Cheguei em casa e verifiquei o cupom fiscal. Sabe o cream cheese que tava na gondola por 1,50? Passou por 2,39. Cada. Uma diferença enorme, de quase 90 centavos por produto. Por esse valor, 1,80 a mais que me foi cobrado, dava pra comprar duas barrinhas de chocolate em promoção na farmácia. Falei pro maridão: não vamos voltar àquela porcaria de supermercado só pra isso. Na semana que vem, quando formos novamente, aí reclamamos.
Voltamos na última quarta. Logo ao entrar, procurei o gerente. Expliquei a situação. Disse que isso acontecia todas as vezes. Precavida, eu havia levado uma cópia impressa de uma lei estadual chamada Scanner Law, que afirma claramente: se um produto passar com um preço mais alto no caixa, e a transação for finalizada, o consumidor tem até 30 dias para reclamar. A loja “pode escolher devolver” (palavras um tanto estúpidas, pra uma lei) a diferença entre o valor marcado e o valor cobrado, mais um bônus de até dez vezes essa diferença, num mínimo de 1 dólar e num máximo de 5. Se a loja se recusar a pagar essa diferença e esse bônus, o consumidor pode entrar com um processo pedindo um máximo de 250 dólares por danos morais, mais 300 pras taxas de advogado. Parece uma lei decente pra proteger o consumidor, né?
O gerente me disse que eu não podia voltar lá uma semana depois e dizer que o preço era outro, porque fica a minha palavra contra a dele, e está mais do que na cara que eu sou uma ladra mentirosa, e que o estabelecimento comercial, que cobra a mais 100% das vezes, é que é honesto. Não foi bem isso que ele falou, mas você entendeu. Ele aceitou “confiar na minha palavra” e me devolveu a diferença, $1,80. Eu repeti que esse problema não acontecia uma só vez, mas todas, e o que eu queria mesmo é que isso parasse. Ele falou que, se ocorresse novamente, era pra passar lá pra falar com ele na hora. Logo, fui às compras sem stress, peguei o de sempre, desisti de conferir o preço de cada produto no caixa, porque as estatísticas não mentem - óbvio que ia acontecer de novo. Paguei, vi a nota. Tava lá. Um pacote com três sabonetes que compramos passou por $1,49, quando o preço marcado no produto era 1,09. Eu tinha levado os dois últimos pacotes, ambos marcados 1,09. Fui ao gerente, mostrei a nota, mostrei o produto, e ele, muito revoltado, foi consultar um outro supervisor. Não havia nem o que consultar. A etiqueta no produto dizia 1,09. Pagamos 1,49. Pela lei, o supermercado deveria nos dar 4 dólares, porque é a diferença, 40 centavos, vezes dez. Mas eu e o maridão ficamos lá, plantados, aguardando. Enquanto esperávamos, mais de quinze minutos, um empregado do supermercado, nervosíssimo, veio falar comigo, engrossando a voz:
- Eu sei o que você está fazendo. Você fica caçando produto com preço diferente pra lucrar. Por isso você trouxe a cópia da lei. Eu conheço o seu tipo. Muita gente faz isso, e não acaba bem pra eles. Eles vão presos. Você devia tomar cuidado!
Assim, na cara dura, me ameaçando. Por eu estar exercendo um direito meu! (Sem falar que como que alguém pode adivinhar o produto que vai dar erro?). O carinha não tava interessado em me escutar. Só me insultou, me ameaçou, e foi embora. O que mais revolta é que esse pobre coitado deve ganhar salário mínimo e trabalhar feito um escravo no supermercado, mas toma as dores dos patrões, que lucram com a diferença de preço entre o que tá marcado e o que é cobrado. Eu só tive tempo de responder, meio que gritando atrás dele: “Vocês é que deviam tomar cuidado! São vocês que não estão agindo dentro da lei”.
Veio outro empregado ameaçador perguntar o que estava havendo. Repeti. Depois outro. Finalmente voltou o gerente, com uma pasta imensa, e um outro supervisor, mais velho. O gerente me mostrou um numerinho na pasta, entre centenas de produtos, com o preço do sabonete, 1,49. Portanto, o preço era aquele mesmo e eu estava errada, porque tava marcado na pasta, entende? E não importa o que está marcado na cara dele, no produto. Argumentei que não tenho como saber o que está marcado na pasta dele. Que o único preço que conheço é o marcado no produto. Que a lei é clara nesse sentido. O supervisor disse que às vezes as pessoas, sem querer, trocam as etiquetas dos produtos, e que o supermercado, coitadinho, não tem como fiscalizar tudo. Mas que não, imagina, ele não tava me acusando de fazer isso. Peguei o papel e comecei a ler a lei pra ele, e ele me cortou: “Esqueça a lei”. Eles disseram que não iam nos pagar a diferença coisa nenhuma, e era melhor ir embora. O gerente ainda começou a gritar que eu mandasse algum órgão fiscalizador pra lá, que ele iria mostrar a mesma pasta. E que ele fez muito em me devolver a diferença do cream cheese. E que não deveríamos mais fazer compras lá. Pra ficarmos longe daquele supermercado pra sempre.
Agora nem sei direito o que vou fazer, a quem recorrer. Mas alguma coisa eu vou fazer, escrever umas cartinhas, sei lá. E, claro, não voltaremos àquele supermercado. Provavelmente minha reclamação não vai levar a nada. Mas o que me chateia mesmo não é termos sidos humilhados em público e expulsos por exercer um direito nosso, nem a corrupção aberta de um estabelecimento comercial, nem essa diferença entre o preço marcado e cobrado. Não, o pior é a diferença de percepção entre o que brasileiro de classe média acha que é a América e o que é a América de verdade. Passei a vida toda ouvindo “as verdades” de gente que provavelmente nunca pisou no exterior. Frases como:
“Isso só acontece no Brasil!”
“Se isso acontecesse nos EUA, ohhh, não quero nem pensar!”
“Lá tudo funciona direitinho”.