Aos carolas, Nietzsche!
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Aos carolas, Nietzsche!



Rodrigo Constantino

A reação (medieval) de alguns religiosos mais fanáticos à decisão do STF sobre aborto em fetos anencéfalos me remeteu diretamente ao filósofo Nietzsche. Cheguei a sofrer ataques coordenados no Facebook por gente (desequilibrada) que me acusou de defensor da eugenia ou me comparou a Hitler. Já escrevi sobre este último ponto, colocando os pingos nos is. Agora vou resgatar Nietzsche para tentar explicar tanto "amor" por fetos condenados a jamais viver como seres humanos em sua plenitude (falta aquele "pequeno detalhe", chamado atividade cerebral, razão!).

Alguns carolas chegaram a quase enaltecer o feto anencáfalo que, em raríssimos casos, consegue ter sobrevida por alguns meses ou anos após o parto. Sem atividade cerebral, sem consciência, a massa corpórea vegetativa é vista, por alguns, como algo maravilhoso, lindo. Por isso falo da "ética do sofrimento". Esta gente acha bonito sofrer. Quanto mais sofrimento, mais "nobre" é a vida, segundo esta ótica patológica. Vamos às palavras de Nietzsche:

O cristianismo é conhecido como a religião da piedade. A piedade, porém, é deprimente, pois enfraquece as paixões revigorantes que aumentam a sensação de viver. Do ponto de vista religioso e moral, a piedade toma um aspecto muito menos inocente quando se descobre de que natureza é a tendência que ali se esconde sob palavras sublimes: a tendência hostil à vida.

Não concordo totalmente com o pensador, e consigo enxergar o lado positivo da tal piedade cristã. Mas que transparece em cada ataque virulento dos carolas esta hostilidade à vida, ao menos à vida humana com sua potência plena, isso é fato. O que nos leva ao próximo ponto:

O cristianismo deve a sua vitória a essa lastimável bajulação da vaidade pessoal - por esse meio atraiu tudo quanto estava falido, instintos sediciosos, mal equilibrados, aqueles sucumbidos pelo mal e a escória da humanidade. Do ressentimento das multidões forjou a sua arma principal contra nós, contra tudo o que há de nobre, de alegre, de magnânimo sobre a Terra, contra a nossa felicidade sobre a Terra... O cristianismo é uma insurreição de tudo o que rasteja contra tudo quanto está elevado.

Aqui não tenho como discordar de Nietszche! Vejo esta vaidade estampada em cada rosto daqueles que se julgam acima dos demais, que embarcam nesta cruzada moral para se sentirem melhores que os outros, monopolizando as "virtudes". É um estratagema de inversão dos fatos incrível. O ressentido, o medíocre, o invejoso, cada um abraça esta "causa nobre" e posa como o maravilhoso defensor dos "fracos e oprimidos" (um feto anencéfalo?), para então poder olhar de cima os demais. São almas incríveis, como Madre Teresa de Calcutá, que amava mais a pobreza do que os pobres! Chafurdam na lama pois assim se sentem virtuosos. Mas Nietzsche detectou a hipocrisia do teatro:

Fazendo-se humildes, como velhacos hipócritas nos seus cantos, vegetando na sombra como fantasmas, cumprem um dever: a sua vida de humildade aparece como um dever porque é humilde, é uma prova mais de devoção. Ah! essa humilde, pudica e misericordiosa hipocrisia!

Eis que, regado à hipocrisia e atendendo a uma demanda humana, demasiado humana, de inverter o quadro e se colocar acima dos outros quando se está, na verdade, no limbo, os carolas passaram a enaltecer o sofrimento, a miséria, a doença. Quanto mais doente (um feto anencáfalo?), melhor, pois mais nobre. A grávida que atravessar o calvário de 9 meses carregando no útero um feto que jamais gozará de uma vida humana em sua plenitude, eis o que eles consideram fantástico, maravilhoso, lindo e nobre. Mais Nietzsche:

O cristianismo dirigiu o rancor dos doentes contra os saudáveis, contra a saúde. Tudo o que é bem-formado, orgulhoso, soberbo, a beleza, antes de tudo, incomoda-lhe os ouvidos e os olhos. Recordo outra vez as inapreciáveis palavras de Paulo: "Deus escolheu o que há de fraco no mundo, o que é louco perante o mundo, o que é ignóbil e desprezível". Tudo o que sofre, tudo o que está suspenso na cruz é divino. O cristianismo foi até ao presente a maior desgraça da humanidade.

Não chego a tanto. Como já disse, consigo ver o lado bom do cristianismo. Mas nem por isso vou deixar de apontar o lado ruim. Ele existe, e com esta reação ao julgamento do STF, ficou exposta a olhos nu, com toda a sua feiura sem o manto hipócrita do altruísmo.




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