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Visão oligárquica e protestos em SP
Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
O descompasso absurdo entre as inquietações de nossos sábios e a vida real dos homens e mulheres de São Paulo acaba de ser exposto de forma simples e radical.
Enquanto a parte de cima da cidade passou os últimos anos procurando transformar a definição de ciclovias em questão de alta relevância para os poderes públicos, a população debaixo estava preocupada com o preço da passagem de ônibus.
A revolta popular-juvenil contra o aumento da passagem já dura vários dias. É lamentável pela violência, em que a falta de preparo da polícia se combina com o excesso de espírito provocador de uma parcela de estudantes.
Mas os protestos são grandiosos, mobilizam milhares de pessoas e envolvem uma causa justíssima.
Obrigada, desde o último aumento, a gastar pelo menos R$ 192 por mês – ou R$ 2.304 por ano -- apenas para se deslocar duas vezes por dia pela cidade, a população que anda de ônibus e metrô tem o direito de ser ouvida num ambiente de serenidade e respeito, para avançar em suas reivindicações.
Para quem recebe o salário mínimo, a passagem consome três meses de trabalho no ano. Nem a turma que tem carro reserva para usar no rodízio vai dizer que é pouco, certo?
Em matéria de transporte coletivo, essa forma sutil mas essencial de cidadania nos grandes centros urbanos, que envolve as obrigações de todo mundo, mas também o exercício prático do direito de ir e vir, o mundo de cima cometeu um absurdo erro de cálculo.
Conseguiu-se até patrocínio para ampliar o lugar das bicicletas, um meio de transporte cujo charme indiscutível não deveria encobrir seu caráter limitado, espaçoso e lento, que complica o transito de ônibus e automóveis em ruas e avenidas, mas nada ofereceu à maioria dos paulistanos, forçados a pagar a mais cara tarifa de transporte público do país por sardinhas em lata inseguras, desconfortáveis e até perigosas.
O risco de uma reação já era previsível há dois anos, quando protestos contra o penúltimo aumento chamaram a atenção na avenida Paulista e em outros pontos da cidade.
Toda proposta capaz de aliviar a situação do transporte coletivo é bem-vinda, como a criação de faixas exclusivas para ônibus nas marginais e em outros pontos da cidade. Mas são soluções paliativas, de efeitos modestos em comparação com investimentos realizados e o desgaste que produzem.
Uma década depois que a prefeita Marta Suplicy criou o bilhete único, última novidade socialmente relevante na vida dos paulistanos, as labaredas afirmam, com ênfase incendiária, que é preciso avançar mais, com mais ousadia, na mesma direção.
Iniciada no governo de Paulo Maluf, a privatização dos transportes públicos da cidade já se revelou um fiasco histórico. Inviabiliza a prestação de um serviço público essencial e deixa a população na dependência das planilhas de cálculos das empresas de ônibus. O debate sobre a municipalização dos transportes está colocado. A criação da passagem gratuita - ou muito barata - também deve ser debatida.
Além de pneus, lixo e todo material inflamável que se encontra nas ruas, as chamas dos últimos dias consumiram ideias tolas e ultrapassadas. O que está pegando fogo em São Paulo é uma visão oligárquica da cidade.
Quem não percebeu isso não compreendeu nada, como diria um conhecido pensador do iluminismo.
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