VAMOS CHAMAR ASSÉDIO ONLINE DE MULHERES PELO NOME VERDADEIRO: TERRORISMO
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VAMOS CHAMAR ASSÉDIO ONLINE DE MULHERES PELO NOME VERDADEIRO: TERRORISMO


O Lucas recomendou e traduziu este artigo da Vice Canadá escrito por Anne Thériault em 12 de fevereiro último:

Há alguns meses eu estava na televisão para falar sobre cultura do estupro. Foi pouco depois que as alegações contra Jian Ghomeshi foram publicadas, e eu fazia parte de um painel que discutia assédio sexual e violência contra as mulheres. Me certifiquei de manter tudo que eu dizia no nível básico — nada muito radical, completamente baseado em estatísticas facilmente analisáveis. Não estava em modo “feminista raivosa”; eu era mais “garota legal na TV que talvez sorria demais”, estava tentando me passar por agradável e racional.
Posteriormente, o programa de televisão subiu o seguimento no YouTube. O primeiro comentário era de um homem dizendo que eu merecia ser estuprada.
Gostaria de dizer que este comentário era alguma anomalia mas, claro, não era. Ameaças de estupro, de morte e de violência em geral povoam meu inbox, menções de Twitter e comentários de blog [aqui no Brasil também]. Há gente que alveja a minha família — uma tática popular é ameaçar me reportar ao Juizado de Menores como uma mãe abusiva.
O que faz esses incidentes piores é o quão comuns eles são, não apenas para mim mas para qualquer mulher que fala ou ocupa espaço, especialmente na internet.
"Homens em redes formais ou informais têm se engajado em discursos direcionados com a intensão expressa de silenciar mulheres,” disse a professora Joanne St. Lewis, membro do Corpo Docente da Faculdade de Direto na Universidade de Ottawa e palestrante no CREATE Homeland Security Center of Excellence Executive Program on Counter-Terrorism [em tradução livre, Centro de Segurança Nacional do Programa de Excelência Executiva em Contra-Terrorismo], da Universidade do Sul da Califórnia. "Eles não estão dispostos a sujeitar suas ideias aos desafios propostos pela defesa das mulheres. Ao contrário, ameaçam e intimidam mulheres."
Eles ameaçam e intimidam mulheres com a clara intenção de calá-las. Tais ataques não são simples “trolagens”. Muito menos ataques aleatórios. Eles, com certeza, não são simples exemplos de “liberdade de expressão”.
Precisamos começar a chamar as coisas pelos seus nomes reais. Isto é terrorismo de gênero.
Um terrorista, por definição, é alguém que usa violência ou ameaças de violência para intimidar e coagir. Com isso em mente, estes homens são terroristas em teoria.
Em uma era em que a palavra “terrorista” é frequentemente usada para descrever certos tipos de violência, tanto que a BBC recentemente recomendou “uso cuidadoso” do termo ao seu pessoal, parece inacreditável que as pessoas continuem a ser reticentes em aplicá-la ao abuso e ameaça online às mulheres.
St. Lewis diz, "a princípio pode parecer exagero se referir como terrorismo ao discurso online de ameaça e silenciamento feminino. Contudo, tais ataques têm tido impactos em tempo real nas vidas de mulheres ativistas dos direitos femininos e resultam em censura preventiva das mulheres ameaçadas, dentre outras, que se calam para evitar novos ataques. Isto limita nossa habilidade de avançarmos em nossos direitos, formarmos nosso ativismo e participarmos em processos político-democráticos.”
O último ano ofereceu diversas evidências das consequências reais deste tipo de intimidação online.
No auge do GamerGate*, a desenvolvedora de games Brianna Wu foi aconselhada pela polícia a deixar seu lar, após receber repetidas e detalhadas ameaças contra ela e sua família. Ela recentemente tuitou ter recebido 45 ameaças reais de morte.
Uma conversa da crítica de mídia Anita Sarkeesian na Universidade de Utah teve que ser cancelada depois que alguém ameaçou fazer um ataque no estilo “Massacre de Montreal” (referência ao assassinato de catorze mulheres na Escola Politécnica de Montreal, em 1989); Sarkeesian também foi escoltada de sua casa várias vezes.
