Por Joana Rozowykwiat, no site Vermelho:A situação da economia brasileira é difícil, mas está longe do caos. Esta foi a conclusão dos economistas Luiz Carlos Bresser-Pereira, Leda Paulani e Guilherme Mello, que participaram, nesta segunda (23), do Ciclo de Debates “Que Brasil é Este?”. Cada um deles, contudo, apresentou seu próprio diagnóstico para a crise atual e propôs distintos caminhos para enfrentá-la.
Pacto pela Produção
Primeiro a falar, o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira defendeu que, apesar dos problemas econômicos, o país não vive um momento caótico. Para isso, avalia, seria preciso um cenário de hiperinflação, que não se delineia no horizonte.
O economista, contudo, avaliou que, desde a redemocratização, o Brasil tem acumulado dificuldades na área econômica. “Nós fracassamos. Nós, elites brasileiras. Nós, brasileiros, fracassamos no plano econômico”, vaticinou. Ele resgatou que, depois de um período de crescimento entre as décadas de 1930 e 1980, o país viveu uma década de grande crise da dívida externa e de alta inflação, que o levaram à estagnação.
“Mas esses dois problemas [dívida externa e inflação] foram resolvidos, e era de se esperar que o Brasil voltasse a crescer e crescesse forte. Mas o que nós vimos? Que o Brasil continuava ali, semiestagnado”, apontou, citando o período de boom das commodities como um momento em que todos acreditavam que o país tinha decolado, mas que durou pouco e logo voltaram as dificuldades.
“O Brasil que entre 1930 e 1980 cresceu de forma extraordinária, tinha um projeto de industrialização, que foi cumprido, e o Brasil crescia a 7%. Desde então, tem crescido algo em torno de 1%. E agora esse desastre, o Brasil não está semiestagnado, está em regressão. Estamos voltando a ser pobres. Éramos um país industrial e não somos mais. Um país que deixa de ser industrial para voltar a ser país exportador de commodities está condenado ao retrocesso”, criticou. E destacou que a indústria, que já representou 30% do PIB brasileiro, hoje significa apenas 9%.
Bresser apontou que, a partir de 1990, o país deu uma guinada para a direita e viveu 12 anos de um experimento liberal populista. Nesse período, passou por duas crises financeiras e, embora tenha conseguido controlar a inflação, não retomou seu crescimento. Em seguida, vieram os 12 anos de governos no PT. Para ele, apesar de terem o mérito de reduzir de fato as desigualdades sociais, tais gestões também não foram exitosas na economia.
“A causa fundamental disso foi uma armadilha macroeconômica da qual não saímos. A armadilha de uma alta taxa de juros e de uma taxa de câmbio apreciada no longo prazo”, disse.
“A taxa de juros escandalosa que existe no Brasil é uma coisa terrível! Os capitalistas rentistas têm senhoriagem da ordem de 6% do PIB, em termos de juros. É isso que capturam todo ano. É uma violência contra o desenvolvimento econômico”, condenou.
Em relação ao câmbio, ele sublinhou que, para alcançar desenvolvimento econômico, é fundamental ter investimento. “Ou fazemos uma revolução socialista ou, se formos viver no capitalismo, precisamos que os empresários invistam”, disse. E uma taxa de câmbio apreciada, apontou, inibe o investimento.
“A taxa de investimento depende da taxa de juros e da expectativa de lucro. Taxa de juros baixa, não temos. Diz a direita que isso decorre do mercado, da necessidade de combater a inflação, tolices desse tipo, mas decorre fundamentalmente do controle que eles têm sobre o BC, sobre a mídia e o pensamento brasileiro”, disparou.
Na continuação da explicação, Bresser disse que a taxa esperada de lucro depende da demanda efetiva, que não está assegurada. Logo, é preciso ter uma política econômica que garanta que a demanda efetiva esteja lá, para que os empresários decidam investir. “Aí vem uma teoria novo-desenvolvimentista e diz que não basta demanda efetiva, mas que haja câmbio competitivo, porque, sem isso, no longo prazo, os empresários não têm acesso a essa demanda”, afirmou. Então, se o câmbio está alto, os empresários não irão investir.
