Solidário não é subserviente - CLÓVIS ROSSI
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Solidário não é subserviente - CLÓVIS ROSSI


FOLHA DE SP - 18/07

Está na hora de o Brasil deixar de confundir apoio aos vizinhos com aceitação de seguidos desaforos


Se a ameaça de inspecionar o avião do presidente Evo Morales, quando pretendia voar de Moscou a La Paz, foi considerada um ato "neocolonial" pela Unasul, como é que os países desse bloco chamariam a efetiva inspeção em três ocasiões de aparelhos do Estado brasileiro?

Não diriam nada, pela simples razão de que a vítima, no caso o governo brasileiro, se limitou a uma nota que parece aquela velha piada do pequenininho cujo pé está sendo pisado pelo grandão e ameaça: "Você tem três anos para tirar o pé de cima do meu, ou vou reagir".

Dizia a nota da embaixada brasileira em La Paz: "Caso persista a execução de tais procedimentos, o Brasil poderá adotar (...) o princípio da reciprocidade". Se a nota tivesse sido emitida após o primeiro "de tais procedimentos", ainda vá lá. Mas depois do segundo e do terceiro, persistir na mera retórica é aceitar um ato neocolonial, paradoxalmente praticado por quem foi outrora colonizado (e não pelo Brasil, aliás).

Os incidentes são uma microdemonstração de um viés da política externa brasileira em relação a seus vizinhos, o de tolerância excessiva.

Desde o governo Itamar Franco, a ideia --nem sempre explicitada tão claramente-- é de que não adianta querer ser um país rico cercado por vizinhos pobres. A tese é perfeitamente defensável: desde que estabilizou a economia, o Brasil tornou-se crescentemente mais próspero que seus vizinhos, a grande maioria dos quais já era mais pobre mesmo quando o Brasil era uma baita confusão econômica.

Imagine então depois de anos de crescimento razoável com inflação sob controle.

Foi esse argumento que norteou as relações de Lula com o casal Kirchner. O Brasil aceitou um punhado de medidas protecionistas sempre a partir da tese de que eram necessárias para que o vizinho saísse da crise a que fora levado primeiro pela ditadura militar (1976/83) e depois pelas loucuras do período Carlos Menem (1989/99).

Agora, no entanto, o argumento perdeu o prazo de validade. A Argentina, é verdade, continua com dificuldades econômicas, mas, primeiro, cresceu mais que o Brasil nos anos mais recentes e, segundo, seus problemas agora não são herança do passado, mas consequência de políticas do governo que se protege do Brasil.

No caso da Bolívia, os desaforos de Evo Morales são antigos, anteriores até aos episódios dos aviões. Quando desapropriou instalações da Petrobras, em 2006, o presidente boliviano não teve nem sequer a cortesia mínima de telefonar para seu amigo Lula para avisá-lo da ocupação militar da refinaria.

É bom deixar claro que Lula não reclamou da desapropriação (considerou-a um direito da Bolívia, ademais anunciada durante a campanha eleitoral que elegeu Morales). Reclamou da descortesia de não ter sido avisado da data exata, embora Evo estivesse reunido com outros dois parceiros de Lula (Hugo Chávez e Fidel Castro) em Havana no dia anterior.

Está na hora, pois, de deixar de confundir a solidariedade com os vizinhos mais pobres com subserviência.




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