Por Lúcia Rodrigues, na revista Caros Amigos:A Associação Juízes para a Democracia divulgou nota de repúdio, nesta segunda, 14, contra o Projeto de Lei do Senado 432, de 2013, que altera o conceito de trabalho escravo previsto na PEC do Trabalho Escravo, aprovada pelo Congresso em junho do ano passado.
Pela emenda constitucional, as terras onde forem encontrados trabalhadores em condições análogas a escravo serão expropriadas. Mas o projeto do Senado tenta inviabilizar a legislação.
Na última quarta, 9, foi aprovado requerimento solicitando a urgência na tramitação do projeto. O assunto entra na ordem do dia das discussões dos senadores em plenário, nesta terça, 15.
“Ao retirar do conceito de trabalho escravo as condutas relativas a submeter alguém à jornada exaustiva ou sujeita-lo a condições degradantes de trabalho, o PLS 432/2013 se não esvazia, retira muito da abrangência do conceito já consolidado pelo Código Penal. É importante ressaltar que não tratamos aqui de uma maior criminalização da conduta, mas sim de uma consequência civil: a desapropriação. E esse enfraquecimento do instituto civil tem por beneficiário principal o capital, aquele que não só se apropria do trabalho humano em jornada exaustiva ou em condições degradantes de trabalho, mas o faz sem aceitar qualquer punição social (“lista suja”) ou financeira (desapropriação por interesse social)”, diz trecho da nota divulgada pelos juízes.
Leia abaixo íntegra da nota:
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Trabalho escravo: Nota de Repúdio à inclusão do PLS 432/2013 na Ordem do Dia
A Associação Juízes para a Democracia, entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem dentre suas finalidades o respeito absoluto e incondicional aos valores jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito, vem a público repudiar a aprovação no dia 9/12/2015 do Requerimento nº 1401/2015, que solicitou o regime de urgência para a tramitação do PLS 432/2013, incluindo-o na Ordem do Dia da sessão ordinária de 10/12/2015, transferida para a sessão deliberativa de 15/12/2015, nos seguintes termos:
1. A República Federativa do Brasil assumiu o compromisso de enfrentamento do trabalho escravo, prática que conspira visceralmente contra os Direitos Humanos e também contra a organização do seu sistema produtivo. Tal compromisso, oriundo da ratificação das Convenções 29 e 105 da OIT, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, se consubstancia, entre outros, no Plano Nacional de Direitos Humanos PNDH-3, no Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo. O Brasil é reconhecido mundialmente pelas políticas assim encetadas, tendo a Lista Suja sido citada nominalmente por Gulnara Shahiniam, Relatora Especial da ONU para a Escravidão.
2. Várias são as frentes de ação contra o trabalho escravo contemporâneo, este definido na redação do art. 149 do Código Penal ao prever como tipo penal condutas como no seu caput:
Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto (grifo nosso).
3. Outra forma de combate ao trabalho escravo é a chamada desapropriação por interesse social. Nesse sentido, a nova redação do art. 243 da Constituição Federal, para prever a expropriação de propriedades urbanas e rurais onde se verifique a exploração do trabalho escravo, foi um importante avanço conquistado com a aprovação da Emenda Constitucional nº 81/2014. Para a aplicação desse dispositivo, há a exigência constitucional de lei reguladora. Por esse motivo, está em trâmite o PLS 432/2013.
4. Ocorre que, dentre outros obstáculos à efetividade desse louvável mecanismo para erradicação do trabalho escravo criados pelo referido Projeto de Lei, a tentativa de redefinição do trabalho escravo na redação do art. 1º, § 1º representa um grave retrocesso social.
5. Ao retirar do conceito de trabalho escravo as condutas relativas a submeter alguém a jornada exaustiva ou sujeita-lo a condições degradantes de trabalho, o PLS 432/2013 se não esvazia, retira muito da abrangência do conceito já consolidado pelo Código Penal. É importante ressaltar que não tratamos aqui de uma maior criminalização da conduta, mas sim de uma consequência civil: a desapropriação. E esse enfraquecimento do instituto civil tem por beneficiário principal o capital, aquele que não só se apropria do trabalho humano em jornada exaustiva ou em condições degradantes de trabalho, mas o faz sem aceitar qualquer punição social (“lista suja”) ou financeira (desapropriação por interesse social).
6. Assim, o mínimo esperado para uma República Democrática é o necessário debate e transparência sobre o que essa lei, à guisa de regulamentar um instituto tão caro ao combate ao trabalho escravo, pode representar se for aprovada nos termos em que será colocado em votação.
7. Ressaltamos ainda que houve várias emendas no sentido de incluir as condutas relativas a submeter alguém a jornada exaustiva ou sujeita-lo a condições degradantes de trabalho na redação do art. 1º do Projeto de Lei, que não foram incluídas no texto proposto por supostamente constituírem termos fluidos, pelo que “não se recomenda a cristalização na lei”, conforme análise do Relator Senador Romero Jucá. O próprio Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre esses termos, pelo que não há nenhuma insegurança jurídica em questão, mas tão somente a permissão para que essas condutas continuem a subjugar os trabalhadores mais frágeis no nosso mercado de trabalho e, infelizmente, marcar mais uma vez a impunidade pelo descumprimento das normas trabalhistas e constitucionais brasileiras.
8. Sem nenhuma explicação, o PLS 432/2013 é colocado na Ordem do Dia, sem a possibilidade de discussão e amadurecimento do debate sobre o tema, num período singularmente crítico da política brasileira e às vésperas do recesso. Frisamos que não houve na mídia aberta nenhuma notícia sobre a inclusão do PLS 432/2013 na pauta, o que inviabiliza qualquer mobilização popular.
9. É lamentável, enfim, que, vinte e sete anos após o restabelecimento formal do Estado de Direito, as discussões no Congresso Nacional não se traduzem em transparência e representatividade do povo brasileiro, mas apenas de uma minoria privilegiada.
A Associação Juízes para a Democracia vem a público para, de forma veemente, repudiar a postura acima indicada do Senado Federal e ratificar seu posicionamento em prol da ampla, profunda e necessária discussão acerca do trabalho escravo contemporâneo.
São Paulo, 14 de dezembro de 2015.
A Associação Juízes para a Democracia
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