“A MAIOR CRUELDADE É QUE A GENTE APRENDE A SE ODIAR”
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“A MAIOR CRUELDADE É QUE A GENTE APRENDE A SE ODIAR”


"Ame a si própri@", diz a mensagem deixada na areia

Janaína, uma leitora muito triste, me enviou os dois emails que reproduzo abaixo.

Lola, li seu post sobre padrão de beleza e sobre os corpos dos atletas. Concordo com você que somos condicionados a gostar de determinado padrão de beleza, mas eu não sou forte o suficiente como você: eu me deixo afetar.
Sabe, Lola... Sou gorda. Muito gorda. Sempre fui. Quando tinha 14 anos, o meu apelido era baleia. Também me chamavam de feia e gozavam do meu cabelo, que era bem crespo. Um dia, perto do meu aniversário de 15 anos, um dos meninos da minha turma descobriu que eu era a fim de outro garoto, da outra turma, amigo dele. Por "diversão", os dois fizeram uma aposta. Se o cara ficasse comigo, ganharia 20 reais. Não preciso nem dizer que ele ganhou os 20 reais e todos me zoaram. Mudei de escola.
Dez anos se passaram e agora alisei o cabelo e já emagreci bastante, mas continuo gorda. E tenho estrias horrorosas e celulite e flacidez. Estou juntando dinheiro para plásticas. Os tratamentos para estrias são caríssimos e muito dolorosos. Já ouviu falar em carboxiterapia, Lola? Nossa, dói demais. E custa mais de mil reais o pacote com dez aplicações! E, apesar de tantos gastos, não há garantias de que as estrias vão sumir completamente: vão apenas diminuir.
Eu moro perto do mar, mas não vou à praia, embora goste muito de água. Também não vou ao clube e não frequento piscinas. Tenho muita vergonha do meu corpo. Também não faço sexo. Não por ser moralista, religiosa, ou por esperar o "cara certo", mas porque acho que, por mais que o cara esteja a fim de mim, quando eu tirar a roupa e ele se deparar com minhas gorduras, minhas celulites, minhas estrias, vai rir de mim.
Aliás, nesse ponto, eu me pareço com os "masculinistas". Eu não acredito em homem-exceção. Para mim, todos eles vão rejeitar minha aparência. Também não acredito em amor verdadeiro, Lola. Acho que ninguém (homem ou mulher) se apaixona por gente feia. Sei que o que estou dizendo não é nada racional.
Até porque, o problema nem é o que os homens pensam ou deixam de pensar. É o que eu penso. Imagina, não vou à praia por vergonha de minhas gorduras, Lola. Eu me privo de um prazer por medo do olhar dos desconhecidos da praia.
Sabe, Lola, não é que eu seja fútil: eu nem queria ser admirada pela beleza. Só queria não ser rejeitada e só queria não me rejeitar por conta da aparência.
Acho essa história de beleza interior a mais cruel das piadas.
Por enquanto, continuo nos dolorosos e CAROS tratamentos estéticos e tentando juntar dinheiro para as plásticas.
É triste, Lola. Mas a auto-estima nem sempre é tão fácil de se ter quando a gente está fora do padrão. A maior crueldade de todas é que a gente aprende a se odiar.
(agosto) Mais uma vez seu post foi feito para mim. Eu sou dessas que sofrem e sofrem e sofrem por conta do corpo. Como já te contei, até hoje tenho problemas que não passam. Sinto-me excluída do mundo, pois a beleza, que me falta, é fundamental para a felicidade. Para ter um bom emprego, é necessário ter uma boa aparência. E a vida amorosa, então, Lola? Todos os dias publicam-se matérias sobre como a BELEZA está em primeiro lugar para homens. Eu tenho problemas sexuais, não pelo sexo em si, mas pela não aceitação de meu corpo. Não fico nua na frente de ninguém. Não vou à praia. Não coloco biquíni. Nunca. Tenho horror por meu corpo e achei que as plásticas e tratamentos estéticos ajudariam, Lola, mas parecem mais fábricas de ilusões.
Daqui a poucos anos, terei 30 anos de idade. E ainda não superei o bullying, ainda não aceitei meu corpo, ainda não desaprendi a me odiar.
Continue escrevendo, seus textos são maravilhosos.

