FALA QUE EU TE RESPONDO: DOUTORADO-SANDUÍCHE
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FALA QUE EU TE RESPONDO: DOUTORADO-SANDUÍCHE


Uma leitora fofa, a Barbara, me mandou um email com essa colocação:

Na minha defesa da dissertação do mestrado, um membro da banca sugeriu que a obra do artista que eu estudo (sou historiadora da arte de um artista só) faz paralelos com artistas americanos. Isso me deixou com uma pulga atrás da orelha, e desde então (isso foi em abril) ando pesquisando o modernismo americano. Essa ideia fixa me fez pensar que o doutorado fosse uma boa opção. Cheguei à conclusão que o que seria melhor para minha pesquisa era um doutorado-sanduíche, já que o artista que eu estudo é brasileiro.
Chegando aos finalmentes: vi que você falou do processo de seleção do mestrado, doutorado e tudo mais, mas não vi nada sobre essa parte do doutorado-sanduíche. Só queria uma luz! Ainda não entrei no doutorado, só estou no processo de seleção, mas já queria me preparar.
Ah, e parabéns pelo concurso de professor na UFC. Que inveja dos seus alunos!

Pra quem não sabe, e não tem por que saber, doutorado-sanduíche (em inglês, split PhD) é um período de alguns meses a um ano que se passa em outro local, pesquisando pra poder escrever sua tese. Como um doutorado geralmente leva mais de quatro anos, o sanduíche se dá na metade, depois de uns dois anos e todos os créditos completos. Eu nunca tinha ouvido falar nisso antes de entrar pro mestrado. Enfim, Barbara, não sei como pleitear um doutorado-sanduíche se não for através da universidade onde você faz doutorado. Mas primeiro eu me preocuparia em começar o doutorado, já que não existe doc-sand sem doutorado!
No meu caso houve duas mudanças de regras bem quando fui pensar no sanduba, e ambas me prejudicaram. Uma foi que o CNPq/Capes deixaram de pagar o tuition fee (o que se paga pra estudar) das universidades durante o doc-sand. Acho que a decisão deles foi correta, porque as universidades estrangeiras realmente metiam a faca, e, pô, a gente não faz doc-sand pra cursar a faculdade, e sim pra pesquisar. Tudo que a universidade deve oferecer é a biblioteca à disposição e um co-orientador, que vai se reunir com a gente uma vez por mês no máximo. Imagina só, uma universidade na Inglaterra quis cobrar 9 mil libras de tuition fee de mim! E eu e meu orientador (que vai pra lá direto pra dar palestra) explicando: olha, é só pro sanduíche, dá um desconto. E nada! Claro que descartei essa universidade.
Outra mudança de regra foi interna, referente apenas à Pós-Graduação em Inglês da UFSC. Até o ano anterior ao meu sand, era muito comum todo doutorando no departamento sair pro sanduíche por um ano. Praticamente era só querer. Isso porque a PGI aproveitava a verba que não era usada de doc-sand de outros departamentos. Não é todo mundo que cursa, sei lá, doutorado em Engenharia Civil que tenha vontade ou necessidade de fazer um sanduíche. Então sobrava verba, e a PGI a usava pros seus próprios doutorandos. Mas aí teve uma mudança, e a PGI não pôde mais utilizar as sobras dos outros. E a verba pra PGI foi de doze meses de doc-sand por ano! 12 meses no total, já pensou? Pra todos os doutorandos de Literatura e Linguística! Você tinha que pleitear pra conseguir 3 ou 4 meses de sanduíche, não mais do que isso. Um ano era impossível, pelo menos através do departamento.
Então o que eu fiz? A regra do CNPq é que alunos de universidades com conceito abaixo de 4 (aquelas não tão bem conceituadas) poderiam entrar com pedido de doc-sand diretamente com o CNPq. Não passa por nenhum departamento. E aí você submete um projeto ao CNPq e ele vai avaliar se sua proposta vale ou não. Ou seja, como meu curso na UFSC é conceito 5, eu não poderia pedir doc-sand por um ano. Mas havia uma brecha. A exceção é que, se você, aluna, for bolsista do CNPq, e o seu orientador também for, você pode pedir diretamente ao CNPq. Se só um dos dois ou nenhum for bolsista, você vai depender do departamento mesmo. Como eu era bolsista e meu orientador também, pude entrar com pedido diretamente pro CNPq.
