A TURBA ENRAIVECIDA DA UNIBAN
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A TURBA ENRAIVECIDA DA UNIBAN


Desde ontem tem um monte de gente pedindo pra que eu fale sobre o caso da Uniban. De acordo com o Boteco Sujo, numa faculdade particular de São Bernardo do Campo, a Uniban, uma estudante de Turismo foi às aulas vestindo uma miniblusa que funcionava como minissaia. Ela foi cercada por alunos, ameaçada de estupro, e teve que se esconder numa sala, até a polícia chegar. No You Tube há alguns vídeos do episódio que mostram a conglomeração de alunos antes da polícia chegar, e a escolta policial levando a moça pra fora.
Eu relutei em falar qualquer coisa porque a única fonte é esse blog, o Boteco Sujo (que eu não conhecia). Nada contra blog dar notícias em primeira mão, muito pelo contrário, mas se você vai falar de um caso que não saiu noticiado em nenhum jornal, faça com um mínimo de seriedade. Não coloque um título nada-a-ver como “Os Polanskis do ABC”, ou comece o texto falando da Grã Bretanha na era vitoriana. Porque, pra mim, tira a credibilidade. Já começa com duas informações falsas, sabe? Além do mais, nos vídeos não há qualquer indício de spray de pimenta sendo lançado para conter os estudantes.
Mesmo assim—e vou me guiar pelos vídeos, não pela história mal-contada do Boteco—, a história é perturbadora. O que vemos é um monte de aluninho rindo, gritando, e um coro de “Puta! Puta!”. Isso é agressivo, sem dúvida, e depõe demais contra os estudantes envolvidos e contra a instituição (onde estavam os professores e a diretoria pra mandar todo mundo voltar pras salas?). Mas não acho que, a partir disso, dê pra se afirmar que a moça foi ameaçada de estupro, ou que a turba reunida quisesse estuprá-la. Trata-se de um linchamento moral horroroso, de qualquer jeito. Essa turba que se vê no vídeo é isso mesmo, uma turba, atraída por qualquer movimentação fora do normal. Qualquer coisa que tivesse acontecido fora da rotina da faculdade faria um bando de gente ficar lá rondando, rindo nervosamente.
Algo muito parecido no quesito “turba enraivecida” já aconteceu comigo. Eu contei aqui, mas vou resumir. Eu fazia Pedagogia e escrevia prum jornal catarinense (ainda escrevo). Escrevi uma crônica fazendo brincadeira sobre o estágio, e isso gerou grande indignação. A minha turma, e a turma de Pedagogia de outra faculdade (ambas particulares; em Joinvilleo há curso em de Pedagogia em universidade pública), escreveram cartas pro jornal reclamando da minha postura. A diretoria me ameaçou de expulsão se eu escrevesse novamente sobre o estágio. Eu considerei isso censura, e escrevi um texto falando não do estágio, mas dessa repercussão. Na manhã em que ele foi publicado, a turma de outro semestre de Pedagogia se reuniu frente a minha sala pra gritar palavras de ordem. Havia umas quarenta pessoas do lado de fora querendo me linchar. Não sei bem o que eles fariam se eu tivesse saído da sala. Eu estava lá dentro, sentada (era horário de recreio), lendo, quando ouvi o tumulto do lado de fora, mas não sabia o que era. Só fiquei sabendo quando minhas colegas entraram na sala dizendo, assustadas, “Não se preocupe que não vamos deixar eles entrarem!”. Foi altamente ridículo, e eu só pude rir daquilo tudo. Me senti a própria Salman Rushdie. A diretoria compareceu, dispersou a turba, e tudo voltou ao normal—não sem antes me acusarem por eu ter causado o tumulto. Tipo, a sua universidade de Pedagogia (futuros professores) tem um monte de gente que quer linchar alguém por um texto de jornal, e o problema tá com quem escreveu o texto?! Nos dias seguintes, vários dos “protestantes” vieram falar comigo, respeitosamente. Porque individualmente eles não agiriam do jeito que agiram. Foi num grupo que perderam o controle.
Portanto, criar tumulto em faculdade é a coisa mais banal do mundo, e pra uma mulher ser chamada de “Puta! Puta!”, basta ser mulher. Parece que os alunos anseiam por qualquer coisinha fora da rotina pra poder matar aula e fofocar. E tem mais: não só numa universidade, mas em qualquer ambiente, ter um inimigo comum une um grupo. A minha turma de Pedagogia ficou muito mais unida depois daquilo tudo (imagina, precisaram se reunir pra escrever uma carta pro jornal). A gente vê essas alianças o tempo todo nas birrinhas de internet. Pessoas que não têm afinidades alguma podem se juntar pra repudiar um só inimigo. No caso da Uniban, as pessoas vistas no vídeo estão todas animadas, fazendo alianças com quem, provavelmente, não tinham o hábito de conversar. É uma velha estratégia que sempre funciona.
