ALUNOS, ESSES SERES INEXPERIENTES
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ALUNOS, ESSES SERES INEXPERIENTES


Agora estou cursando uma matéria do curso de Letras a distância com uma turma que nem sei direito de que é. Acho que é Logística, algo assim. E a disciplina é uma que fiquei devendo ao pular três semestres, a de Metodologia do Trabalho Acadêmico. Que é um porre inominável, e totalmente inútil, porque cada instituição que você for vai ter sua própria metodologia, e você terá que fazer o curso de novo. Lembrando sem pensar muito, eu fiz essa matéria na faculdade de propaganda, na especialização em inglês, na graduação em pedagogia, no mestrado na UFSC, e agora aqui. Pelo menos a disciplina do mestrado foi hiper útil, porque valeu por seis anos, e também porque foi dada por um excelente professor, o meu orientador. No final a minha turminha acabou gostando tanto das aulas que até lhe deu um cartão agradecendo pelo “Academic Writing in Performance”, que era um chiste entre o nome da matéria (porque era em inglês, e segue a metodologia MLA, Modern Language Association), e a área de expertise dele, que é Shakespeare in Performance (ou seja, não o Shakespeare do texto escrito, mas o dos palcos).
Nessa turma de Logística, pra piorar, acho que peguei uma turma nova, recém-iniciada, o que explica o enorme número de alunos (uns 50, pelo que contei por cima), e o comprometimento do professor em cumprir o horário (digamos que foi a primeira vez naquela faculdade que uma aula presencial realmente dura mais de três horas). E o silêncio sepulcral da classe. Só o professor fala, mas pelo menos ele fala. Melhor que outras aulas que já acompanhei, em que alguém só lê as respostas aos exercícios da apostila. Um defeito desse professor, que é muito comum - e que, as God is my witness, eu espero não repetir quando (se?) der aula no ensino superior -, é tratar o aluno como tábula rasa. Quer dizer, o aluno não teve nada parecido com uma vida pregressa antes de pisar na sala de aula. Deve ter hibernado esse tempo todo, esperando a chegada de um ser iluminado, o professor, para despertá-lo. Se a gente não deve adotar essa postura com crianças de seis anos, menos ainda com universitários, já que isso nunca é verdadeiro. Até porque posso apostar que naquela turma, onde há várias pessoas com mais de 40 anos, muitas já devem até ter uma faculdade (uma moça com quem conversei estava concluindo Oceanografia, e começando Logística). Mas o professor tratou todos como se ninguém tivesse lido um só livro na vida. Sério. Numa hora ele contou que estava lendo, e adorando, o Leite Derramado, do Chico (eu não gosto muito do Chico como escritor. Tentei ler Estorvo e achei chato. Faz tempo, talvez eu deva tentar de novo). Mas disse pra gente não começar nossa leitura por aí, porque era complicado. Eu realmente prefiro acreditar que todo mundo naquela sala já havia lido alguma coisa.
E nisso de incentivar os alunos a lerem, às vezes o professor exagera e amedronta. Tipo: ele contou que já escreveu vários artigos pra jornais locais, e pra internet, mas parou, porque isso toma tempo demais. Porque, pra escrever uma ou duas páginas, ele precisa ler cinco livros! Hello? Como que você vai citar cinco livros num textinho de uma página? Escrito pra jornal, ainda por cima, que nem é o espaço adequado pra linguagem acadêmica? Ele também pediu que os alunos lessem de 20 a 35 livros por ano. Podia descontar as apostilas do curso dessa conta (8 apostilas por ano). Sobravam doze livros pra ler no ano. Putz, eu não gosto dessas contas! Pouquíssimas vezes parei pra contar quantos livros li durante um período!
Teve uma hora que ele explicou o que era TCC (vou repetir, porque o maridão, longe das cadeiras escolares há seculos, não sabia o que era: Trabalho de Conclusão de Curso), monografia, dissertação e tese. Eu tenho problemas aqui, porque em inglês, em geral, pelo menos na UFSC, dissertation é pra doutorado, e thesis é pra mestrado. Segundo o professor, uma monografia deve ter cem páginas, uma dissertação de mestrado, entre 200 e 300, e uma tese de doutorado, o tamanho de um livro (ahn, tamanho de livro varia, né?). Na UFSC, ao menos na minha área de Inglês, a dissertação tem entre 50 e 100 páginas (a minha teve 115, mas uma amiga teve que cortar a dela ao ultrapassar a centésima página), e a tese, essa sim, entre 200 e 300. Mas o pior é que o professor disse que um doutorado leva entre um e quatro anos pra completar, e às vezes, seis e oito. Eu não quis falar nada no meio da aula, porque, pô, só vou estar lá durante quatro encontros, e ele vai continuar com aquela turma pelos próximos semestres. Mas, no intervalo, falei pra ele: “Professor, nunca ouvi falar de doutorado de um ano”. Ele respondeu: “É que não dá tempo, porque tem tanta coisa pra estudar. Na verdade, eu nunca nem ouvi falar de alguém que terminou um doutorado em quatro anos”. Aí eu não me contive e disse: “Eu terminei”. Ele, muito perplexo e confuso, quis saber: “Ahn? Como assim?”. Eu expliquei que, em geral, o doutorado deveria ser completado em 48 meses (4 anos), mas que na UFSC, ao menos na minha área, inventaram que o prazo seria de 44 meses! Eu levei 46. Ele fez algumas perguntas sobre a tese e tal. Simpático até, apesar do espanto.
Não sei se falei demais, provavelmente sim, mas, na minha concepção, são só umas pouquinhas aulas. E talvez, quem sabe, ele leve essa experiência em consideração na hora de concluir que seus alunos nunca leram um livro na vida.




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