Amy Winehouse, Tio Patinhas e o senhor Mercado
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Amy Winehouse, Tio Patinhas e o senhor Mercado


Rodrigo Constantino, VALOR ECONÔMICO

Prezado leitor, não pense que perdi o juízo por conta da volatilidade dos mercados. Peço um pouco de paciência para tentar explicar a conexão entre os personagens do título.

À primeira vista, pode parecer confuso misturar uma cantora recentemente falecida, um pato de desenho animado e uma abstração dos principais agentes que atuam no mercado financeiro. Mas juro que há uma lógica na comparação.

Comecemos por Winehouse. Como o nome ironicamente já diz, ela curtia elevadas doses de álcool e outras drogas mais. No começo, seus vexames eram compensados pelo excelente desempenho nos palcos. Com o passar do tempo, o vício foi aumentando até o ponto de impedi-la de cantar. Confrontada com essa realidade, Amy não só rejeitou um tratamento mais intensivo, como chegou a escrever uma música enaltecendo sua decisão. Reabilitação? Não, não e não! Ela quis o vício. Acabou morta.

Passemos agora ao pato avarento da Disney. Todos conhecem a ambição desmedida do Tio Patinhas pelo acúmulo de moedas de ouro. O que nem todos sabem é que ela expressa certa desconfiança em relação à moeda fiduciária. Em um dos episódios, os sobrinhos de Tio Patinhas descobrem uma máquina que faz replicar qualquer coisa. Claro que os três pestinhas logo pensam em multiplicar o dinheiro.

Tio Patinhas só descobre a façanha quando os sobrinhos já gastaram uma fortuna. Ele dá então uma verdadeira aula de economia básica. Explica que não é certo aumentar dinheiro dessa forma, sem lastro, pois o único efeito será mais inflação. Os outros, sem acesso a essa máquina maravilhosa, terão que arcar com os custos do enriquecimento artificial deles. Em suma, aquilo era pura fraude!

E aqui chegamos ao Sr. Mercado. Como já sabia Benjamin Graham, o Sr. Mercado não passa de um bipolar com foco totalmente voltado ao curto prazo. A palavra "estímulo" é capaz de fazer o Sr. Mercado entrar numa fase de euforia totalmente irracional. Já o risco de uma recessão, ainda que temporária para limpar excessos do organismo, joga o Sr. Mercado em profunda depressão. Parece que o mundo vai acabar.

Chegamos ao ponto de encontro dos três personagens: Jackson Hole. Há um ano, foi neste aguardado evento, repleto de figurões do mercado financeiro e autoridades políticas, que a nova fase de euforia do Sr. Mercado teve início. Bernanke sinalizava sua segunda rodada de estímulos, o QE2. As bolsas dispararam, assim como as commodities. O salvador dos mercados entrava em jogo uma vez mais, com nova rodada de liquidez.

A analogia com o álcool não é nova. Benjamin Strong costumava dizer que daria mais uma dose de uísque para animar o mercado. E como ele gosta do malte! Para um bêbado, nada melhor no curto prazo do que mais uma rodada grátis. O problema é depois, quando a ressaca aumenta. A dose necessária para manter a euforia artificial é cada vez maior. Até o dia em que o organismo não aguenta mais.

Os investidores estão divididos quanto ao comunicado de Bernanke amanhã. Muitos acham que não há mais espaço para um QE3. A inflação não é mais tão baixa quanto era ano passado, e os estímulos também são reféns da lei dos retornos decrescentes. Um QE3 do mesmo montante do QE2 sem dúvida produziria efeito menor, lembrando que a alta do S&P 500 no período foi quase toda eliminada e a economia ameaça entrar em recessão novamente.

Os estímulos fizeram apenas com que centenas de bilhões de dólares ficassem empossados no próprio Fed, sem gerar resultado positivo no crescimento econômico. Tanta injeção de liquidez pariu novas bolhas, desta vez nos títulos do Tesouro americano e no ouro. Tio Patinhas, afinal, estava certo. A "relíquia bárbara", como Keynes gostava de chamar o metal, chegou a quase US$ 1.900, uma alta expressiva no ano.

Enquanto o Fed vai brincando de usar a máquina mágica de multiplicar dinheiro, os investidores de longo prazo ficam com medo e correm para o ouro, cuja oferta não pode ser manipulada. Por isso, acredito que seria absurdamente irresponsável o anúncio de um QE3 na sexta. Claro que, de Bernanke, podemos esperar qualquer coisa. Mas penso que algum lapso de bom senso ele terá desta vez. Provavelmente, ele irá apenas deixar a porta aberta, alegando que ainda tem munição se for preciso.

Fora isso, o Fed já declarou que as taxas de juros ficarão inalteradas até meados de 2013. Não acho que existem muitos outros coelhos na cartola. Se o Sr. Mercado está animado apenas com base na possibilidade de nova rodada de uísque, é melhor se preparar para um pequeno choque de abstinência. Melhor assim. Lembremos de Amy Winehouse.

Rodrigo Constantino é sócio da Graphus Capital




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