Geral
Ser conservador não é ?conservar? tudo como está - FLÁVIO MORGENSTERN
GAZETA DO POVO - PR - 08/06
Quando Ferdinand de Saussure criou a linguística, partiu de um pressuposto quase autoevidente: o signo é arbitrário, ou seja, a palavra ?mesa? não tem nada a ver com o objeto ?mesa?. Se é uma obviedade e poucos seriam capazes de confundir nomes com coisas concretas, no terreno das abstrações seu pensamento ainda precisa ser melhor compreendido. Defender que pobres tenham casas de concreto não é o mesmo que concretismo, sugerir que prédios tenham estrutura rígida não é estruturalismo.
No terreno político, com paixões e ideologias rivais terçando armas pelo espaço do outro, a confusão se torna perniciosa. Num país em que a esquerda hoje é praticamente hegemônica, alguns discutem o que querem os tais ?conservadores?, mas não perguntando às suas obras: tentam extrair o sentido de sua filosofia do próprio nome que deram a ela.
Formulada modernamente por Edmund Burke, a política conservadora remonta a Montesquieu, Cícero e à Bíblia, passa por escritores como Coleridge, Maistre, Hawthorne e Conrad, é o cerne do cuidado econômico de Mises e Sowell, é advogada por historiadores como Guizot e Johnson, é a filosofia de Voegelin e Scruton, é a resistência antitotalitária de Soljenitsyn ou Leddihn, a verve da sátira de Mencken, Kraus e Muggeridge, é o norte de estadistas admiradíssimos como Lech Walesa, Václav Havel, George Washington, Lincoln, Roosevelt, Piñera ou Merkel.
Foi brilhantemente definida por Russell Kirk como a política da prudência, relembrando Aristóteles: o cuidado com a coisa pública, a aversão à centralização de poder em prol de ?bens maiores?, a desconfiança de soluções fáceis e ?reformas sociais? irreversíveis e de consequências imprevistas.
Essa filosofia política não tem um Das Kapital para chamar de seu, sendo quase um descrédito na política ? e quem é menos confiável no mundo do que um político?
Historicamente, o termo escolhido no calor da Revolução Francesa (que matou 40 mil em um ano) foi ?conservador?, atentando a uma de diversas características desse pensamento. Poderia ser ?moralizantismo?, ou ?ceticismo político?.
O problema não é nem desconhecer uma filosofia ainda alheia ao país ? o nefasto é acreditar que se pode descobrir o que é o conservadorismo apenas pelo expediente pedestre de se afirmar ?conservador é quem conserva?. O desconhecimento de uma filosofia política é tratado como prova de que ela não existe além de uma conclusão apressada ? o famoso ad ignorantiam dos retóricos.
Essa visão de que existe uma filosofia de esquerda e todos os conservadores são apenas ignorantes que querem manter tudo como está geraria efeitos bizarros se fosse levada a sério: um conservador que subisse ao poder após um revolucionário deveria deixar tudo como está, querendo sempre manter o tempo presente intacto ? qualquer presente.
Assim se supõe que o conservador é ruim por querer manter intactas todas as injustiças atuais ? quando é preciso mudar muito mais a política sendo de direita do que mantendo o estatismo inchado, o coitadismo penal, o Estado assistencialista centralizador, intervencionista e gastador do Brasil.
É óbvio que ser conservador é algo incrivelmente mais complexo do que supõe a esquerda ? e ainda mais óbvio que não é possível compreender tal filosofia apenas através do que seus inimigos afirmam que ela é.
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