Geral
Trem-bala: o tiro de misericórdia
Rodrigo Constantino
Deu no Valor: Fazenda define em 7% retorno do investidor no trem-bala
O Ministério da Fazenda fixou em 7% a taxa interna de retorno (TIR) do Trem de Alta Velocidade (TAV), que vai ligar Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas. A decisão foi tomada na sexta-feira e será divulgada aos investidores nos próximos dias, mas ficou abaixo do esperado pelo mercado.
A nova taxa interna de retorno implica aumento da remuneração em relação ao projeto original do governo, em que os investidores receberiam 6,32% ao ano. Mas é um revés para o presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), Bernardo Figueiredo, que havia anunciado na semana passada que o trem-bala, como o projeto é conhecido, teria uma taxa de retorno entre 8% e 8,5%.
Segundo fontes ouvidas pelo Valor, a disputa no governo acabou vencida pelo secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, que queria uma taxa mais baixa. Com isso, os investidores no trem de alta velocidade terão retorno abaixo das concessões rodoviárias, que tem remuneração de 7,2%.
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Espanhóis, franceses e japoneses têm estudado com cuidado o projeto do TAV. Mas o interesse maior de cada um desses grupos é vender bilhões de dólares em equipamentos necessários à operação do futuro trem. Por isso, querem ter participação relativamente pequena na empresa que será constituída para gerir o empreendimento. A empresa contará com 45% de capital da própria EPL, além da possibilidade de ter os Correios como parceiro estratégico, com até 5% da sociedade.
Com a definição da TIR em um percentual menor do que esperavam investidores, o governo pode-se ver forçado a dar mais peso aos futuros "sócios estratégicos" de quem ganhar o leilão, como fundos de pensão. Eles podem entrar numa segunda etapa, após a vitória de um dos grupos.
Além do TAV, o governo também está revendo o processo de concessão dos 7,5 mil quilômetros de ferrovias que pretende oferecer ao setor privado.
Comento: Tudo parece errado nessa questão do trem-bala. Para começo de conversa, a enorme presença estatal. Se faz mesmo sentido esse meio de transporte, quem disse que a iniciativa privada não poderia fazer por conta própria? Sempre que o governo precisa mergulhar como grande sócio, é porque o projeto pode não ser economicamente viável, e outros interesses (políticos, eleitoreiros, corrupção?) estão em jogo.
Vale lembrar que nos Estados Unidos, empresários criaram linhas nacionais de ferrovias sem um tostão estatal, e o governo, quando entrava, era para burocratizar tudo, engessar as empresas, conceder subsídios e impedir a livre concorrência. A novela "A Revolta de Atlas", de Ayn Rand, mostra bem como isso funciona, e eu trato do assunto em capítulo do meu "Privatize Já" também.
Além disso, o governo petista tem essa mania de achar que pode decidir na marra cada detalhe da economia, incluindo os preços, o retorno dos investimentos etc. Ele pode decidir algo assim por decreto, claro, mas não pode controlar seus efeitos. Por exemplo: ao congelar um preço, ele acaba criando escassez e mercado negro. Ao decretar um retorno abaixo daquele exigido pelo mercado, ele acaba afugentando potenciais interessados, restando apenas poucos grupos (a menor concorrência reduz a chance de sucesso do leilão).
Esses grupos que restam podem participar do leilão com objetivos escusos, visando a compensar o retorno oficial menor com malabarismos, tais como encarecer a construção da obra que ficará a cargo de empresas do próprio grupo vencedor. Não custa lembrar que o projeto do trem-bala, que começou em poucos bilhões, já está estimado em uma montanha de dinheiro realmente absurda, podendo chegar a R$ 40 bilhões!
Isso tudo com enorme participação estatal, tanto pelo lado dos fundos de pensão que devem participar, como das estatais "convidadas" a entrar no leilão e o financiamento subsidiado do BNDES, sempre ele. Será que não existem outras prioridades para os recursos do governo? Será que essa multidão que tomou as ruas do país está demandando um trem-bala que ligue o Rio a São Paulo? Será que aumentar a malha do metrô nas capitais não é algo bem mais urgente?
O governo, ao insistir no projeto do trem-bala, demonstra ter ouvidos moucos às vozes das ruas. As arenas esportivas bilionárias, que são verdadeiros "elefantes brancos", representam uma das principais causas dos protestos. E o governo vai afundar mais algumas dezenas de bilhões do nosso dinheiro em um luxuoso trem-bala? É muito descaso com os pagadores de impostos mesmo. É o tiro de misericórdia para enterrar de vez qualquer resquício de bom senso dessa gestão do PT.
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