Ah, pra entrar com pedido precisa estar tudo certinho. E aí tem uma coisa pra você pensar desde já. Você não pode ir a qualquer universidade no exterior fazer seu doc-sand. Não é bem você que escolhe. Claro, precisa ser uma universidade que tenha algum tipo de pesquisa, ou pelo menos bibliotecas compatíveis, com o que você vai pesquisar. Mas a maior exigência é que o seu orientador precisa ter feito algum tipo de trabalho com seu futuro co-orientador (quem vai te orientar lá). Eles podem ter publicado um capítulo de livro juntos, ou podem ter dividido uma palestra ou uma mesa redonda, ou dado um curso juntos. Quer dizer, não é fácil, né? Se você tiver um orientador iniciante, recém-doutor (como eu!), há poucas chances do cara ter algum tipo de interação com um professor do exterior. No meu caso, o meu orientador tinha muito contato com gente da Inglaterra, mas pouco com universidades dos EUA (apesar d'ele ter cursado mestrado e doutorado lá, mas não foi na mesma linha de pesquisa de Shakespeare que ele está agora). A gente aproveitou que a UFSC fazia uma espécie de intercâmbio com a Wayne State University, de Detroit. Alguns alunos nossos de graduação iam pra lá passar 6 meses, e alunos deles, de Detroit, vinham pra UFSC. A WSU também tinha esse acordo com a UFMG. E o acordo envolvia os professores também: de vez em quando, professores deles vinham dar palestras e minicursos na UFSC, e vice versa. Numa dessas veio o meu co-orientador, que acabou dividindo um minicurso com o meu orientador. Meu co-orientador é super fera em Shakespeare, assim como meu orientador, embora as áreas deles sejam totalmente diferentes (meu co-orientador é mais ligado a Shakespeare histórico; e o meu orientador, em Shakespeare in Performance). Eu nem chequei outras universidades. A UFSC também tinha convênio com NYU, e de repente meu orientador tivesse alguma colaboração com alguém de lá, mas nem procurei. Claro que passar um ano em NY deve ser muito mais glamuroso que em Detroit, mas tem que se levar em conta o custo de vida. A bolsa do CNPq é a mesma em todo lugar, US$ 1,100 (na Europa, 1,100 euros; na Inglaterra, 794 libras) por mês. E não deve ser fácil sobreviver com esse valor em NY ou Londres.
Fazer doc-sand tem várias exigências. Uma delas é que você precisa voltar ao Brasil no prazo determinado. Não pode ficar lá no outro país, nem que te ofereçam um super emprego maravilhoso. Quer dizer, até pode, mas aí vai ter que devolver tudo que o governo brasileiro investiu no seu doc. Todas as bolsas, tanto do doc quanto do doc-sand. É uma grana federal, né? E, quando terminar o doc, você também não pode ir correndo pro exterior. Tem que permanecer no Brasil no mínimo pelo período do seu doc-sand. Uma dica pra evitar isso é não fazer doc-sand, mas sair pro exterior pra pesquisar de qualquer jeito. Como? Bom, se no seu doutorado você for bolsista do CNPq, você receberá, além da bolsa em si (hoje em R$ 1,800 mensais), um valor mensal que chamam de "taxa de bancada". Está em 394 reais por mês, e você deve usá-lo na sua pesquisa (viagens pra congressos, livros, xerox, etc). Precisa guardar todas as notas fiscais de cada trequinho gasto. Não precisa usar o valor todo mês: você tem 4 anos pra gastar tudo. O que não for gasto você tem que devolver. Bom, dá perfeitamente pra poupar um ano dessa taxa e usá-la pra pesquisa no exterior. Em um ano, dá R$ 4,730. Com isso, talvez dê pra passar um mês ou dois no exterior pesquisando. Um colega meu fez isso, e ficou livre da burocracia. Mas, claro, não dá pra ter certeza que a taxa-bancada continuará em vigor quando você estiver fazendo doutorado. Depende do governo. O FHC eliminou esse importante benefício, e foi o Lula que o colocou de volta.
Bom, essa é a minha dica: primeiro se preocupe em começar o doutorado, depois pense no sand. Mas ajuda muito se você estiver numa instituição que tenha experiência com doc-sand. Ou um orientador que mande frequentemente seus doutorandos para um sanduba. Pra você não ter que descobrir a pólvora sozinha, sabe?
Se quiser fazer alguma pergunta, sou toda ouvidos.




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