De comportamento de turba eu espero qualquer coisa, sinceramente. O que é horrível é ler comentários (escritos individualmente, longe da confusão) reproduzindo esse mesmo pensamento impensado. Este site reproduziu a “notícia” do Boteco e recebeu cerca de mil comentários. Vários não completamente inúteis, como este (tudo sic):
eu estudo nakela facul, eu estava no momento, ela chegou por volta das 19:20, todos que estvam perto, começaram a mexer com ela, ela sempre vai com roupas assim, sempre decotes muito grande, soh que dessa vez, com a saia minuscula, quando ela foi no banheiro, alguns alunos viram e começaram a zuar ela, as meninas de outras salas tambem, ela volta para sua sala, e a multidão vai na prota, ela sorri dentro sa dala, até que os meninos começam a faze olas e gritos de torcidas, a policia chega, retira a moça, em nenhum momento ninguem tentou agarrar eu agredir a moça”.
E muitos falando o certo (que, pra mim e pras leitoras deste blog, é o óbvio): que, independente do que a aluna estava vestindo, nada justificaria uma agressão. Que uma mulher deveria ter o direito de andar nua sem correr o risco de ser estuprada. Que é muito ruim pra imagem da universidade que algo assim tenha acontecido.
Mas outros comentários mostram bem que o machismo continua firme e forte. Este foi escrito por uma mulher, uma típica “mulher barbuda”, categoria sobre a qual já escrevi aqui.
Caracas gente! Bem feito para essa 'mocinha'. Onde já se viu usar mini saia num ambiente em que todos estão lá (pelo menos na teoria) para simular um ambiente de trabalho. Será que quando ela for uma profissional vai se vestir da mesma forma? Vai ganhar os clientes dela com as pernas? É puta mesmo! E, acordem gente! Ninguém iria molesta-la. Tenho certeza de que, se realmente a ameaçaram, era para realmente mostrar indignação. Ela procurou, ela que arque com as consequências! Outra ainda: NINGUÉM é ameaçado de estupro. Ou se é estuprado, ou se é puta. ACORDA GENTE! Essa 'mocinha' não deveria ter se portado desta forma! Aliás, não deve ter sido a primeira vez! Apoiadooooo!!!! Se eu estivesse lá, ainda sugeria impalamento. E outra, não é instinto. Não é jogar a inteligencia de lado e se comportar como homem das cavernas não... É fazer-se ouvir numa sociedade em que todo mundo está adquirindo os mesmos VALORES que essa 'mocinha' de minisaia.
Os comentários abaixo foram escritos por homens mesmo, daqueles que dividem as mulheres entre santas e putas:
- “Coitadinha da moça, ela tava com calorzinho....ha, ha, ha, ha, o problema é que tem uns panacas infelizmente que acham que tem o direito de fazer o que querem, eu por mim olharia dava uma babadinha se fosse gostosa(o que não é o caso pois é feia pra cacete!!!), mas deixava pra lá, nós gostamos de olhar mas na hora de escolher uma mulher sempre escolhemos uma mais séria que realmente queira fazer uma parceria pra vida toda, essas ai a gente usa só como objeto como latrina mesmo, bom pra olhar mas depois de um tempo enjoa, e também as vezes tem outros problemas tipo ela devia estar ovulando, tava com coceirinha, ou esta desesperada pra arrumar macho(que acho que não seja o caso), enfim elas podem se vestir do jeito que quiserem, problema delas, quem quer dar uma de diferente sempre vai pagar o pato, que esteja preparado pra isso e assuma os riscos.
- “Eu só quero mulher desnuda ou com roupa realçando as curvas da bunda perto de mim quando vou na zona, pois lá vou quando quero tratar de sexo. Fora de lá, seja na escola, na rua , no onibus, no metro, no trabalho, etc., não quero e não admito. Mulher que faz isso será sempre odiada e se tiver uma oportunidade eu agrido mesmo.
- “Quis ser puta, quis mostrar pra todos que é puta, foi tratada como tal. Absolutamente normal. Tem que esculachar mesmo, se o frouxo e inútil do pai não teve a competência pra ensinar valores e educação pra sua filha, outros lá fora se encarregarão disto. Foi muito bem feito, essas vadias acham que por serem mulheres podem tudo, podem andar e pisar a vontade que tudo está a mercê delas, que isso sirva de exemplo pra todos.
- “O que ha de errado em estuprar uma puta dessas? se anda com esse tipo de roupa, é porque inconscientemente (ou não) quer sexo; e é mulher, ou seja, por instinto quer adr pra alguém, é uma vagabgunda a mais, só isso. a culpada é ela.”
Aquele velho blablablá que já conhecemos, e que repudiamos todos os dias. Outro preconceito que aparece tanto nos comentários ("bando de viados" etc) como num dos vídeos (em que estudantes gritam "Bicha! Bicha!" pra policiais, aparentemente) é contra os homossexuais, provando mais uma vez como machismo e homofobia andam juntos. Mas temos que abrir os olhos também para preconceitos elitistas, que proliferam nessas horas de “textos virais”. Por exemplo, como a universidade é particular, e como é localizada no ABC, surgem comentários como este: “Logico que tinha que ser em faculdade de pobre. Pobre é uma m****, so serve pra ser motoboy”. Certo. O pessoal que escreveu os comentários acima provavelmente não é pobre, não estuda na Uniban, e nem estava no meio de uma turba. Esses tiveram tempo pra pensar. E ainda assim repetem as mesmas asneiras que são ditas faz séculos.
Mais sobre o caso aqui e aqui.




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