Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:O assassinato de um jovem empresário, ocorrido na noite de terça-feira (30/5) na zona norte da capital paulista, reacende discussões sobre o aumento da criminalidade no estado de São Paulo. A vítima já havia sofrido uma tentativa de assalto quatro meses antes, mas na delegacia as autoridades se negaram a registrar a ocorrência, alegando que o crime não havia sido consumado e que não tinha havido violência física. Ao insistir em ver registrada a queixa, ele chegou a ser ameaçado de detenção por desacato.
O episódio provoca alguns questionamentos sobre a rotina da polícia paulista, num contexto em que aumenta a violência de criminosos e a população se sente desprotegida. O assalto que resultou na morte do empresário, dono de uma academia de ginástica, foi a repetição da tentativa que ele havia sofrido anteriormente, e que não foi registrada pela polícia. Com a diferença de que, desta vez, os criminosos o mataram a sangue-frio, mesmo sem que ele tivesse esboçado uma reação.
A violência indica a possibilidade de que tenham sido os mesmos assaltantes que já o haviam atacado, mas como não houve o registro anterior, reduz-se a possibilidade de identificação dos criminosos.
A cobertura é mais cuidadosa no Estado de S.Paulo que na Folha de S.Paulo, que perde uma oportunidade para dar repercussão a uma pesquisa recente do Datafolha sobre a sensação de insegurança entre os paulistas. O estudo, feito para marcar os 30 anos do instituto, repetiu a primeira consulta de opinião pública feita pelo Datafolha em São Paulo.
Tanto em 1983 quanto em 2013, a pergunta era uma só: de que as pessoas tinham mais medo? Em 1983, o principal temor dos paulistanos era relacionado à segurança econômica: a maioria tinha medo da inflação e do desemprego. Em 2013, os maiores medos das famílias são a criminalidade e a possibilidade de ter um filho envolvido com drogas.
Ao tratar com menos interesse o caso do jovem assassinado na zona norte, a Folha omite de seus leitores a oportunidade de relacionar um fato específico ao olhar mais abrangente aberto pela pesquisa. No levantamento de 30 anos atrás, a criminalidade já aparecia como uma das maiores causas de preocupação, mas nesse período aumentou fortemente a proporção dos paulistanos preocupados com a violência, embora as estatísticas demonstrem que, em três décadas, o número de homicídios por 100 mil habitantes tenha se reduzido consideravelmente.
Cidadãos desprotegidos Por que, então, os paulistanos se sentem mais desprotegidos na segunda década do século 21 do que no final do século 20? A resposta não vem da Folha, que levantou a questão, mas do Estado de S.Paulo, ao oferecer mais elementos sobre o crime ocorrido terça-feira na zona norte da capital paulista.
Ao lembrar que todos os fatos criminosos deveriam ser registrados pela polícia, o Estado expõe algumas distorções na estratégia de segurança pública: a primeira se refere às causas do baixo índice de resolução de crimes, apontando uma das raízes da impunidade dos criminosos; a segunda se refere à fragilidade dos dados manipulados pela inteligência policial.
Ora, se os delegados se negam a registrar uma tentativa de assalto porque o crime não se consumou ou porque não houve violência física, o sistema de inteligência da polícia fica sem dados confiáveis para organizar a distribuição do policiamento preventivo. Um mesmo criminoso pode fazer duas ou três tentativas frustradas de assalto numa região e, na ação seguinte, acabar assassinando a vítima, porque nesse intervalo não foi incomodado ou desestimulado pela presença da polícia. Nesse processo, só recebem um esforço adicional de investigação os casos que ganham espaço na mídia.
Essa é a matriz do contexto que aterroriza os paulistanos: segundo o Estado, o número de latrocínios, ou roubos seguidos de morte, aumentou nada menos do que 81,8% no primeiro trimestre deste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado. No mesmo período, houve 18% mais homicídios na capital paulista.
Pode-se até fazer uma aposta: os dois assaltantes que mataram o jovem empresário na zona norte de São Paulo serão identificados e presos em menos de uma semana – que é o tempo médio em que os jornais costumam acompanhar os eventos que chamam sua atenção. Ao serem apresentados à imprensa, terão seu histórico de crimes revelado, e certamente haverá em suas folhas corridas outros atos violentos. Se um deles for menor de 18 anos, a discussão vai se radicalizar em torno da maioridade penal, e mais uma vez a imprensa vai se desviar da questão central: a ineficiência da estratégia de segurança pública.
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