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A faxina da Dilma parece piada de português
Guilherme Fiuza, Revista ÉPOCA
A faxina de Dilma se parece com a história da queda do avião no cemitério português. Trata-se de humor negro e preconceituoso, mas ilustra bem a atual cena política brasileira. Segundo a anedota, as equipes de resgate lusitanas fizeram a operação mais longa da história dos acidentes aéreos: após uma semana de buscas por corpos na área do cemitério onde o avião caíra, as autoridades portuguesas concluíram que havia mais de 1.000 passageiros a bordo. E anunciavam que as escavações continuariam até que a última vítima fosse localizada.
A piada é pura implicância com nossos colonizadores, mas expressa com exatidão a suposta cruzada de Dilma contra a corrupção em seu próprio governo. Quem transformou o Estado em moeda de troca política foi o partido da presidente. Seria cômica, se não fosse trágica, a imagem de Dilma desenterrando aqui e ali as ossadas do fisiologismo que estão por toda parte – como se ela não tivesse nada com isso. É a vez dos portugueses de contar a anedota dos brasileiros que vibram com a faxina de quem fez a lambança.
Wagner Rossi, da Agricultura, é mais um ministro que cai coberto de elogios da presidente. Assim como Palocci e Alfredo Nascimento, Rossi mereceu todos os votos de confiança de Dilma até o último momento. É como se sua cabeça tivesse rolado por um acidente natural, um capricho do destino. O próprio ministro demitido, em nota oficial, declarou que nada foi provado contra ele, que as denúncias são mera intriga da oposição, que se orgulha do seu trabalho etc. Só mesmo um fenômeno da natureza pode explicar que um ministro tão orgulhoso e seguro de si resolva pedir o boné.
Pelo menos essa turma é transparente. Respondendo à imprensa – sempre ela, importunando a privacidade dos homens de bem –, Wagner Rossi declarou que viajou, de fato, no avião de uma empresa cliente do seu ministério. A empresa em questão conseguiu, depois que Rossi entrou no governo, um aumento de 3.000% no valor dos financiamentos públicos para seus projetos de agronegócios. O então ministro da Agricultura não viu nenhum problema em embarcar no jatinho dessa próspera empresa.
Os termos usados por Rossi em sua explicação denotam toda a inocência e a doçura de sua relação com a tal empresa: “Informo que, em raras ocasiões, utilizei como carona o avião citado na reportagem”. Que fique, portanto, esclarecido aos maliciosos de plantão: não houve nada demais, só um empresário dando carona a um ministro. Uma questão de solidariedade.
Se todos os ministros demitidos do governo popular tivessem essa clareza e espontaneidade, talvez Dilma pudesse ter economizado detergente e água sanitária. Antonio Palocci, por exemplo, poderia ter dito que “utilizou como carona” seu status de coordenador da campanha presidencial e de ex-ministro da Fazenda para prestar consultoria privada. Ninguém duvidaria da sua inocência. Alfredo Nascimento poderia ter declarado que “utilizou como carona” o Ministério dos Transportes para que o pessoal do PR montasse a farra orçamentária do Dnit. E assim por diante, calando essa mídia golpista que vê maldade em tudo.
Vejam o caso do senador maranhense José Sarney, que utilizou como carona o Estado do Amapá para se perpetuar em Brasília. Apesar do escândalo no Ministério do Turismo (da cota pessoal de Sarney), envolvendo uma ONG de fachada que drenou milhões de reais para projetos fantasmas no Amapá, o senador permanece imune em sua cadeira na presidência do Congresso. O secretário executivo do ministério – aquele flagrado ensinando um empresário a montar convênio pirata com o governo – é afilhado político de Sarney. Por que a faxina não chega a ele?
Porque Sarney é dono de uma das capitanias hereditárias do fisiologismo, dessas que Lula e Dilma utilizaram como carona para se agarrar ao poder. Faxina contra a corrupção? Melhor contar piada de português.
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