O ex-ministro mencionou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu de seu antecessor uma taxa de câmbio que seria hoje equivalente a R$ 7 por dólar. E entregou para a presidenta Dilma um câmbio de R$ 2,2. Para ele, isso foi um “crime”. Durante o período em que foi apreciando o câmbio, Lula pôde segurar a inflação, aumentar os salários e rendimentos dos trabalhadores. “Todo mundo entra em felicidade. Todos vão para Miami. Mas é claro que a economia morre. Na verdade, estivemos matando deliberadamente a nossa indústria desde 1985”, afirmou.
“O empresário fazia conta e via que não valia a pena investir, porque os concorrentes deles iam colocar no mercado produtos a preços muito mais baratos. Quanto a exportar, nem pensar”, indicou.
Para Bresser, contudo, o principal motivo da atual recessão foi a queda violenta do preço das commodities, aliada à crise da Petrobras e a problemas políticos. “De repente nos vemos metidos em uma crise política, antinacional, antipatriótica. Uma violência da direita, que fez essa política do impeachment, que parece que está razoavelmente superada. Mas o fato é que, no momento em que o Brasil precisava se unir para enfrentar a recessão, os derrotados em 2014 e os irresponsáveis de sempre se puseram em marcha”, condenou.
De acordo com Bresser, a partir de 2013, houve uma guinada da classe média em direção à direita. Para ele, a razão disto teria sido o fato de que, se ricos e pobres foram beneficiados pelas políticas desenvolvidas nos últimos anos, a classe média teria ficado à margem das conquistas. “E vemos no Brasil você deixar de ter a política como a luta entre adversários, para ter o ódio. Isso é uma tragédia.”
O ex-ministro defendeu então que é preciso um grande pacto nacional para tirar o país da atual situação. “O Brasil só poderá superar o momento se fizer um diagnóstico sério de seus problemas – puser a taxa de câmbio como problema fundamental, além da taxa de juros. E quando fizer um grande acordo nacional”, que envolva trabalhadores e empresários da produção, encerrou.
Terrorismo econômico
A professora da Faculdade de Economia e Administração da USP Leda Paulani começou sua intervenção concordando com Bresser-Pereira. Segundo ela, não há caos na economia brasileira. Pelo contrário, o país teria hoje uma economia estruturada, que viabilizaria uma capacidade de reagir a momentos como o atual. “Essa capacidade de reação, ao meu ver, só pode ser minada por fatores estranhos e aleatórios, que acontecem pelo caos que se passa hoje, não na economia, mas na política e nas instituições. É aí que tem caos”, opinou.
No retrospecto sobre os direcionamentos adotados ao longo da história do Brasil, Leda defendeu que, mesmo após a chegada do PT ao poder, a política econômica permaneceu pautada por receitas neoliberais. “Práticas de financeirização, que entram no setor produtivo e começam a comandá-lo. Isso não mudou. A diferença é que, lá pelas tantas, as políticas sociais – e especialmente a valorização do salário mínimo – começaram a ter efeito multiplicador e a economia começou a crescer”, disse.
Segundo ela, de 2004 a 2010, a economia cresceu “de forma estranha”, sustentada pelo consumo (que por sua vez estava amparado numa política de concessão de crédito), e não pelo investimento, como deveria ser para que fosse sustentável. A partir de 2011, uma série de variáveis teria se somado, resultando na atual crise.
Entre estes fatores, Leda citou o esgotamento esperado desse “arranjo macroeconômico ao reverso”; o aprofundamento da crise internacional; os efeitos de décadas de apreciação do câmbio; e, por fim, “o fechamento do cerco político à possibilidade da continuidade do PT no governo federal”.
Ela mencionou que alguns cientistas políticos, a exemplo de Armando Boito, apontam a existência de uma espécie de aliança produtivista, antifinanceirização, no início do governo Dilma, mas que teria se rompido, segundo Leda, detonada pelas manifestações de julho de 2013 e por uma certa “impetuosidade” da presidenta.
