A MAIOR INIMIGA
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A MAIOR INIMIGA


M. me enviou este relato.

Conheci seu blog por acaso há pouco tempo. Desde então venho lendo seus textos, mas nunca participei postando comentários, não me sinto segura pra isso. Admiro muito esse dom que você tem de transformar suas ideias e sentimentos em palavras, sinto uma ponta de inveja, não nego.
Dentre muitos posts, os que me chamaram a atenção foram os desabafos de pessoas, assim como eu anônimas, que encontraram em você a confiança pra contar seus segredos mais íntimos. Sei mais que ninguém como é difícil abrir o bauzinho que fica escondido embaixo da cama e olhar aquele fantasma que fica lá trancado, como se assim ele sozinho pudesse ser resolvido, esquecido, superado. Essas pessoas encontram em você a segurança de uma mãe, irmã, psicóloga, melhor amiga, alguém especial e capaz de ajudar. Depois de ler muitos desses depoimentos comoventes, decidi enviar-lhe esse email. É difícil demais.
Sempre fui introvertida e tímida e, pra ajudar, não fui agraciada com beleza física, e isso sempre me deixou à margem dos outros. Sempre fui péssima pra fazer amigos, e manter as poucas amizades que consegui fazer foi quase que impossível. A única coisa boa que eu achava que eu possuía, a inteligência, nunca me ajudou em nada. Na escola só era lembrada nas horas das provas e trabalhos em grupo. Não me negava em ajudar, sempre fui boba e não desperdiçaria a oportunidade de me sentir valorizada.
Graças a pais castradores, o pouco de ânimo que eu tinha foi morrendo. Não fiz faculdade, a possibilidade de ter que morar fora era totalmente descartada. Hoje estou velha demais pra tentar, ainda moro com eles, sou a filha solteirona, sem filhos, trabalho no mesmo emprego há 15 anos, sem perspectiva de crescimento na empresa. Mesmo infeliz, não tenho coragem de procurar algo melhor, porque não acredito ter capacidade.
Cheguei à idade adulta sem o menor motivo de orgulho. Ontem fiz 35 anos e me envergonho de mim mesma. No campo afetivo sou tão incompetente quanto em qualquer outro, nunca tive namorado, pode acreditar, nunca fui beijada e consequentemente sou virgem. 
Das minhas colegas de colégio eu era a mais feia, magricela, já não bastasse a feiura, não tinha nada que pudesse chamar a atenção masculina. Sempre foi doloroso ver as meninas beijando, namorando, e eu sempre sozinha. Hoje as coisas não mudaram, melhorei um pouquinho por causa da idade, mas continuo sem graça.
Minhas colegas de trabalho sempre recebem elogios pomposos como "Nossa, você é linda", vários tipos de cantadas, e eu no máximo consigo um, "você é simpática", e claro que tenho que fingir que não ligo, que não me sinto humilhada.
Sinceramente, Lola, não consigo me imaginar nua diante de um homem, tenho vergonha do meu corpo, sou feia. Eu sinto sim muito desejo, muita vontade, mas me travo. Irônico imaginar que tantas meninas se entregam com tanta facilidade pra um, pra vários. 
Fico com o rosto ardendo quando algum médico me pergunta se já fiz preventivo e eu digo que não por ser virgem, minhas pernas tremem de vergonha, eles nem conseguem disfarçar o espanto, imagino o tipo de coisa que se passa na cabeça deles. 
Tentei adquirir cultura como forma de compensação, mas isso não vale nada, sei por experiência própria, um tremendo papo furado. Moro numa cidade do interior e me sinto sempre um ET por não curtir as mesmas coisas que todos curtem. Me sinto como o personagem masculino do livro de Dostoiévski, Noites Brancas (meu preferido), que vive uma vida vazia, infeliz, cheia de sonhos, mas com a certeza de que o futuro não será nada diferente.
Minha insegurança é total, não tenho coragem de frequentar academias pelo pavor que tenho  de ser alvo de críticas, piadas, olhares maldosos. Prefiro a solidão e o isolamento, acho que conseguir trabalhar foi um grande progresso pra mim, mas sinceramente não gosto do que faço.
Não tenho coragem de conversar com ninguém sobre minhas dúvidas, minha mãe já teve uma vida sofrida, não merece carregar a incapacidade da filha fracassada, não tenho coragem de procurar ajuda profissional, nem procurar minhas poucas amigas, pois hoje são mulheres casadas, mães, têm mais o que fazer. A minha vida estagnou, nada aconteceu, nada.
Tenho total consciência de que joguei no lixo anos da minha vida, deixei de experimentar muita coisa, de crescer, de amadurecer. Deixei o medo e meu complexo de inferioridade tomarem conta de mim. Hoje sou fracassada como mulher, como filha, como profissional, um desperdício total de ser humano.
A vida não é nada generosa pra quem nasceu do lado errado da beleza e não tem nenhum tipo de qualidade, talento ou dom pra compensar essa grande falha da genética.
Admiro muito você, uma vencedora na vida. Desculpa te alugar, mas precisava desabafar.

