A MORTE DO CINEMA
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A MORTE DO CINEMA


Alguém duvida que o cinema vive a pior crise de criatividade dos seus últimos (e primeiros, diriam os otimistas) cem anos? É incontestável. Hoje em dia, os filmes são todos iguais e fatalmente medíocres. Se você acha que estou exagerando, tente fazer uma listinha dos dez melhores que assistiu no ano passado. Difícil? Que tal preparar uma relação dos dez mais importantes dos anos 90? E das duas últimas décadas? Missão impossível, certo?
Pois é, para entender este caso direito antes de assinarmos o atestado de óbito, vamos voltar no tempo e tentar descobrir o que deu tão errado. Pra começar, vamos nos ater a Hollywood. Os filmes americanos tiveram inúmeros problemas, como o código Hays, que determinava que casais dormissem em camas separadas, o surgimento da televisão, e o macarthismo, a chamada caça às bruxas, que podou e marginalizou vários talentos. Acima de tudo, os estúdios eram comandados por chefões que não entendiam nada de arte. Toda a equipe envolvida - diretores, atores, roteiristas - era de aluguel. Se é que havia um dono do filme, este era sem dúvida o produtor. Os atores, por exemplo, eram contratados por um prazo de sete anos e, durante este período, tinham de obedecer às regras de seu contrato. Mas, mesmo assim, Hollywood prosperou e criou clássicos memoráveis. Até hoje, 1939 aparece como o ano mais inspirado da história, quando foram lançados "...E o Vento Levou", "O Mágico de Oz", "No Tempo das Diligências" e "Ninotchka", entre outros.
Obviamente, o sistema falido tinha seus dias contados. Tanto que, no início dos 60, enquanto os Beatles dominavam o mundo, enquanto a revolução sexual germinava, enquanto tínhamos a nouvelle vague, o cinema novo e o neo-realismo italiano, Hollywood ainda fabricava veículos para Doris Day. Isso alienou o público, que não se sentia representado nas telas, e as salas se esvaziaram.
Nesta época, surgiram os primeiros diretores saídos das faculdades de cinema. Com pouco dinheiro e muita inspiração, esta nova geração conseguiu usurpar o poder dos produtores, fazer o que quisesse e trazer o espectador de volta, e os anos 70 floresceram com brilhantismo. Foi a era de ouro de Coppola, Scorcese, De Palma, Bogdanovich, Friedkin, Altman, Ashby, Spielberg e Lucas.
Todos os diretores mencionados acima criaram grandes clássicos, o que ajudou a situar o cinema americano como a meca mundial da sétima arte. Seus filmes começaram a ser distribuídos em grande escala para todo o planeta. As maravilhas européias, antes tão cultuadas, perderam espaço e, estranhamente, soaram datadas. Roger Corman, o rei das produções B, argumenta que os europeus só ficaram na moda enquanto os americanos não ousavam. Ou seja, porque eram mais explícitos sexualmente. Jack Nicholson acredita que "Blow-Up - Depois Daquele Beijo", de Antonioni, fez o estrondoso êxito apenas por conter o primeiro nu frontal feminino já mostrado. E eles têm uma certa dose de razão.
Ironicamente, os mesmos que revigoraram Hollywood foram os responsáveis pela pioneira pá de cal. Em 1972, "O Poderoso Chefão" ganhou rios de dinheiro, gerou uma continuação (coisa raríssima então) e estabeleceu novos padrões de distribuição de salas. Antigamente, um filme podia estrear em poucos cinemas de cidades maiores, permanecer meses em cartaz e ir encontrando seu público. "O Chefão" foi o pai dos blockbusters, os arrasa-quarteirões, e provavelmente o único adulto nesta categoria.
Em 1975 veio "Tubarão", de Spielberg, o primeiro a investir pesado em comerciais televisivos. Isso significou o fim da importância dos críticos da mídia escrita, que antes realmente influenciavam a carreira de um filme. E, em 77, George Lucas deu sua cartada definitiva com "Guerra nas Estrelas".
Depois deste enorme sucesso, os estúdios passaram a querer que todo e qualquer filme apresentasse igual desempenho na bilheteria. "Guerra nas Estrelas" atingiu em cheio um público já infantilizado pela televisão, que começava a encarar o cinema puramente como entretenimento, nunca como fonte de reflexão.
O próprio Lucas admite que seu público-alvo era composto por crianças de 8 a 12 anos. A fronteira entre filmes adultos e infantis passou a ser tênue demais. Antes, a Disney se encarregava de divertir a meninada, e tudo que os pais tinham de fazer era levar a prole ao cinema. Depois de "Guerra nas Estrelas", todos os estúdios decidiram se dedicar ao mesmo tipo de cinemão - aquele com narrativas convencionais, sem a mínima ironia, com personagens unidimensionais e finais sempre felizes (inevitavelmente com o assassinato do vilão da forma mais cruel possível, já que não se pode confiar na justiça mesmo).
William Friedkin, diretor de "O Exorcista", resume o que aconteceu por causa de "Guerra nas Estrelas": "É como McDonald's. O gosto pela boa comida desapareceu". O filme despertou a ganância pelo merchandising e pelas continuações. Até hoje, sucesso que se preza tem que ter no mínimo uma seqüência.
Os produtores encontraram a desculpa que precisavam para encerrar o ciclo de poder dos diretores quando "O Portal do Paraíso" quebrou um estúdio. Em 1980, este filme que custara US$ 44 milhões faturou quase nada, e os executivos se aproveitaram para tomar as rédeas da situação.