“Isso foi fazendo com que aquela elite que tinha entrado nessa coalizão produtivista tirasse o carro claramente depois de 2013”, disse. De acordo com Leda, esse cerco político começa a detonar um processo que ela chama de “terrorismo econômico”.
“Terrorismo econômico é você exagerar tudo que é ruim: ‘a economia está indo para o caos, há deficit primário, isso nunca aconteceu desde 2002!’. E quando você compara com outros momentos ou outros países, você vê que não há motivos para o tamanho do escândalo e da gritaria que se fez”, disse.
A professora citou, como exemplo, a relação dívida-PIB, que chegou a 62% no Brasil, mas, no Reino Unido, é de 90% e, no Japão, de 230%. “Esses 62% não é caos, não é barbárie. É terrorismo econômico.”
De acordo com Leda, o mesmo pode ser dito do discurso a respeito do resultado primário, que cobra a manutenção de superavits a todo custo. “É o discurso dominante, que foi tão forte, que capturou o governo Dilma, que colocou na Fazenda o [Joaquim] Levy e jogou uma política de austeridade em cima de um quadro que já era ruim. E há sempre o fantasma do golpe assombrando, e com um Congresso que é desfavorável”, observou.
Segundo a professora, nesse cenário, há um ciclo vicioso, em que a política deteriora as expectativas na economia, e vice-versa. Para ela, o comportamento das elites no país é “predatório”. “A sociedade brasileira fracassa, em boa dose, pela irresponsabilidade das elites”, disse. “Quando o povo tenta comandar o país, vem golpe”, completou.
Sem possibilidade de conciliação
Na última intervenção da noite, o professor da Unicamp Guilherme Mello discordou de algumas avaliações anteriores, defendendo que o Plano Real não se completou. “Não estou convencido de que, a partir do Plano Real, nós superamos a nossa herança inflacionária e o problema do endividamento externo”, disse. Segundo ele, o Plano Real teve o mérito de estabilizar os preços, mas com base não na moeda indexada, mas porque “conseguiram ancorar a taxa de câmbio e isso porque teve financiamento externo”.
“O real só deu certo por sorte, porque pegou um momento da economia internacional de alta liquidez, em que se a gente subisse os juros, como eles subiram, vinha capital – que antes não vinha. Mas isso não resolveu o problema da inércia inflacionária, que permanece. Hoje, continuamos discutindo que a inflação de 2016 não vai para dentro da meta. E por quê? Tem muita demanda? Muito crédito? Não, né? É porque tem uma coisa chamada inércia inflacionária”, defendeu.
Mello destaca ainda que, em 2002, o país entrou em crise cambial. Como havia muita dívida atrelada ao dólar, ele explica, quando se desvalorizava um pouco a taxa de câmbio, a dívida crescia. “Ou seja, não tínhamos superado o problema do endividamento até 2003”, disse.
O economista saiu em defesa do governo Lula, rebatendo o discurso de que ele conseguiu fazer o crescer o país apenas surfando na onda do boom das commodities. “A abertura comercial brasileira é muito baixa, é 10% do PIB. Nem que tivesse um crescimento monumental das exportações – como teve – isso conseguiria puxar o PIB para crescer 5%, 6%”, avaliou.
Para ele, se o setor externo fosse tão relevante na economia brasileira, o superavit comercial que o país deve ter em 2016, agora que a taxa de câmbio está mais equilibrada, não viria acompanhado de uma queda de 4% no PIB, como se prevê.
O economista também procurou afastar a tese de que o governo Lula foi populista. “O crescimento médio do investimento, no governo Lula, é superior ao crescimento do consumo. O consumo não vai sozinho, ele puxa o investimento. Poderia ter crescido mais? Sim. Porque parte desse consumo vazou para fora. É verdade. Mas não é verdade que o investimento não cresceu”, ponderou.
