção de voto para a Presidência], um cenário de reversão pode surgir. O câmbio voltaria a se desvalorizar, juros longos retomariam alta e o índice da Bovespa cairia, revertendo parte das altas recentes?. A reação a essa análise mostrou o quanto o país ? ou pelo menos algumas de suas lideranças ? ainda pode estar longe de um genuíno apreço pela liberdade de expressão.

O presidente do PT, Rui Falcão, deixou fluir a verve totalitária que lhe é característica e falou em ?terrorismo eleitoral?. ?Instituições bancárias ou financeiras não podem fazer manifestações que interfiram na decisão do voto?, afirmou. ?Terrorismo econômico? foi a expressão usada pelo site Muda Mais, vinculado à campanha de Dilma Rousseff. A presidente, em sabatina a alguns veículos de comunicação, classificou o episódio como ?inadmissível?. ?Um país não deve aceitar uma interferência de qualquer instituição financeira de qualquer nível?, disse. O ex-presidente Lula, bem menos sutil, pediu a cabeça dos responsáveis. ?Botín [Emílio Botín, presidente mundial do Santander], é o seguinte, querido: tenho consciência de que não foi você quem falou. Mas essa moça tua que falou não entende p... nenhuma de Brasil, e nada de governo Dilma. Manter uma mulher dessa em cargo de chefia, sinceramente? Pode mandar embora e dar o bônus dela pra mim que eu sei o que falo?, afirmou na segunda-feira, em evento da CUT. Na terça-feira, Botín confirmou uma demissão. Antes, o banco já tinha publicado uma nota em que, entre outras coisas, reforçava ?sua convicção de que a economia brasileira seguirá sua bem-sucedida trajetória de desenvolvimento?.

Classificar o informe do Santander de ?interferência eleitoral? é completamente descabido. Trata-se de uma análise habitual, enviada ao mesmo grupo restrito que recebia os demais informes, e que faz parte das obrigações do banco para com seus clientes. Aliás, o texto meramente dá conta do comportamento dos mercados ? basta verificar como a bolsa sobe logo após a divulgação de cada pesquisa em que a vantagem de Dilma em relação aos adversários cai. A maneira como foi escrito o relatório pode até ser questionável (embora os clientes provavelmente estejam mais preocupados com a precisão das previsões que com seu linguajar), mas é fato que a perspectiva da manutenção de uma política econômica equivocada, que está levando o Brasil a um cenário de baixo crescimento e tolerância com a inflação, causa e deveria causar apreensão não só entre os mais ricos ? afinal, são os pobres os que mais sofrem com estagnação econômica e preços em alta. Análises como a do Santander fazem parte do jogo democrático, algo difícil de entender para quem não admite opiniões divergentes.

E não deixa de ser irônico o fato de o governo que acusa bancos privados de ?interferência eleitoral? usar os bancos estatais para fazer política, seja usando seus lucros para ajudar a fechar as contas (como apontou relatório recente do Tribunal de Contas da União), seja usando a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil para forçar reduções de juros. Além disso, o partido que acusa o Santander de ?terrorismo eleitoral? não vê problemas em frases como ?Se o Aécio ganhar a eleição ele vai acabar com a conquista que se consolidou com o presidente Lula, de valorização do salário mínimo?, dita pelo presidente da CUT no evento de segunda-feira.

Na Argentina, onde o governo manipula os números da inflação, economistas já foram processados por divulgar estatísticas independentes, e a Justiça chegou a pedir dados pessoais de jornalistas que escreveram matérias sobre a alta de preços. Na sabatina de segunda-feira, Dilma prometeu ?uma medida bastante séria? em relação ao Santander, sem entrar em detalhes e ressaltando que antes conversaria com a diretoria do banco. Se suas ações futuras forem guiadas pelo voluntarismo que ela deixou transparecer na reação ao episódio, será preciso lembrá-la de que o Brasil é uma democracia cuja Constituição felizmente impede qualquer medida de caráter ditatorial.




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