Minha resposta: Que dor ao ler seu email! Vc precisa mudar essa ideia fixa que tem sobre vc. Pare de se envergonhar de vc mesma! M., é a sua vida, a única que vc tem, e cabe a vc mudá-la. Claro que há obstáculos, claro que não é fácil, mas vc precisa tentar. E, pra isso, vc precisa aprender a gostar de vc. Vc é inteligente, vc se reconhece como uma pessoa inteligente, só que vc diz que ser inteligente não te ajudou em nada. 
Bom, não te ajudou até aqui, mas pode te ajudar. É só vc ter coragem. Sua autoestima está no chão, e vc deve ter sofrido muito, ouvido muita besteira, ter tido uma educação castradora mesmo, pra desgostar tanto de si mesma. E é difícil pacas reverter esse quadro, aprender a se amar. Mas não é impossível, e vc precisa tentar.
Só que vc vai precisar de ajuda profissional. Procure ajuda, M. Procure uma psicóloga que vc possa confiar, e vá com calma.
Acho que vc se mira demais nos outros. Vc se considera um fracasso em comparação às outras pessoas. No seu email vc mostra essa eterna comparação que faz entre vc e todo mundo (comigo, com suas amigas, com colegas, e vc se preocupa com a opinião de médicos e dos seus pais). Mas sabe, todo mundo tem problemas. Aquela sua amiga casada, com filhos, que vc considera tão realizada, pode não ter uma vida tão maravilhosa assim. Pare de se guiar pelos outros. Pense em vc, na sua vida. 
Sabe aquele clichê que nunca é tarde pra começar? Pior é que é verdade. Se vc quiser, vc pode fazer uma faculdade. Eu voltei à faculdade depois dos 30, e metade da minha turma (de Pedagogia) era da minha faixa etária. Eu fiz o vestibular achando que não iria passar, porque já estava fora da escola havia mais de dez anos. E passei em primeiro lugar, pra minha surpresa. A gente não sabe do que é capaz. A gente se desvaloriza. 
E, acredite, vc está longe de ser a única pessoa de 35 anos virgem. Quando vc começar a se gostar, talvez vc atraia algumas pessoas. Talvez vc já tenha atraído alguns caras, mas vc estava tão ocupada se detestando que nem notou. Só que não pense em arranjar um parceiro como objetivo de vida. Vá com calma, que ele vai aparecer. E, se não aparecer, não é o fim do mundo. Muita gente vive só e consegue ser feliz.
E faça o que tiver vontade de fazer, sem se preocupar com olhares maldosos. Encontre coisas que vc goste de fazer, que te deem prazer. M., vc é sua maior inimiga. Vc tem alguma dúvida disso? Vc acha que alguma outra pessoa poderia ser tão maldosa com vc quanto vc mesma está sendo? Então esqueça os olhares das pessoas, e se concentre no seu olhar sobre vc. Faça academia, se vc quiser. Também pode te ajudar a se sentir melhor.
E evite conversar com as pessoas sobre seus problemas. Converse com uma psicóloga. Mas abra o seu coração mesmo, exponha-se.
O fato de vc escrever um email tão triste já mostra que vc quer sair dessa. E vc vai conseguir, M. Por favor, tente! E risque do seu vocabulário essas opiniões tão terríveis sobre vc. Como assim, "um desperdício total de ser humano"? Como alguém pode pensar isso de si mesmo? 
Abração, querida! Ânimo, tá? Vc pode sair dessa.




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