SOBRE O PROFISSÃO REPÓRTER
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SOBRE O PROFISSÃO REPÓRTER


Ontem o Profissão Repórter foi ao ar. Quem não viu ou quem quiser revê-lo (é curto!), o link é este.
Eu, pessoalmente, achei muito bom o programa. Foram quatro eixos: uma pequena discussão sobre o feminismo da Valesca Popozuda, um grupo de mulheres que faz consertos domésticos (trabalho "de homem"), a linda Marcha das Mulheres Negras, em Brasília, e os ataques feitos a ativistas como eu. No final, tudo mais ou menos se encaixou.
Mesmo a pauta que parecia mais deslocada (mulheres fazendo consertos) acabou dando certo, porque as moças são feministas. Katherine disse que toda mulher é feminista, só que algumas ainda não descobriram (não sei se concordo, mas gostei da fala); Ana Luísa chorou ao comentar que esteve na casa de uma mulher que havia sido vítima de estupro. O empoderamento daquelas moças é visível. Elas são fortes.
Também não resta nenhuma dúvida, pra mim, do quanto Valesca consegue passar esse empoderamento. Foi muito bacana ver uma celebridade se assumir feminista com todas as letras (não que tenha sido a primeira vez que ela fez isso). 
É óbvio que Valesca atinge um público jovem bem diferente do meu. E achei interessante que o programa selecionou algumas partes de um post meu pra ajudar a explicar por que Valesca pode sim ser feminista, e também por que nem tudo que ela faz é feminista. 
Adorei terem lido que não casso carteirinha feminista de ninguém, porque é algo que eu venho repetindo há quase oito anos: eu não imponho regras, não determino quem pode ou não ser feminista (pra mim, todo mundo pode -- deve -- ser feminista, homens inclusos), não faço competição de quem é mais ou menos feminista. 
A única coisa que digo é: não deixe que anti-feministas definam o que é feminismo. Os insultos que os conservadores dedicam às feministas (que somos gordas, ogras, não nos depilamos, queremos ser homens, temos inveja do pênis, odiamos homens, somos mal-amadas etc) são exatamente os mesmos que eram ditos às sufragistas 160 anos atrás. Isso porque elas ousaram exigir o direito a voto.
A parte do Profissão Repórter falando da Marcha das Mulheres Negras (a primeira realizada no Brasil) foi linda. Começou indo a um quilombo entrevistar Valéria, uma jovem politizada, guerreira, e foi com ela, de ônibus, até Brasília, participar da marcha. O programa deu destaque aos reaças acampados que chegaram a atirar para o alto, pondo todos em risco. Alguma dúvida que esses caras são racistas? De que se opõem à luta de todas as mulheres? 
No final, depois de mostrar um pouquinho do que enfrento, o programa fechou com Caco Barcellos perguntando a dois repórteres negros, Guilherme e Valéria, o que eles achavam das ofensas racistas no chan do Marcelo. Eles escolheram alguns entre dezenas de insultos num fórum anônimo que não existe na Deep Web -- ele é aberto a todos. 
Hoje no chan sobre a repórter Valéria
(clique para ampliar)
É abertamente racista (quase todos são neonazis; há sempre postagens louvando Hitler), misógino (lá se fazem planos e se oferecem recompensas para quem atacar mulheres, principalmente feministas, principalmente eu; e tentam convencer rapazes antes de se suicidarem a cometer atentados contra "vadias e esquerdistas"), eventualmente posta pornografia infantil, cria sites falsos para acusar desafetos. Mas, por estar hospedado na Malásia e ser anônimo, as polícias não fazem nada.
Ameaça contra o repórter Guilherme já ontem no chan
Eu gostei muito que Guilherme e Ricardo, o cinegrafista, tenham ido atrás de Marcelo e Emerson em Curitiba. Poucos tinham visto ou ouvido Marcelo antes (só em 2012, quando ele foi preso -- junto com Emerson -- pela Operação Intolerância), e entende-se perfeitamente porquê. Talvez, se eu fosse uma total desajustada social como Marcelo Mello, eu também me esconderia num quarto escuro e passaria a vida agredindo gente na internet. Marcelo (ou Psy, ou Batoré) faz isso há anos e não vai mudar. 