Adam Baldwin, ex-membro do elenco de Firefly [extinta série de ficção científica popular no meio geek] e anti-feminista conhecido, circulou vídeos em que os comentários revelavam informações pessoais de Zoe Quinn, a desenvolvedora de games pivô das teorias da conspiração GamerGate, fazendo com que Quinn tivesse que (adivinhou) fugir de sua própria casa.
Quando Shanley Kane, fundadora do Model View Culture, criticou a comunidade Linux pelo contínuo apoio a um de seus líderes, um homem com um longo histórico de comportamento opressivo e abusivo, o endereço de cada membro de sua família próxima foi publicado online. A própria Kane recebeu milhares de ameaças de violência, estupro e morte.
As escritoras e ativistas Feminista Jones, Sydette, Pia Glenn e Imani Gandy falaram recentemente em um artigo para a Alternet sobre o abuso racista e de gênero que mulheres negras sofrem no espaço público.
Tais exemplos são apenas uma pequena fatia da violenta perseguição que as mulheres encaram online. São apenas os casos grandes e escandalosos, os poucos que viram notícia. 
A realidade é que ameaças assim têm sido lançadas às mulheres com uma frequência quase diária. Algumas vezes elas se intensificam ao ponto do envolvimento de força policial; outras vezes o resultado de tais ataques é o recuo das mulheres que fecham suas contas em redes sociais, retirando-se do discurso online. Mas seja resultando em uma mulher ser forçada a deixar sua casa ou em deletar seu twitter, a intenção é sempre a mesma: silenciá-las. Não apenas uma mulher, mas todas.
De acordo com St. Lewis, "tais homens querem mudar o terreno em que as ideias tomam lugar, para um de guerra psicológica e/ou física. A estratégia de usar violência sexual não é acidental -– é deliberada e é referente a um gênero."
Estas são ameaças que acontecem publicamente, à luz do dia, por homens usando seus nomes reais. Daí se vê o quanto as consequências são mínimas para quem comete este tipo de ameaça e abuso.
Continuamos a nos referir a essas ocorrências como “ameaças inofensivas” e culpamos as mulheres por não quererem se envolver em um “debate mais robusto”. A ideia de liberdade de expressão é frequentemente evocada, e as mulheres ameaçadas não raro ouvem que se elas não entendem uma piada, não deveriam estar na internet. As pessoas costumam dizer que homens sofrem perseguição online tanto quanto as mulheres, um argumento que ignora completamente as ameaças violentas e baseadas em gênero que as mulheres recebem.
"Quando chamamos de terrorismo, estamos declaradamente dizendo que a ameaça online às mulheres cria um déficit democrático para todxs nós,” confronta St. Lewis. “A cidadania das mulheres e os direitos à dignidade e respeito não param na fronteira virtual da internet. A palavra ‘terrorismo’ deveria fazer as pessoas sentarem e prestarem atenção. Chama a atenção para o reconhecimento de um problema sério, ação rápida, recursos e responsabilidade. Tudo isso já está atrasado em uma área em que trolls e cyberbullies prosperam”.
Este tipo de terrorismo precisa ser tratado com o mesmo tipo de gravidade que damos a outras formas de terrorismo doméstico. É necessário assumir responsabilidade, além de consequências rápidas e justas. Acima de tudo, é preciso haver um reconhecimento de que tais ameaças online não são aleatórias nem inofensivas, mas sim parte de um esforço sistemático para aterrorizar as mulheres.

* Nota do Tradutor: GamerGate, segundo a Wikipédia, é uma hashtag sobre ética e controvérsia no jornalismo de videogames relacionadas ao sexismo na cultura gamer.
Seus defensores acusam veículos de jornalismo especializados e movimentos sociais (especialmente o feminismo) de travarem guerras culturais e ideológicas contra o desenvolvimento, reconhecimento artístico e identidade sociocultural dos games/gamers.
Contudo, a controvérsia se iniciou após grupos de usuários online ameaçarem a desenvolvedora de jogos Zoe Quinn e publicarem seus dados pessoais (endereço residencial, telefone etc) em comentários do YouTube, tópicos no Reddit e em fóruns como 4chan e 8chan, juntamente com ameaças de estupro e morte.
O artigo original (em inglês) da Wikipédia é bem eficiente para o entendimento do assunto, assim como este artigo da Gawker.




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