Um dos maiores problemas da política de segurança brasileira começará a ser sanado a partir do ano que vem. Crimes que hoje não constam do Código Penal, como terrorismo, homofobia e fraudes digitais, têm chances de ser incluídos no novo arcabouço legal. No primeiro semestre, uma comissão de 16 juristas entregará ao Senado um anteprojeto da reforma do código, atualizando um texto com mais de 70 anos, quando o Brasil era um país agrário, os costumes eram outros e o mundo nem sonhava com a internet. ?Ele precisa ser modernizado?, diz a procuradora de Justiça de São Paulo Luiza Nagib Eluf, integrante da comissão. ?A maior parte dos artigos está ultrapassada.?
A legislação penal brasileira é defasada e confusa. Além do próprio código, existe mais de uma centena de outras leis que versam sobre práticas criminosas. É uma barafunda jurídica que não favorece a punição do crime. Um dos problemas do texto atual, por exemplo, é sua ênfase patrimonialista em detrimento da defesa da vida. ?O crime de homicídio tem a pena mínima de seis anos, enquanto o roubo qualificado, cinco anos e quatro meses. Esta é uma distorção que precisa ser corrigida?, afirma o desembargador paulista Nelson Calandra, presidente da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB). A entidade planeja entregar uma lista de sugestões à comissão de juristas que é presidida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Gilson Dipp, ex-corregedor nacional.
A comissão, formada por especialistas das mais diversas correntes e experiências, começou a trabalhar em outubro. Alguns assuntos polêmicos para a sociedade são consenso entre os notáveis. Um exemplo é o aborto em caso de fetos anencéfalos, tema que deverá ser julgado no ano que vem pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Eles também devem sugerir que possuir um estabelecimento voltado para a prostituição deixe de ser crime. É provável ainda que violações à lei relacionadas à corrupção tenham penas mais duras e que as regras para progressão da pena de crimes hediondos sejam revistas. Ou seja, o tempo máximo de detenção continuaria 30 anos, mas o criminoso precisaria ficar mais tempo em regime fechado. ?É quase certo que uma das mudanças propostas seja a de que o condenado cumpra um terço da pena e não apenas um sexto, como é hoje, para ter direito ao regime semiaberto?, afirma o jurista e cientista criminal Luiz Flávio Gomes, também integrante da comissão.
REFORMA
A procuradora Luiza Eluf quer penas duras para corruptos Os crimes de trânsito também estão no radar dos notáveis. A ideia é criar um dispositivo jurídico chamado ?culpa temerária?, que atingiria motoristas alcoolizados causadores de acidentes com vítimas fatais. ?Isso agilizaria sobremaneira o processo e encerraria esta discussão se o crime foi doloso (com intenção) ou culposo (sem intenção)?, diz Gomes. ?E, caso o indivíduo seja condenado, a pena estabelecida seria de quatro a oito anos.? O debate em torno do crime estende a discussão da questão, o que impede um desfecho célere para esses casos.
Para que a atualização saia do papel, é preciso que o Congresso Nacional exerça seu dever de legislar, mesmo em um ano eleitoral. As sugestões chegam ao Senado no primeiro semestre. ?Estou otimista-realista, mas precisamos de apoio político?, diz o senador Pedro Taques (PDT-MT), professor de direito constitucional e autor do requerimento para a criação do grupo de trabalho dos notáveis. No início da sessão legislativa, em fevereiro, está marcada uma reunião entre a comissão dos juristas e a de segurança pública do Senado. ?A comissão do Senado vai analisar as propostas dos especialistas, e isso vai agilizar a tramitação na Casa?, acredita Taques. É preciso conferir.
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