Ele foi condenado em 2009 por racismo e alegou insanidade para não cumprir pena. Em 2012, ficou um ano na cadeia, foi condenado a 6,5 anos, mas, ao sair em maio de 2013, voltou a fazer o mesmo de antes (uma de suas primeiras ações foi me enviar um email dizendo que iria me processar; meses depois, veio me xingar no Twitter; ano passado, quando criou seu chan, fez questão de me mandar o link para que eu pudesse acompanhar as ameaças e "planos mirabolantes do Cebolinha" que eles fazem diariamente a meu respeito). 
Então foi ótimo ver um covarde de marca maior desses sendo exposto em rede nacional. Foi ótimo ver seu medo (ele é que tem medo da gente) e sua incapacidade de se articular. Foi ótimo ver um cara tão desequilibrado me chamar de maluca. 
Emerson, seu comparsa, se saiu um pouco menos pior, se bem que a entrevista da mãe dizendo que ele é nervoso e foi bullied na escola não ajudou. 
Quem já viu algum vídeo do Emerson sabe que ele deve ter falado umas três horas com o repórter, e sabe quais foram os temas (Rafaela, sua ex, por quem continua obcecado; eu -- ele me acusa de tudo que ele faz --, assassinato de reputações etc). Felizmente o programa mostrou apenas ele falando uma besteira (ainda por cima parafraseando a opinião do Vaticano), de que a batedeira e o liquidificador fizeram mais pelas mulheres do que o feminismo. 
E, quando Guilherme pergunta se ele quer me matar, Emerson responde, rindo, como um psicopata, que não. E diz que o que Marcelo quer fazer é por conta dele. 
Pelo que sei, muitos outros familiares de Emerson foram entrevistados, e todos disseram o mesmo -- que ele não bate bem. Pra mim, Emerson é tão maluco quanto Marcelo. Ele tentou fazer aliança comigo em agosto. Eu recusei, e sua revolta foi tanta que ele fez 25 vídeos contra mim. Não tô exagerando, são 25 vídeos mesmo, alguns de mais de uma hora! 
Nos vídeos ele me compara a Stalin, me chama de "mentirosa, aleivosa, canalha, mal-amada, mal-comida, psicopata, vagabunda, bruxa de Salem, hipócrita, brancofóbica, antissemita racista, a pessoa mais misândrica da internet brasileira, a grande porca da mãe terra desta seita satânica" (essa é muito legal, tô quase incluindo meu perfil). 
Ainda diz que eu recebo "milhares de reais de verbas do governo federal" para fazer meu blog, que eu sou uma nazista que foi se refugiar na Argentina, que eu cobro favores sexuais de alunos em troca de notas, que não sei falar inglês (eu sou professora de inglês), que comprei meu diploma (tenho mestrado e doutorado pela UFSC), que desviei verbas da biblioteca para comprar mansões e carros importados (ahã, tenho vários). Chama meu marido de estelionatário e pedófilo e jura que ganha dele no xadrez (Silvio é enxadrista profissional e um dos melhores jogadores do Brasil), que casei com meu marido para conseguir cidadania brasileira. 
Emerson é tão louco que me acusa de matar seu pai (que morreu de causas naturais após o filho sair da cadeia).
Eu não sei como alguém pode olhar pra esses dois, passar dois minutos lendo o que eles defendem, e pensar: "É, as feministas é que estão erradas".
Mas lógico que tá cheio de machista e reaça em geral que achou uma afronta a Globo dedicar um programa a feministas. 
As "críticas" (de fato muito construtivas) que recebo sempre -- de que sou horrível (não sabia que eu havia sido inscrita num concurso de miss), de que sou gorda, de que tenho olheiras etc etc etc -- foram elevadas à décima (im)potência. Absolutamente nada de novo. Misóginos não são conhecidos pela criatividade. Como eu já disse, fazem os mesmos insultos há 160 anos.
Até o ídolo-mór da 4a série B entrou no jogo:

Porque, né, num programa que mostra claramente mulheres que lutam, mulheres poderosas, e homens que atacam ativistas com ameaças de morte e racismo, você precisa se posicionar do lado dos misóginos racistas. 