Ele argumentou que as duas primeiras gestões petistas promoveram, sim, mudanças importantes para o país. Não apenas na área social, mas também na economia, por exemplo, ao reduzir a dependência externa. “Nossa dívida externa basicamente é negativa hoje. Há uma orientação de proteger o Brasil no ponto de vista do balanço de pagamento. Eu tenho absoluta certeza de que o Brasil é muito menos frágil hoje, do ponto de vista externo. Nossa dívida é em real, não é mais em dólar. Isso é uma mudança enorme.”
Para ele, o escândalo do “mensalão” foi um divisor de águas no governo Lula. “O papel que o Estado tomou a partir de 2005, 2006, com PAC, política social, é uma mudança de orientação”, opinou. “Não teria política anticíclica pós-crise com Antônio Palocci”, afirmou.
“A orientação liberal, desse ponto específico, é abandonada em 2009. A partir daí, a gente mexe com tudo, joga às favas os escrúpulos monetaristas. Agora, é verdade que o Banco Central permaneceu numa barricada capturada pelo mercado financeiro. Na política de conciliação do Lula, era o que ele entregava”, colocou.
De acordo com Mello, a presidenta Dilma Rousseff enfrentou um cenário internacional desfavorável, de queda no preço das commodities e guerra cambial. “Mas em 2011, ela faz uma besteira, quando mais que dobrou o superavit e cortou o PAC. Havia uma série de investimentos planejados, que de repente desapareceram do horizonte. Fez isso para conter a inflação, mas também como estratégia: ‘eu vou entregar o fiscal, para poder baixar os juros’.” Para o professor, tal estratégia não deu certo, uma vez que os juros de fato baixaram, mas logo tornaram a subir.
Segundo ele, Dilma não produziu uma política econômica tresloucada, como alguns apontam. “Você tinha três motores: consumo, setor externo e investimento. O ciclo de consumo ia acabar, o setor externo estava dando marcha a ré. Sobrou o quê? O investimento. Aí a Dilma tomou uma decisão de apostar no investimento privado”, destacou o professor, fazendo críticas a esta escolha. Para ele, houve um erro de avaliação de Dilma.
Segundo Mello, a presidenta achou que poderia cindir a burguesia, separando os especuladores da burguesia industrial produtiva. “Mas a nossa burguesia produtiva é especulativa. Ela se adaptou a ser rentista e importadora. Não porque são maus, mas num país com taxa de câmbio alta e juros valorizados, você sobrevive se for rentista importador”, descreveu.
Outro erro de interpretação, ele avaliou, foi o fato de o governo ter acreditado que o investimento público poderia ser substituído pelo privado. “Em 2015, elegemos ela com o discurso do Muda Mais. E ela mudou mais. Devido a pressões inconfessáveis, ela foi esmagada para aceitar uma tentativa de conciliação”, lamentou.
O professor observou que este tipo de acordo tem sido impossível não só no Brasil, mas em todo o mundo. “Veja nas eleições norte-americanas. Temos um candidato fascista e um socialista. Quem diria! Veja a Europa, onde ora a esquerda mais radical, ora a direita mais radical cresce com grande expressão. Isso é sinônimo de quê? De que o capitalismo está com um problema. Os acordos sociais que fundaram o crescimento em vários momentos da história não estão sendo mais suficientes para dar conta da crise que ele está vivendo”, diagnosticou.
Ele alertou que o governo faz uma tentativa tímida de flexibilizar ajuste, prometendo reformas de longo prazo, na esperança de conseguir um consenso com o mercado. “Mas não há possibilidade de fazer isso. E o governo ainda vai perder a sua base de sustentação política. Os sindicatos não vão aceitar”, advertiu.
Mello defendeu que, talvez, seja possível negociar com a esquerda, mas em outros termos. “Daria para negociar outro tipo de consenso. ‘Eu entrego alguma coisa, mas faço uma reforma tributária progressiva, que tribute grandes heranças, lucros e dividendos, etc’.” Para ele, o governo precisa aumentar o investimento público e trabalhar para retomar o crescimento, gerar emprego e renda.
O debate, que ocorreu no Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, foi promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).
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