A insustentavel beleza do ser
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A insustentavel beleza do ser


Eu tinha uma relaçao de amor e odio com meu cabelo. Alias, a quem estou tentando enganar? 

Eu tinha uma relaçao de odio e odio com meu cabelo. E essa relacao vinha desde pequena. Quando eu era um filhoooteeee, eu nao sabia que as pessoas poderiam gostar dos proprios cabelos. E, mais que isso, eu nao sabia que as pessoas poderiam gostar de cabelos cacheados ou, pior, crespos. Nem da cor dos meus cabelos eu gostava, afinal, a Xuxa era mais famosa que a Mara. Angélica era mais famosa que a Mara. Alias, cadê a Mara? (Viu? Gente de cabelo escuro soh se fode). Ah, Mara, se fossemos loiras! Nossas vidas poderiam ter sido diferentes!  

Na época em que eu nem sabia ler - mas que ja compreendia que nao ia ser Paquita - minha mae tentava domar meu cabelo fazendo uns penteados que nao eram nada populares entre minhas amigas e meu cabelo sempre foi motivo de piada na minha classe. - musica triste no violino - Curiosamente, era meu irmao mais velho, um verdadeiro perito em causar traumas, quem mais me importunava com essa historia, todo dia era um apelido novo. E o que dizer da minha mae que, um dia, enquanto me penteava, ja sem paciência com aquela cabeça cheia de cabelo, disse "eu passei a vida toda fazendo alisamento no meu cabelo, mas tinha esperança de ter uma filha com cabelo bom. Aih nasce essa coisa".

Pois é.

(Ja ficaram com pena da pequena Luci? Ou devo dizer que eu chorei caladinha quando ouvi isso?)

A minha mae, meu irmao, meus colegas e Xuxa acabaram por me convencer de que eu deveria ter cabelo liso. Desafiando as leis da natureza e contrariando meus genes, passei a fazer touca no cabelo com auxilio da minha mae. Para fazer a touca, os cabelos nao podem estar molhados, nem secos. E deve-se passar algumas horas com o cabelo virado pra direita e, outras tantas, pra esquerda. Isso dava dor de cabeça. Tinha sempre algum fio que ficava esticado demais ou sempre tinha algum friso filho da puta que nao tinha mais a ponta de plastico. Apesar de toda a perseverança, os frisos nao eram magicos e, quando finalmente eu retirava a touca, minha cabeça parecia uma palmeira, entao, eu amarrava os cabelos. E minha mae fazia essa toca praticamente todas as vezes em que eu lavava os cabelos.

Mais ou menos aos 11 anos, comecei a fazer alisamento no salao. Era uma coisa fedorenta, que continha formol, causava feridas no couro cabeludo, custava super caro e que deveria ser refeita basicamente a cada três meses (na parte da raiz, onde o cabelo ruim do demônio voltava a crescer). Estou absolutamente convencida de que eu devo ter passado por quase todos os saloes de beleza de Joao Pessoa (e alguns de Campina Grande), na esperança de finalmente encontrar a Fada do Cabelo Bom. Nao encontrei.


Tarde demais!


Eu era realmente escrava dos saloes. Ja cheguei a passar mais de 10h num salao em época de festas, mas quando eu saia de la, eu flutuava e meus cabelos acompanhavam o sentido do vento. Eu ficava tao diferente que meu ex-namorado me chamava pelo meu segundo nome. Mas mesmo com o cabelo liso, eu fazia questao de prende-lo. Finalmente, eu achei o salao com o alisamento "perfeito", mas isso foi somente la pelos 18. Antes disso, eu mergulhei em varias noias e tinha tanto complexo com meu cabelo, que eu fazia parte da turma do fundao porque queria evitar os olhares dos colegas. Eu sentava na parte de tras dos ônibus pelo mesmo motivo. Um pouco antes de entrar na faculdade, consegui deixar de lado o diadema e as presilhas que ajudavam a domar meu cabelo - isso foi uns dois anos depois de eu brigar com uma amiga que, inocentemente, quis fazer uma brincadeira retirando meu diadema. 

Ninguém toca no meu cabelo.

E, finalmente, chegou o dia em que eu tive que decidir se eu amava mais meu namorado francês ou a cabeleireira. Me mudei e, na França, passei momentos dificeis vendo meu cabelo se transformar. Era como se eu fosse Cinderela e todo dia fosse 23:59h. Eu vivia a angustia de me deparar com minha realidade capilar. Na França, eu teria de vender um orgao pra pagar pelo procedimento. E eu gosto dos meus orgaos. Durante três anos, me virei como pude para disfarçar o indisfarçavel.

Foi entao que eu comecei a prestar atençao nas outras pessoas (até fiz esse post, um dos mais visualizados no blog). Vi que elas tinham rugas e cabelos crespos soltos e cicatrizes e estrias e alguns nem tinham dente direito. E vi que elas nao pareciam se importar consigo, nem comigo, mas meus amigos, sim, eles nao entendiam como eu poderia ser tao extrema quando o assunto era o meu cabelo. 

Dois anos sem ir no Brasil e meu cabelo estava em cima do muro, nao se decidia se ele era liso ou cacheado. Desesperada, pedi pra Camilo corta-lo e ele subiu até o ombro. O cabelo, nao Camilo. E, pela primeira vez na vida, meus amigos, eu vi meu cabelo natural. Foi como ver o mar pela primeira vez aos 70 anos. Meu cabelo dava voltas. Ele era... era... cacheado. Foi dificil aceita-lo. Eu preferiria ter um cabelo  prostituto à um cabelo cacheado. 

Quando me perdi na Italia, meus patroes me contaram depois que eles foram no bar onde eu estive pela ultima vez e perguntaram se ninguém ali teria visto "uma menina de cabelos cacheados". E por um milésimo de segundo, ok, dois, pensei "como eles esperavam me encontrar perguntando por alguém de cabelo cacheado?!". Essa era eu. Mas mesmo atualmente, ainda estou tentando me acostumar à ideia. Ha uns dois meses, tomei um choque ao ver um desenho de mim feito por uma coloc onde eu fui feita com... cabelos curtos e cacheados. 

Mas o estranhamento vem da simples falta de costume e nao da dificuldade em aceitar. Me aceitei. Sai do armario, resolvi me assumir. Até tive uma espécie de pesadelo outro dia em que eu acordava de cabelo liso, como antes, e ficava angustiada de ter que ver o mesmo lento processo de crescimento. E sabe, minha vida agora é tao mais simples! Me pergunto ainda hoje por que eu demorei 27 anos pra ser eu. 


Mas ainda tou trabalhando em mim a possibilidade de fazer ainda mais volume nele cortando-o. Mas enfim, vida nova. Agora eu tiro fotos - sabendo que, um ano atras, eu nao conseguia nem olhar no espelho, que dira registrar o que via.



Essa, por exemplo, sou eu me amando ♥


Agora, parem de dizer aos seus filhos que eles nao nasceram do jeito certo.







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