Só amor (clique para ampliar)
A novidade foi ver um monte de reaça distribuindo tuítes meus com críticas à Globo. A lógica é essa, pelo jeito: se você diz que a Globo não cobriu as Diretas Já (das quais participei, com 16 anos), se você diz que a Globo manipulou o debate entre Collor e Lula em 89, se você diz que a Globo apoia candidatos da direita, se você retuitou os protestos de negras ("Não somos tuas negas") sobre a série do Falabella, enfim, se você, em 48 anos da sua existência, já falou mal da Globo, então você não pode nunca elogiar nada que venha da Globo -- nem uma série bem feita, nem um capítulo de novela, nem uma reportagem, nada. 
Mais amor
Sei lá, é o mesmo pessoal bizarro que "critica" o Sakamoto por ter um laptop da Apple ou a Maria do Rosário por comprar um hamburger no McDonald's. É uma galera que te enfia num estereótipo e não aceita que a vida é cheia de nuances. Eles se acostumaram, por exemplo, a pregar que toda feminista vive sozinha com gatos ou é lésbica. 
Aí dane-se que o meu lindo maridão apareça no Profissão Repórter e que a narração diga que estamos juntos há 25 anos. Pra esses caras, eu vou continuar sempre sendo a sapata mal-comida cheia de ódio contra os homens. Não se pode nem dizer que isso é pré-conceito. É pós-conceito mesmo.
Mas também teve um montão de gente que descobriu meu blog ontem, enviou emails e mensagens, disse que acabou de me conhecer e já me ama. Obrigada pelo carinho, gente! Sejam bem-vindxs e venham se empoderar por aqui. 
Eu gostei muito do programa. É sempre bom ver a TV aberta dando espaço pro feminismo. Espero que deem cada vez mais. Mas TV é um espaço superficial, com tempo restrito, tudo tem que ser rápido. Eu sabia que seria assim. 
Guilherme e Ricardo estiveram na minha casa três vezes, foram dois dias a minha universidade gravar, entrevistaram dezenas de alunxs e alguns professores, me acompanharam até Quixadá para filmar o evento inteiro, que foi maravilhoso. 
Devem ter gravado mais de quinze horas só comigo. Aí aparecem dois ou três minutos dessas 15 horas. É a vida. Qualquer pessoa que já foi entrevistada sabe disso. O importante é que escolheram alguns momentos relevantes e, no geral, o retrato pintado foi muito positivo.
Agora, claro que eu adoraria se o Profissão Repórter disponibilizasse online alguns outros vídeos. Por exemplo, parte do congresso em Quixadá, que foi tão especial. Falamos de gênero no sertão cearense! Foi super emocionante, cheio de meninas engajadas!
Espero que algo mais concreto saia como resultado do programa. Por mais que eu denuncie os mascus há anos, é diferente quando a Globo mostra. Isso chama a atenção. Quem sabe as polícias levem mais a sério todas essas ameaças e crimes cibernéticos? 
Gostei muito de ter conhecido Guilherme e Ricardo. 
Falei várias vezes com Guilherme por telefone depois d'eles terem vindo a Fortaleza (ontem mesmo nos falamos, antes do programa ir ao ar). Ele agora está sendo muito ameaçado por esses criminosos que ele retratou. Eu já tinha avisado desde o começo que as ameaças contra ele seriam pesadas, por um único motivo: ele é negro. Esses disseminadores do ódio sempre capricham quando o alvo é mulher, negro, ou LGBT.  
Outras ameaças do chan do Marcelo
a jornalistas
No começo das ameaças, o querido Guilherme me pareceu bastante abalado. Ele não estava acostumado (e sim, isso entra como crimes contra a liberdade de expressão -- jornalistas sendo ameaçadxs de morte e estupro por exporem crimes cibernéticos). Eu estou. Não sei se alguém deve se acostumar a ser ameaçada, mas são quatro anos de ameaças contínuas. 
Às vezes é preciso se distanciar um pouco pra ver as coisas com maior isenção. 
Quando vi Guilherme abalado, eu pensei: putz, eu sou forte mesmo. Porque eu não me abalo, não tenho medo. 
E acho que vocês também não deveriam ter. Somos muito mais fortes que eles. Ainda mais se estivermos unidxs.




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