GUEST POST: A ETERNA LUTA CONTRA OS CABELOS CACHEADOS
Geral

GUEST POST: A ETERNA LUTA CONTRA OS CABELOS CACHEADOS


A Rebecca me enviou este email:

Eu já fiz muita coisa errada
Queria começar dizendo que meu feminismo tem tudo a ver com você e com a descoberta do seu blog. Só tenho a agradecer milhões de vezes. Me envergonho de dizer que já fui machista, já critiquei outras mulheres pela postura sexual, já ri de piada racista e já tive orientações políticas de direita (eca!), fruto de uma má influência familiar.
Mas também sinto orgulho de dizer que superei esse machismo, hoje me considero feminista, o que é uma prática de auto-policiamento e autocrítica diária, porque tudo e todos nos empurram no sentido do senso comum, mas sou MUITO mais feliz e livre assim.
Quando li o guest post que falava sobre a obrigação das mulheres terem cabelos longos, quis compartilhar uma situação que aconteceu comigo há pouco tempo.
Tenho 23 anos e originalmente meu cabelo é cacheado. Originalmente porque eu o aliso desde os sete anos, porque tenho uma foto com essa idade e meu cabelo já está liso nela. E recentemente, graças ao feminismo, comecei a repensar essa coisa do cabelo liso. Desde sempre nós aprendemos que o cabelo liso que é bonito, que cacheado é desarrumado, mal cuidado, é mais difícil de arrumar emprego etc. 
Bom, como todo cabelo alisado, o alisamento precisa ser refeito de tempos em tempos por causa da tão temida e amaldiçoada raiz. Acontece que eu estou cansada desse processo. Eu tenho que ir ao salão, ficar umas 4 ou 5 horas (juro! Tenho um volume de cabelo que dava pra distribuir entre umas cinco pessoas) com pelo menos duas pessoas puxando o meu cabelo, uma de cada lado, além de gastar um dinheiro exorbitante. E o pior: aguentar depois uma dor de cabeça de quase 24h, resultado de tanto estica-e-puxa. Tudo isso de 3 em 3 meses. 
Minha avó morreu recentemente, e eu tive acesso a inúmeras fotografias que eu desconhecia, e entre elas uma da minha bisavó, que não conheci, mas era negra e linda! Infelizmente na foto seus cabelos estavam duramente presos e esticados num coque bem firme. Enfim, daí vem os meus cachos. Juntando o meu cansaço com essa descoberta de parte da minha história, eu tomei uma decisão: parar de alisar os fios. 
Lola, aliso o meu cabelo há tanto tempo que nem me lembro mais de como é ter cachos! Só lembro dos comentários de que meu cabelo era difícil de cuidar, de tratar, de pentear... 
E eu estou a fim de descobrir como é isso de novo. De assumir essa parte de mim, da minha história e da minha origem da qual tanto me orgulho. Pode ser que realmente seja muito trabalhoso, que eu não tenha tempo nem paciência de cuidar e volte pro meu sofrimento trimestral, mas quero fazer essa descoberta depois de adulta. Acho que é uma questão de identidade. 
Enfim, decisão tomada. A primeira pessoa a quem eu contei foi ao meu namorado. O amor da minha vida, que cursou ciências sociais, se formou em ciência política, de esquerda, militante e muitos outros adjetivos. Para minha surpresa, ele reagiu mal. Disse que gosta mais de cabelo liso, achava mais bonito e todo aquele discurso que conhecemos.
Discutimos, claro. Fiquei muito magoada, pois essa foi uma decisão importante, que exigiu reflexão, e eu esperava que ele me apoiasse. É óbvio que a minha decisão está tomada independente dele, mas eu esperava apoio do cara que está do meu lado há quase quatro anos, que me conhece de trás pra frente e ao lado de quem eu pretendo construir a minha vida. Conversamos depois, ele se desculpou e a vida seguiu. Estamos juntos, estamos bem, nos amamos e ele vai se acostumar com a ideia.
A questão é: o cabelo é meu, sempre foi, quem desfila com ele por aí sou eu, quem cuida sou eu e hoje quem paga pra deixa-lo da forma que eu quero sou eu. Então por que essa interferência constante? Da sociedade, do meu namorado, da minha mãe (que também alisa o cabelo), de quem não tem nada a ver com a minha vida e vai me julgar mesmo assim. 
Estou ficando inclusive com um pouco de medo da reação dos meus chefes, porque trabalho numa empresa onde os preconceitos andam soltos, livres e desimpedidos pelos corredores. Não gosto, não compactuo, não participo desse tipo de conversa, mas preciso trabalhar. 
Desculpe o e-mail enorme. Tenho certeza que você é muito ocupada e tem zilhões de coisas a fazer. Se não puder ler ou responder, só peço uma coisa: não pare nunca de escrever! Obrigada por toda a inspiração e por tratar de todos os assuntos que você trata. Falar e ler sobre eles nos ajuda a superar nossos traumas e enfrentar os dias seguintes com mais coragem e alegria. 

Meu comentário: Enfrente, Rebecca querida! Sem dúvida, assumir o cabelo crespo é um ato político. Por isso, você está encontrando (e talvez encontre ainda mais) tanta resistência. Mas não desista. É o seu corpo, seu cabelo, e você tem direito de fazer com ele o que quiser -- mesmo que isso vá contra o padrão de beleza vigente. Um padrão de beleza totalmente racista, diga-se de passagem.




- Cabelo Natural No SÉc Xxi, Ou Porque O Pessoal Nunca Foi TÃo PolÍtico
Este é um guest post da J.: A primeira vez que meu cabelo foi submetido a um processo químico eu tinha 5 anos de idade. Minha mãe havia decidido “testar” uma “nova” química que havia dado certo em uma amiga da minha tia. Não culpo minha mãe,...

- Guest Post: Meu Cabelo Incomoda Muita Gente
O G. me mandou este relato: Não sei se lembra-se de mim, eu fui o G. que comprou o seu livro na primeira tiragem, aquele que lê o seu blog desde os 12 anos.  Sou filho de pai negro e mãe branca, e puxei mais minha mãe, mas já tive várias experiências...

- Guest Post: A InsistÊncia Em Domar Cabelo Crespo
Por que o segundo tipo é tido como o padrão aceitável? Adorei este comentário que a Yssy deixou no post Feio é o seu racismo, e decidi reproduzi-lo aqui. Ele trata do padrão de beleza racista que determina que só um tipo de cabelo é bonito, e...

- Guest Post: É Duro Ter Cabelo Duro
Recebi este email da Cecília, que tem 15 anos e mora no Rio de Janeiro. Ele me deixou triste porque suas palavras mostram o quanto Cecília internalizou o racismo que ouviu a vida inteira. O racismo não é explícito -- vem só disfarçado de "gosto...

- Guest Post: Atitude Pra Ir Contra O PadrÃo Caucasiano
Este é o lindo desenho que a Lívia fez pra Ester. R. tem 16 anos, é daqui de Fortaleza e, inspirada pelo caso da Ester, me enviou este relato. Aproveito aqui para recomendar este lindo vídeo da campanha "Solte seus cabelos, prenda o racismo". Não...



Geral








.