Logo, a lógica mercantilista dos anos 80, que continuou em pleno vigor na década de 90, criou um lapso em matéria de arte. Mas não de lucro, evidentemente. Pauline Kael, a mais influente crítica americana, hoje velhinha e aposentada, revela que, nos 70, quando contava sua profissão, o interlocutor elogiava: "Pô, que legal. Você pode ver todos esses filmes!". Na década seguinte, com a mediocridade em voga, passaram a lhe perguntar: "Você é obrigada a assistir a todas essas drogas?!".
Atualmente, Hollywood é controlada por homens de negócios sem um único osso criativo no corpo. São altos executivos que nada tem a ver com cinema, e que poderiam trabalhar em qualquer indústria com a mesma eficiência. O filme tornou-se um mero produto, como outro qualquer. E, como tal, recebe o mesmo tratamento dado a um, digamos, chiclete. Antes do lançamento, é alvo de inúmeras exibições-teste para constatar se é exatamente aquilo que o espectador deseja. Se não for, não há problema. Muda-se o final aqui, corta-se ali, inclui-se mais uma cena acolá. Enfim, o cliente sempre tem razão.
Com os custos nas alturas, não se pode ousar. Tudo deve ser mastigadinho e sem a mínima inovação para não desapontar ninguém. Para tanto, contratam-se astros com cachês astronômicos, chamarizes de bilheteria. E voltamos ao tempo dos veículos para as estrelas. O raciocínio é: "Está na hora de mais um filme para o Schwarzenegger. O que temos?". Stallone não conta com tanto prestígio interno, mas continua recebendo altas quantias pelo dinheiro que faz no exterior (como aqui). Primeiro os americanos se encarregaram de arrasar com o cinema internacional, e depois atiraram no próprio pé.
Hoje o filme é bom se cabe num trailler. Portanto, qual a diferença entre saber a história em dois minutos ou em duas horas? Aliás, como geralmente não há história, os traillers se esforçam em editar e exibir ao estimável público todos os efeitos especiais. Como diz Spielberg: "Se alguém consegue me contar uma idéia em 25 palavras ou menos, esta resultará num bom filme".
Previsivelmente, Lucas se esquiva de qualquer responsabilidade: "Por que as pessoas vão ver as 'sessões-pipoca' se elas não são boas? Por que o público é tão estúpido? Isso não é minha culpa. Eu apenas compreendi o que o público queria ver, e fui naquela direção". Ele até crê que os arrasa-quarteirões, no fundo, sustentam as obras mais baratas. Lucas acha que, com os multiplexes (centros com mais salas), os exibidores necessitam de mais filmes, o que cede espaço aos independentes.
Como pode conferir qualquer um que vai a um multiplex, isso não é verdade. Seria ótimo se fosse. Se há dez salas, três mostram o hit do momento (geralmente uma aventura), outras três exibem arrasa-quarteirões menores, como uma comédia leve para o público feminino, ou um terror para adolescentes, e as salas restantes apresentam produções equivalentes, às vezes cópias fiéis. Nas palavras de Robert Altman, um sobrevivente, diretor de "O Jogador" e "Short Cuts - Cenas da Vida": "Nos multiplexes não há um só filme que uma pessoa inteligente possa dizer, 'ah, quero ver isso'. Tudo virou um parque de diversões. É a morte do cinema".
Pra piorar o que já estava péssimo, as produções independentes americanas também ficaram mais caras, mais profissionais, mais voltadas a nichos de mercado. Há a produção direcionada para os homossexuais, para as mulheres negras, para adolescentes hispânicos. A qualidade da maioria é duvidosa. Mas, por geralmente serem um tiquinho menos acéfalas que o cinemão, astros aceitam aparecer nelas, por prestígio. E aí esses filmes independentes tomam lugar do "cinema de arte", mesmo que não tenham nada a ver com arte. Isso sem falar que 90% das produções sem estúdio vão direto para vídeo ou TV a cabo. Elas passam longe do cinema.
Qual a saída? James Cameron, o diretor de "
Titanic" que deve agradecer a Deus diariamente pelas pré-adolescentes que legitimizaram que um filme pudesse custar mais de US$ 200 milhões, não vê muitas saídas. Para ele, as produções não podem voltar atrás, reduzir os efeitos especiais e, conseqüentemente, os gastos. Ele defende uma "solução" drástica: dobrar o preço do ingresso, pura e simplesmente. Segundo Cameron, o público médio vai ao cinema só umas duas ou três vezes por ano mesmo, e vem pagando barato demais por este lazer.
Eu concordo mais com Coppola, realizador de "O Poderoso Chefão" e "Apocalypse Now" (hoje lamentavelmente reduzido a um diretor de aluguel, caso de "O Homem que Fazia Chover"), que resume assim a situação: "Aqui estamos nós, vinte anos depois de 'Portal do Paraíso'. Diretores já não têm mais muito controle, executivos fazem somas escandalosas de dinheiro, e os custos estão mais fora de controle do que nunca. E não temos um clássico há dez anos".
Se "Titanic" houvesse afundado, o processo de reestruturação teria se acelerado. Mas o fim se aproxima. Basta o próximo espetáculo de 200 milhões não render o esperado e falir alguns estúdios. O jeito será, então, começar tudo de novo, ressurgir das cinzas. Mudar o sistema. Repensar a distribuição. Reencontrar o público. Enfim, voltar a fazer arte.




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