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ROXANE GAY, UMA FEMINISTA MÁ
"Bad Feminist", ou "Feminista má", é um ensaio de 2012 da feminista afro-americana Roxane Gay. E é muito bom (tem uma palestra dela de 11 minutos aqui, mas não deixe de ler o ensaio. Como não encontrei tradução pro português, as traduções neste post são minhas).
Falamos sobre ele num dos meus cursos de extensão sobre gênero, literatura e cinema, e ele é ótimo para, a partir dele, discutir vários pontos relacionados ao feminismo. E eu sei que inúmeras discussões são necessárias porque um tipo de email que recebo frequentemente é "Posso ser isso / fazer aquilo (insira aqui tudo que você puder imaginar) e ser feminista?" Eu sempre respondo que yes you can.
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Cavlin: Vc odeia ser menina? Susie: Deve ser melhor que a alternativa. |
Roxane Gay começa dizendo que sua definição favorita de feminismo é a de uma australiana, Su: “mulheres que não querem ser tratadas como merda”. Ok, isso já estabelece o tom irônico de seu ensaio. Mas definir feminismo não é tão fácil mesmo. a definição geral de que feminismo é a luta pela igualdade de gêneros não é aceita por todxs, porque, afinal, ser igual a algo que não está dando muito certo é medíocre. Como cita Ana Cecília Dantas em sua dissertação de mestrado,“Exigir que uma pessoa se iguale a quem estabeleceu os padrões significa dizer que a igualdade jamais será alcançada”.
Além do mais, direitos iguais, legalmente falando, estamos perto de conseguir. Mas só a lei não basta para que mulheres e demais grupos historicamente oprimidos consigam algum tipo de igualdade. É preciso mudar a cultura.
bell hooks prefere uma definição mais ampla: “feminismo é um movimento para acabar com o sexismo, com a exploração sexista, e com a opressão”. Hooks tinha problemas com feministas brancas que diziam que o feminismo era apenas sobre conseguir igualdade com homens no sistema vigente. Era óbvio para feministas negras e lésbicas que elas nunca teriam igualdade dentro de um sistema de supremacia branca e patriarcado capitalista, que hooks define como sexismo institucionalizado. Ou seja, as feministas mais revolucionárias não querem só mais direitos dentro do sistema –- elas querem transformar o sistema.
Em seu ensaio, Roxane alega não se sentir tão comprometida com o feminismo como deveria estar. Ela cita o que Butler escreveu em 1988: “Performar de forma errada o seu gênero inicia uma série de punições óbvias e indiretas, e performá-lo bem providencia a certeza de que existe um essencialismo de identidade de gênero”. Roxane se queixa de que essa tensão -- a ideia de que existe o jeito certo de ser uma mulher -- é constante. Vemos essa tensão nos padrões de beleza: o jeito certo de ser uma mulher é ser magra, usar maquiagem, vestir-se corretamente. Boas mulheres cuidam da casa sem reclamar.
Para Roxane, isso também se aplica ao feminismo. Existe um feminismo essencial, maneiras certas e erradas de ser uma feminista, e consequências por “fazer” errado. O “feminismo essencial” sugere raiva, falta de humor, militância, detestar pornografia, combater a objetificação das mulheres, odiar homens e sexo, focar na carreira, não se depilar. Roxane sabe que são estereótipos, mas muita gente acredita neles.
Acho que dá pra resumir: o problema do feminismo essencial é que, como se diz popularmente na internet, ele “caga regras”.
Existe também o medo de aceitar o rótulo de “feminista”, que muitas vezes não é dito gentilmente. Um homem com quem Roxane estava saindo disse pra ela: “Você é algum tipo de feminista, não é?” Ela ficou quieta e pensou: “Não é óbvio que sou feminista, mesmo não sendo uma muito boa?”
Roxane cita Audre Lord: “Sou uma feminista negra. Reconheço que meu poder assim como minhas opressões são resultado de ser negra e mulher, e por isso minhas lutas nessas duas frentes são inseparáveis”. Como negra, Roxane vê que muitas feministas não se preocupam com racismo, pós-colonialismo, mulheres no Terceiro Mundo, combate aos arquétipos em que negras são enquadradas (mulher negra furiosa, mammy, Hottentot -– mulher com bunda grande que desperta desejo sexual e é vista como freak).
