SOBRE O MEU PRIMEIRO GATO E O RICARDINHO
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SOBRE O MEU PRIMEIRO GATO E O RICARDINHO


Coincidência! Encontrei essa crônica antiga (abaixo) logo agora que fui almoçar com um amigo, o Ricardinho. Posso falar mal do Ric à vontade por aqui porque aquele estapafúrdio não lê mais o meu blog. Então, a gente se reuniu no Shopping Trindade, em Floripa, pra almoçar. Cada um foi pro seu lado na praça de alimentação: eu fui pegar comida chinesa, e ele, sushi. Eu fico na dúvida se sushi é merenda obrigatória de publicitário. Ou será que é o prato preferido dos gays? Posso falar abertamente que o Ricardinho é gay porque ele nem me lê mais. Então, gente, atenção, ouçam as trombetas anunciando: o Ric é gay. Todo mundo sabe disso menos eu. Conheci o Ric quando ele tinha seus quinze anos, e nem pensei no assunto. A gente gastava nosso tempo conversando sobre tópicos mais importantes, como cinema, pôquer e batata assada, que o Ric vinha aqui em casa filar. E aí, uns dez anos depois, quando o Ric já tinha se mudado pra Blumenau, eu e o maridão (que adora o menino) topamos com ele no cinema, e o Ric quis nos apresentar seu namorado. E a nossa reação foi nos entreolhar e perguntar, em voz alta: “Ahn? Ele falou namorado? Ricardinho, você é gay? Por que você nunca falou pra gente?”. E ele: “Porque vocês nunca perguntaram”.
Eu e o maridão somos as pessoas com o gaydar mais baixo que conhecemos. Pra não dizer que somos estúpidos, porque pega mal, vamos dizer que somos altamente ingênuos. Tipo, numa das minhas classes de doutorado havia duas alunas, brilhantes, que viviam juntas. E eu crente que elas só dividiam um apartamento. Colegas de quarto, sabe? Não que eram um casal. Quando contei isso pra elas, elas morreram de rir. Porque já eram um casal havia mais de uma década.
Isso me lembra um episódio do The Office americano. Acho que se chama “Gay Witch Hunt”. Um em que o Michael (Steve Carell) tira o funcionário Oscar do armário. Ele convoca uma reunião pra dizer que Oscar é gay e que ninguém deve ser preconceituoso. Oscar não gosta de ser exposto dessa forma e pede demissão, mas acaba voltando atrás. No final, Michael vê Oscar e seu companheiro, Kenny (Oscar e Kenny são um casal, moram juntos), se abraçando no estacionamento, e pergunta para si mesmo: “Será que Kenny sabe que Oscar é gay?”. Essa sou eu. É triste me identificar com um dos personagens mais sem-noção da TV, mas não vou mentir: sou eu.
Mas o que isso tudo tem a ver com o Fru, meu primeiro gato (1985-1999)? A conexão é que lá estava eu no Shopping Benfica almoçando com o Ricardinho, eu comendo comida chinesa, ele sushi, e de repente ele diz que sim, se lembra vagamente do meu amado cachorrinho Hamlet (1992-2007), mas é que ele tinha uma conexão espiritual de verdade com o Fru. E emenda que o Fru, com quem ele era tão íntimo, praticamente almas gêmeas, era um lindo gato amarelo. Gente, o Fru era azul! Nessa hora eu quase engasguei com meu frango xadrez.
Ó, muuuuuito pior que não saber a orientação sexual do amigo é não saber a cor do gato com quem você tem uma intensa conexão espiritual. Nem sei por que ainda falo com aquele comedor de sushi.
Mas na crônica abaixo eu falo da ligação de um outro amigo, o Marquinho, com o Fru. Não era uma conexão muito espiritual, digamos.

GATO SELVAGEM

Antes dos meus magníficos gatos Calvin e Blanche, eu tive meu gato azul. Era o Freud (Fru pros íntimos), que Deus o tenha: se existe um paraíso pros animais de estimação, ele está lá. Fru viveu quase quatorze anos de intensa felicidade. No começo, quando a gente morava em São Paulo, ele não era tão alegre. Faltava-lhe alguma coisa. Talvez o contato com a natureza, talvez a esperança de algum dia pegar um passarinho. Aí ele chegou em Joinville e se transformou. Estava constantemente de bom humor e cheio de amor pra dar. Felizmente, ele não era exatamente um exímio caçador de passarinhos – vamos respeitar sua memória. Digamos que ele tenha conseguido caçar dois em sua vida. Mas era o terror das lagartixas. Não o apoiávamos em nenhum dos seus hobbies.
Fru era gordo e fofo, cinza quase azul com olhos amarelos ou laranjas, dependendo da luz. Era zen, não se metia em encrencas. Só no final da tarde, depois de comer, é que ele ficava louco. Algo ocorria dentro dele e ele saía correndo pela casa, pulando nas paredes e atropelando o cachorrinho. Durava cinco minutos, depois voltava ao normal. Numa noite de verão, ele entrou na sala encharcado e bravo. A gente pensou, ué, tá chovendo? No dia seguinte, notamos que a piscininha de plástico de mil litros tinha rasgos inéditos.
Mas o estranho mesmo acontecia quando um amigo nosso vinha nos visitar. Marquinho tinha medo de gato. Não era trauma nem nada, só um medinho. Ele olhava pro Fru, que estava a dezenas de metros de distância e nem sequer lhe dava atenção, e gritava em pânico: "Ahhhh! Tira ele daqui! Tira! Ele está chegando perto! Ahhh!". Às vezes, Marquinho subia na mesa pra fugir do gatinho completamente inofensivo, que nem sabia que ele existia. Ele fitava o Fru e via um tigre faminto e descontrolado. E isso que ele nunca viu o Fru locão ou tentando – em vão – caçar passarinho. O Fru não falava nada, mas acho que ele gostava das reações do Marquinho. Com mais ninguém podia se sentir tão selvagemente felino.




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