A indignação seletiva da mídia
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A indignação seletiva da mídia


Por Maurício Caleiro, no blog Cinema & Outras Artes:

Corrupção e política sempre estiveram profundamente ligadas no Brasil, um tanto porque essa é, efetivamente, a herança de um país dominado por hierarquias, com profundas injustiças sociais e longos períodos ditatoriais, outro tanto porque desde que a UDN, nos anos 50, em conluio com a maioria da mídia, descobriu o poder mobilizador das denúncias, estas se incorporaram ao modo brasileiro de fazer política.



Todos os governos civis, desde a República Velha até a presidência Dilma Rousseff, sofreram, em maior ou menor grau, acusações de envolvimento em corrupção. Como a atual oposição gosta de lembrar, o PT, quando não era governo, vivia fazendo denúncias e procurando mobilizar o Ministério Público. E isso é verdade. A diferença - que se esquecem de mencionar - é que a repercussão que a mídia fazia das denúncias petistas contra FHC (e demais membros de seu governo), nas raras vezes que ocorria, era incomparavelmente menor do que o barulho – semanal, diário – que ora faz, por exemplo, quanto às denúncias contra os ministros do atual governo.

Assim, enquanto as gravíssimas denúncias, gravadas, do jornalista Fernando Rodrigues contra FHC por alegada compra de votos no plenário (para aprovar a emenda da reeleição) mal foram divulgadas pela Folha de S. Paulo – sem repercussão por nenhum outro grande órgão de mídia, só encontrando eco na Caros Amigos -, a revista Veja produziu mais de quarenta capas sobre supostos atos de corrupção, muitas delas sistematicamente reproduzidas na Folha e nas rádios, TVs e páginas do sistema Globo.

E a mídia pode (ou ao menos podia, antes da internet e da blogosfera militante), fazer toda a diferença – como a eleição de um obscuro governador alagoano (patrocinada e manipulada pela TV Globo, como admitiu recentemente o ex-todo poderoso global Boni) e, posteriormente, sua derrocada rumo ao impeachment, ilustram com precisão.

Recentemente, as eleições presidenciais têm aparentemente mostrado a diminuição do poder de persuasão da imprensa, mas o primeiro ano do governo Dilma evidencia que a mídia é ainda capaz de causar indignação em certos estratos de nossa sociedade e, assim, somado à disposição da presidente de sacrificar quadros em nome da governabilidade, manter o governo acuado, nas cordas.

Essa atuação extremamente tendenciosa do jornalismo brasileiro tem levado à difusão da ideia de que os governos Lula e Dilma seriam os mais corruptos da história da República. Trata-se de uma falácia e de uma injustiça, como sabe qualquer pessoa realmente a par da evolução – quantitativa e qualitativa - dos órgãos e mecanismos estatais de apuração e combate ao crime e à corrupção nos últimos nove anos.

Para contradizer tal acusação leviana, não é preciso mais trazer à tona os números e medidas oficiais e compará-los com os dos governos anteriores. Uma luz mais apurada sobre a questão da corrupção na história recente do Brasil tem lugar com o lançamento de A Privataria Tucana (Geração Editorial), de autoria do jornalista Amaury Ribeiro Jr. Nele, o ex-repórter especial da Globo e da IstoÉ e profissional dos mais reconhecidos - vencedor de nada menos do que três prêmios Esso e quatro prêmios Vladimir Herzog - demonstra, com provas e de forma cabal, o inigualável grau de malversação do erário que marcou o processo de privatização do patrimônio público brasileiro durante os anos FHC, dando nomes aos bois e identificando a rota que levou o botim a paraísos fiscais.

Ante denúncia de tamanha gravidade, minuciosamente documentada, feita por profissional reconhecido e em um livro que, mal lançado, acaba de esgotar a primeira edição de 15 mil cópias, qual é a atitude da mídia brasileira, sempre tão suscetível à indignação? Capas na Veja, editoriais em O Globo, colunas de gente cheirosa na Folha? Nada disso. Tão-somente o mais gritante e auto-denunciador silêncio. O qual evidencia, em sua plena epifania, que a indignação de tal imprensa não é, nem nunca foi, por conta do interesse público contra o qual a corrupção atenta, pois se assim fosse essas vozes da moral estariam agora clamando, indignadas, por investigações rigorosas sobre o governo FHC e o processo de privatização do patrimônio público brasileiro – um crime de lesa-pátria que essa mesma mídia promoveu e endossou, e do qual é cúmplice.

Da próxima vez que você vir uma capa escandalosa da Veja com mais uma uma denúncia mirabolante e sem provas, lembre-se disso.




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