Uma questão de sobrevivência - RAYMUNDO COSTA
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Uma questão de sobrevivência - RAYMUNDO COSTA


VALOR ECONÔMICO - 20/08

Estimativa recorrente no Congresso é que a renovação da Câmara dos Deputados, nas eleições de 2014, pode ser maior que aquela ocorrida em 1990, na esteira da eleição de Fernando Collor de Mello, um ano antes. A previsão dos congressistas é que a dança das cadeiras pode ultrapassar os 61,82% registrados então, o que ajuda a explicar em parte o atual surto de independência do Congresso, especialmente dos deputados federais.
O motivo do pessimismo congressual são os protestos de junho, ainda sem uma interpretação clara capaz de definir os projetos de reeleição. É uma questão de sobrevivência. Não é à toa que o Congresso se apressou a votar projetos como o passe livre para estudantes, o fim do voto secreto nas propostas de cassação de mandato parlamentares e a transformação da corrupção em crime hediondo.
Isso sem falar da PEC 37. Como se recorda, a proposta tirava o poder de investigação do Ministério Público, algo que sempre incomodou as autoridades, em qualquer governo, do PSDB ou do PT. Antes de junho, tinha-se como líquido e certo que a Câmara aprovaria a Proposta de Emenda Constitucional. Mas a PEC 37 tornou-se estrela imprevisível dos protestos, talvez o maior símbolo da insatisfação dos manifestantes com a corrupção e a impunidade. Assustados, os deputados trataram de remeter o projeto ao arquivo: não há nada que assuste mais quem dispõe de um mandato do que o barulho da rua.
Os resultados das últimas eleições mostram que os deputados têm razão ao se preocupar com a "voz rouca das ruas", para usar a expressão consagrada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A eleição de 1990 para a Câmara, aparentemente, se deu no mesmo clima de renovação que um ano antes apressara a aposentadoria de parte da geração que fizera a transição do regime militar para a democracia.
Na eleição seguinte, em 1994, o presidente era Itamar Franco. Ocupava o lugar de Fernando Collor, destituído do cargo depois de os "carapintadas" tomarem conta das ruas. Mas além do impeachment de Collor, no período entre as duas eleições, o Congresso também foi atingido pela denúncia de que um gigantesco esquema de fraude presidia a Comissão do Orçamento: dos 18 parlamentares acusados, seis perderam o mandato e quatro renunciaram para evitar a cassação.
A combinação do impeachment com o escândalo dos anões do Orçamento, assim chamado porque os principais envolvidos eram de baixa estatura, acabou numa renovação de 54,28% da composição da Câmara. A segunda mais elevada, de acordo com levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Este foi o segundo maior índice de renovação, no período. Na eleição seguinte, em 1998, a primeira com reeleição permitida para o presidente e governadores, a renovação da Câmara caiu para 43,85%. Vivia-se, então, o período de estabilização da economia e FHC foi reeleito no primeiro turno, em disputa com Luiz Inácio Lula da Silva.
Em 2002, com inflação, dólar e taxas de juros elevados, o índice de renovação voltou a crescer, mas nem tanto: foi dos 43,85% da eleição anterior para 44,83%. Mas o PSDB perdeu o governo para o PT. Em 2006, depois do escândalo do mensalão, esse porcentual voltou a subir e foi para a casa dos 47,95%, talvez influenciada pelo esquema de compra de votos em troca de apoio político, o chamado mensalão, um dos maiores escândalos políticos envolvendo congressistas já ocorridos.
A taxa de renovação, ainda alta, caiu para 44,25% na eleição de 2010, a mesma em que Lula passou a faixa presidencial para Dilma Rousseff, a primeira mulher a vencer a disputa para presidente da República.
Existe uma máxima, no Congresso, que o governante pode pedir tudo ao detentor de um mandato parlamentar, menos algo que ameace sua sobrevivência política. Nesse momento, a 14 meses das eleições de 2015, os deputados não pensam em outra coisa a não ser na própria reeleição. E eles estão cismados de que o eco das ruas de junho vá reverberar em 2014 com uma renovação recorde de mandatos. E os protestos podem voltar entre junho e julho do próximo ano, por ocasião da Copa do Mundo, como ocorreu no período da Copa das Confederações.
O temor dos deputados é mais um fator nas dificuldades que a presidente Dilma Rousseff atualmente enfrenta para negociar projetos de interesse do governo com o Congresso, especialmente com a Câmara dos Deputados (o Senado renova apenas um terço das bancadas, nas eleições de 2014). Os deputados serão mais ou menos receptivos ao governo, sobretudo na votação dos vetos presidenciais - o que realmente interessa no momento -, quanto mais facilitador for o Executivo para suas reeleições.
O PT já decidiu reeditar, nas eleições de 2014, a estratégia que executou em 2010 e que levou o governo a equilibrar a relação de forças no Senado: dar prioridade à eleição de senadores. Onde não tem o governador como candidato à reeleição, a decisão do PT é apoiar candidatos dos partidos aliados em troca do apoio para o Senado. À exceção, é claro, são grandes colégios eleitorais como São Paulo, onde o PT avalia que há chance real de o partido vencer a eleição.
Em colégio menores, como Pará, Amazonas, Alagoas, Sergipe e Paraíba, "topamos tudo", segundo afirma um dirigente do PT. Ou seja, o candidato ao governo do Estado pode ser do PMDB ou qualquer outro partido aliado, desde que o PT tenha condições de preencher, com a ajuda dos aliados, a vaga de senador. Em 2010, depois que a candidatura Dilma Rousseff estava bem encaminhada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu prioridade para a eleição do maior número de senadores. O Senado foi a maior fonte de dificuldades para Lula com o Congresso. O ex-presidente elegeu especificamente um conjunto de senadores para derrotar, dentre eles Heráclito Fortes (PI), Tasso Jereissati (CE) e Artur Virgílio (AM) e José Agripino (DEM-RN). Só este se reelegeu.




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