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ATEIA, NÃO À TOA
Campanha ateia em ônibus na Inglaterra: "Provavelmente deus não existe. Agora pare de se preocupar e curta sua vida". Faz pouco tempo, participei de um conselho de leitores do jornal, todos muito simpáticos. Na hora de dizer alguma coisa, lá fui eu falar demais: disse que considerava muito democrático que o jornal tivesse entre seus colaboradores alguém tão pouco convencional como eu, feminista, de esquerda, ateia... Um leitor admirou a minha “coragem” (ele podia ter chamado de boca grande) em me admitir ateia para um grupo de desconhecidos. Afirmou que pouquíssima gente faria isso no Brasil, já que o ateísmo não é algo exatamente popular. E ele tem razão. FHC perdeu a eleição para prefeito de SP em 1985 porque não quis responder à pergunta de Boris Casoy (“o senhor acredita em Deus?”). Numa pesquisa recente, os ateus empataram com os usuários de drogas como a minoria que os entrevistados mais odiavam: 25% disseram sentir antipatia por ateus, e 17%, repulsa ou ódio. Outros estudos apontam que um ateu assumido jamais seria eleito presidente. Bom, felizmente não estou me candidatando a nada, e como a Constituição garante liberdade religiosa, tenho o direito de não acreditar em Deus. Mas não fui sempre ateia. E tampouco houve algum trauma que me fez perder a fé. Meu pai era ateu, mas não fazia muita propaganda disso. Já minha mãe é católica, do tipo que vai a missas no natal, e que gosta de visitar igrejas em outros países (outro dia, pela primeira vez na minha vida, ela se disse ateia. Eu me surpreendi). Ela pôs meus irmãos e eu para estudarmos em escola católica. A escola era ótima, americana, com alunos de todos os cantos do mundo, mas a parte religiosa não era legal. Havia missas no colégio, e todos os alunos eram obrigados a ir. É ruim, pra uma criança ou adolescente, sentir-se tão diferente. Como não fomos batizados, não comungávamos. Nossos amigos iam lá na frente e colocavam a hóstia na boca. Tudo isso deve ter me influenciado para que, com treze anos, eu me tornasse ultra católica. Eu rezava na capela da escola todo dia, durante o almoço. Naquela época eu queria ser freira. Na realidade, acho que minha ambição era um pouco maior: eu queria ser santa mesmo. Eu fantasiava terremotos (no Brasil!) que derrubariam a estátua da Virgem Maria em cima de mim, e, como eu morreria rezando, e naquela idade era puríssima, facilmente seria canonizada. Olha só que pensamentos torpes pra uma menina de 13 anos! Naqueles meus meses católicos, transformei a vida do meu pai num inferno. Eu o arrastava pra missa todo domingo. Como meu amado papi fazia qualquer coisa por mim, ele ia sem reclamar muito (minha mãe, a católica oficial da casa, não ia). Eu também fazia com que ele e meus irmãos rezassem antes de dormir. Mas as freiras da escola me aterrorizavam com histórias de que mesmo um bebê (símbolo máximo da pureza) não-batizado não vai pro céu. Isso poderia comprometer meus planos de virar santa. Só que pra ser batizada aos 13 anos não é fácil. Não só você tem que fazer um curso, mas seus pais também! Eu insistia muito pro meu pai fazer o tal curso, e ele, sabendo que minha fase iria passar logo, dizia sempre “Mañana, querida, mañana” (ele era argentino, mas era excelente pessoa).Entretanto, a religião criava conflitos com meu feminismo. Eu era bem chata com as freiras, pedindo explicações pros seus dogmas o tempo todo: essa história de Adão e Eva é pra ser literal? Tipo, Deus fez primeiro o homem, e aí, como um complemento, fez a mulher? E por que Deus é sempre representado como um senhor de barba branca? Por que Ele é Pai, Senhor, tudo no masculino? Aí tem... E como assim, freira não pode rezar missa? Hã, o que você disse? Freira não pode ser papa?! Cês tão de sacanagem comigo! (eu era ambiciosa, e pensava que, se a ideia do terremoto no Brasil não vingasse, sempre me sobraria um plano de carreira). Ninguém conseguia responder minhas dúvidas de forma convincente, e aos poucos fui me decepcionando com uma religião que me queria para massa de manobra, não para liderança. Uma religião que me discriminava diariamente, a cada leitura.Daí foi um passinho pra eu perceber que deus não me criou. Fui eu que criei deus. Mas às vezes sinto falta de acreditar em alguma coisa, como na vida após a morte. É chato saber que minha vida será breve, que não vou me reencontrar com meu pai ou com meus bichinhos de estimação. Mas eu sempre fui feliz, e percebi rápido que podia viver numa boa sem ter resposta pra tudo. Porque é isso que as religiões proporcionam, certezas. Não preciso delas. Já fui discriminada por ser ateia, talvez tenha deixado de conseguir um emprego pelo que escrevo no jornal, quase já fui agredida fisicamente e tal. Acho um sinal de ignorância grande quem pensa que ateus não têm valores ou morais. Pra quem pensa isso, apresento umas estatísticas provocativas:- Entre católicos americanos, o divórcio acontece em 40% dos casais. Entre os evangélicos, 27%. Entre os ateus, 21%. Ateus se divorciam menos que religiosos, quem diria? - Na população carcerária americana, apenas 0,2% dos prisioneiros se declara ateia ou agnóstica (na população em geral, ateus e agnóstiscos são cerca de 10%. No Brasil, mais ou menos 6%).- Os países com menor índice de criminalidade são os que têm o maior número de ateus. Na Suécia, por exemplo, 85% da população é ateia ou agnóstica. E parece que o país continua se aguentando em pé.Não estou querendo dizendo que ateus são melhores que pessoas com fé. Não acredito que sejamos melhores ou piores. E não sou anti-religiosa. Acho que a religião, qualquer uma, pode trazer conforto a muitos indivíduos. Mas, infelizmente, muito mais guerras são promovidas em nome de Deus do que pela falta de crença. Uma leitora falou sobre orgulho em ser ateia. E não sei se tenho orgulho disso especificamente. Tenho orgulho da pessoa que sou, pelo conjunto da obra, digamos. Meu ateísmo é uma das minhas características, e claro que é importante. Eu me sinto muito, muito livre por não estar presa a dogmas religiosos. Mas meu ateísmo não me define. Só que lógico que quando eu estava acabando de escrever este texto a minha internet desconectou, e um sapo invadiu a minha cozinha, o que obviamente põe meu ateísmo em xeque. Se aparecer uma barata, eu volto a acreditar. Porque seria o equivalente de “Deus, se você existe, jogue um raio na minha cabeça!” (e tá vendo? Não apareceu! Diga-me, se você fosse deus e alguém te desafiasse desse jeito, você não colocaria uma baratinha na minha frente, só pra abalar minhas estruturas?). Mais aqui.
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Relato da L.: Meu nome é L., tenho 17 anos, e queria arrancar do peito uma mágoa que tenho há muito tempo. Comecei a acompanhar seu blog há dois meses, mas a partir dele comecei a me redescobrir. Hoje penso de forma muito diferente do que alguns meses...
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Mãe: ja minha mãe é uma pessoa mais controlada. Bom, qualquer pessoa perto do meu pai seria mais controlada. A médica do aeroporto de Aracaju é um poço de controle perto do meu pai. Apesar disso, minha mãe casou com meu pai e nos deu uma educação...
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