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Vidas negras importam. Deveriam importar pro feminismo também |
Roxane menciona um caso ocorrido em 2008. Uma feminista negra americana reclamou que uma editora feminista, Seal Press, não tinha muitas mulheres não brancas no catálogo. Uma das editoras da Seal respondeu que não recebia propostas suficientes. Em outras palavras, ela pôs a responsabilidade de fazer o feminismo mais inclusivo nas mulheres não brancas. Houve um grande debate na blogosfera. Roxane diz e pergunta:
“Essa ignorância e desinteresse em incorporar os temas e preocupações das mulheres negras no feminismo mainstream me desinclina a aceitar o rótulo feminista enquanto ele não aceitar pessoas como eu. Será essa a minha forma de essencializar o feminismo, de sugerir que existe uma forma correta de feminismo ou um feminismo mais inclusivo?”
Ao mesmo tempo, o feminismo também é muito criticado porque ele promete que é possível para uma mulher "ter tudo", "have it all", que na prática só funciona para mulheres privilegiadas. Mas, segundo Roxane, essa noção de querer e poder ter tudo é atribuída ao feminismo injustamente, porque faz parte da natureza humana querer tudo. Seria muita responsabilidade em cima de um movimento cujo principal objetivo é conquistar a igualdade.
Roxane confessa: “Estou falhando como mulher. Estou falhando como feminista. Aceitar o rótulo feminista não seria justo para as boas feministas. Se sou mesmo uma feminista, sou uma feminista má”.
E ela lista: ela quer ser independente, mas quer que alguém tome conta dela, alguém em casa. Ela quer ser forte e profissional, mas não gosta de ter que trabalhar tanto para ser levada a sério. Ela ouve rap com letras que são degradantes para as mulheres.
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Consertar o mundo |
Rosa é sua cor favorita. Ela adora vestidos e moda. Ela se depila. Ela não sabe nada sobre mecânica. Quando o carro quebra, ela não é independente. Ela adora homens. Ela vê algumas tarefas domésticas como pertencentes a um gênero: cortar a grama, levar lixo pra fora, matar baratas, são tarefas masculinas, para ela.
Às vezes ela finge orgasmo, porque é mais fácil. “Então eu me sinto culpada porque a irmandade não iria aprovar”. Ela nem sabe o que é essa irmandade, mas tem certeza que as boas feministas não temem essa irmandade porque se comportam direitinho.
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Feminista peluda |
Ela ama bebês e quer ter um. Ela se preocupa em morrer sozinha, sem casar. “Isso meio que me mantem acordada à noite, mas eu finjo que não porque tenho que ser evoluída. Meu sucesso deve ser suficiente se sou uma boa feminista. Não é suficiente. Não chega nem perto”.
Pra resumir: ela é uma mulher com 30 e poucos anos tentando se aceitar. Ela é humana. Tem defeitos. Quem não tem? Roxane conclui:
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Virginia Woolf: uma femi- nista é qualquer mulher que conte a verdade sobre sua vida |
“E mesmo que eu possa ser uma má feminista, estou profundamente envolvida com temas que são importantes ao movimento feminista [misoginia, sexismo, desigualdade salarial, culto à beleza, direitos reprodutivos, violência contra a mulher etc]. Estou tão comprometida a lutar bravamente pela igualdade como estou comprometida a desfazer a noção de que existe um feminismo essencial”.
Mas ela é o tipo de feminista que também se importa com questões menores, como Kristen Stewart ser crucificada em público por trair Robert Pattinson.
Roxane se arrepende de ter internalizado os mitos ridículos sobre feministas (aqueles que ela cita no começo). “Não quero dispensar o feminismo como tantas outras mulheres fazem”.
No entanto, insiste ela, “Também quero ser eu mesma. O mau feminismo parece ser a única maneira que eu posso abraçar o feminismo e ser eu mesma”. E agora sim ela conclui: “Não importa que problemas eu tenha com o feminismo, eu sou uma. Não posso nem irei negar a importância e necessidade absoluta do feminismo. Como a maior parte das pessoas, sou cheia de contradições, mas tampouco quero ser tratada como merda por ser mulher. Sou, portanto, uma feminista má. Prefiro ser uma feminista má a não ser feminista”.
Amen, sister!
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