Eu aqui. Janaína, publico esse dois emails porque tenho certeza que eles falam a muita gente. Quantas mulheres você conhece que gostam do seu próprio corpo? Eu conheço pouquíssimas. Em maio participei de um seminário no Sesc sobre Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado. Uma pesquisa do Sesc junto a Fundação Perseu Abramo nacional, muito abrangente, com 2.365 entrevistas com mulheres e 1.181 com homens, foi feita em 25 estados, com resultados interessantíssimos que ainda preciso tratar aqui. Mas um dos números que chamou minha atenção foi que 70% dos homens e 50% das mulheres diziam estar totalmente satisfeitos com a aparência. Aquele número altíssimo — metade das mulheres se aceita como é! — não bate com a realidade que conheço. O coordenador da pesquisa, o muito simpático Gustavo Venturi, professor da USP, me explicou o que acontece: parece que, a partir de uma certa idade (40, 50 anos), as mulheres passam a se aceitar. Quando elas percebem que já estão fora do padrão de beleza mesmo (que é sempre ligado à juventude), quando a pressão social (de que toda mulher deve ser decorativa acima de tudo) já não pode mais ser exercida, as mulheres começam a se sentir melhor. Ou seja, a invisibilidade pode ser positiva! Essa invisibilidade é assim: como mulheres só têm duas funções, ser mães e ser belas, e como essas duas funções já não podem mais ser cumpridas após uma certa idade, nos tornamos “invisíveis”, ninguém mais presta atenção na gente. O lado bom é que ficamos livres da patrulha!
Certo, não é bem desse jeito que as coisas funcionam. Continuamos sendo avaliadas e julgadas, só que bem menos do que antes. Mas o principal é que talvez nós mesmas passamos a ser mais boazinhas conosco. Porque vamos pensar: por quantas pessoas precisamos ser aceitas? Se somos hétero, quantos homens precisam nos achar lindas e sensuais? A menos que você seja miss, modelo ou atriz, a resposta é: um só. Não precisamos conquistar o mundo, até porque nem dá. Nem a Gisele Bundchen é universalmente aceita. Não existe unanimidade.
E esse homem (a menos que não queiramos ser monogâmicas) vai gostar da gente por uma série de fatores que vai muito além da aparência. Desculpa a comparação, mas sabe como a gente se apaixona pelo nosso cachorrinho e passa a considerá-lo o cão mais lindo do mundo? Pra outras pessoas ele é um cão normal, nem bonito nem feio, mas pra gente ele é especial. E por quê? Porque ele é nosso, porque a gente o conhece bem e o ama. Agora imagine só o que a gente sente por alguém da nossa espécie, que fala a nossa língua, com quem fazemos amor.
Mas eu disse que basta uma pessoa nos aceitar? Me enganei! Na realidade, o primeiro ser que precisa se aceitar é... você mesm@. Isso fica claríssimo nos seus emails, Janaína. E você tem total ciência disso. Você sabe que está se privando de prazeres (de praia, de sexo) por causa do que você acha do seu corpo e pelo que você tem certeza que os outros (desconhecidos, em sua maior parte!) vão achar. E você já percebeu que plásticas e quilos a menos não resolverão a sua rejeição. Você sabe que ainda não superou o bullying, e que ainda não desaprendeu a se odiar. Você já sabe de tudo isso. Então minha pergunta é: até quando você quer se odiar? Será que com 40, 50 anos você se aceitará? Vale a pena ficar mais uma ou duas décadas ou a vida toda sem sexo e sem mar (que você gosta!) porque você aprendeu que é horrível, e isso porque você acreditou num bando de cretinos que te chamaram de baleia?
Eu me identifico muito com você, Janaína. Tive a sorte de não ser bullied na escola, depois tive a sorte de levar pra cama todos os garotos que sempre quis (apesar de ser gorda!), e mais tarde tive a sorte de me apaixonar por um cara muito lindo (é você, ô maridão! Antes que ele pergunte “Quem é ele?”) e ser correspondida. Mas nem o meu feminismo, nem os meus estudos, nem a minha perspicácia pra saber que as imagens que nos cercam são mentiras, foram capazes de me livrar de anos e anos de desgosto de mim mesma. Foi só com 40 anos, por aí — e devo dizer que ler O Mito da Beleza (disponível online) e escrever este blog me ajudaram demais —, que comecei um processo de autoaceitação. Não vou dizer que me odiava antes (ódio é uma palavra forte demais), mas eu me sentia inadequada sempre que me olhava no espelho. Hoje continuo vendo defeitos, lógico. Só que estou mais tolerante.
Os bullies que nunca tive hoje são trolls, que me detestam não pela minha aparência (eles nem me conhecem!), e sim pelo que eu penso e escrevo. No entanto, quase sempre tentam me ofender dizendo que sou feia, gorda, boba e chata, o que eu chamo de argumentação da quarta série. Esses insultos tão maduros e embasados me afetam muito menos que um mosquito aqui em casa (pois mosquito pica, enquanto troll só faz ruidinho). Porque pensa só: um babacão que aparece pra me xingar de baleia está depondo contra mim ou contra si próprio? Ele sabe que é contra si próprio, tanto que tem vergonha de fazer isso sozinho. Precisa fazê-lo anonimamente ou estar no meio de um grupinho de amigos, porque pega mal. Não pega mal pra mim — eu não me deixo afetar, acho baleias divinas, não acho gord@ sinônimo de feiura —, mas pra ele. Você acha que muita gente acha legal o que seus colegas paspalhos fizeram contigo quando você tinha 15 anos? Não, só os trolls acham legal. Ou fingem que acham. É bem provável que aqueles adolescentes que te humilharam amadureceram. E, se lembrarem do que fizeram com você, sintam vergonha.
Eu acredito na diversidade das pessoas, Janaína. Acho que, assim como nós existimos em todos os tamanhos, formas, e cores — e que essa diversidade é linda e positiva —, existe gente que se deixa contaminar menos por um padrão único de beleza e aprende (precisa ser autodidata!) que há beleza em tod@s. Não há nenhuma lei dizendo que gord@s devem morrer sós e infelizes. Mas não será um blog que melhorará seus problemas de aceitação. Você precisa de ajuda psicológica, Janaína (não é demérito — acho que todo mundo se beneficiaria de terapia. Principalmente os bullies e trolls).
Você aprendeu a se odiar. Agora precisa desaprender. Quanto antes, mais tempo te sobrará pra fazer sexo, pegar praia e ser feliz.




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