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GUEST POST: MEU PAI ACHA QUE MINHA MÃE VAI PRO INFERNO
Meu nome é L., tenho 17 anos, e queria arrancar do peito uma mágoa que tenho há muito tempo. Comecei a acompanhar seu blog há dois meses, mas a partir dele comecei a me redescobrir. Hoje penso de forma muito diferente do que alguns meses atrás, e isso graças a você! O que mais gosto sobre suas postagens é que elas abrangem muito mais do que as mulheres e o feminismo propriamente dito, e seus textos sobre religião me deram forças para escrever agora.
Faço parte de uma família de classe média, sempre tive tudo o que queria, e nunca me faltou nada. Sempre estudei em ótimas escolas, e esse ano estou indo para uma universidade pública. Meus pais ainda estão juntos e se dão bem. Aos olhos da sociedade, vivo uma vida perfeita. Mas a religião me assombra desde pequena. Vou ser muito direta com o assunto principal desse texto: meu pai acha que minha mãe vai pro inferno.
Meus pais são de religiões diferentes: minha mãe, católica, e meu pai, crente (confesso que não sei definir muito bem, mas é assim que eles se chamam; de qualquer forma, ele é da Congregação Cristã do Brasil). Isso tornou muito difícil o relacionamento entre os dois, e foi o maior alvoroço na igreja do meu pai quando eles resolveram se casar: tentaram a qualquer custo converter minha mãe, mas ela nunca quis. Eles se casaram, e um ano depois, eu nasci. Parecia que não havia tensão alguma entre as duas religiões. Mesmo assim, meu pai nunca nos permitiu comemorar o Natal, não podíamos ter uma árvore, ou colocar luzinhas ou enfeites na casa, nunca fizemos uma ceia (mas eu ganhava presentes); não comemoramos páscoa, nem nada do tipo. Quando eu tinha uns nove anos, os dois pararam na minha frente e me fizeram uma pergunta: "Então, L., você vai querer ir na igreja do papai ou da mamãe?". Assim. Simplesmente assim. Eu tive que escolher uma religião com 9 anos. E eu nem sabia que as duas eram diferentes! Eu sempre fui mais apegada a minha mãe, então eu escolhi ir com ela. Fui colocada na catequese, fiz crisma, cresci fazendo tudo direitinho, mas nunca gostei de ir à igreja. Fui algumas vezes a uns cultos com meu pai, mas sempre questionei muitas coisas em relação as duas doutrinas. No final, eu acabei não fazendo parte de nenhuma; gosto de pensar que tenho a minha própria religião. Claro que não fui muito aceita, meus pais chegaram a pensar que eu era ateia, e choraram, e tentaram achar o que eles fizeram de errado, e tudo mais. Me custou fazer eles entenderem que eu acredito em Deus, e em Jesus, e em muita coisa, só não acredito em instituições religiosas. E as coisas seguiam bem do jeito que eram. Até que um dia, andando de carro pela cidade com eles e minha irmã, meu pai solta um "Vocês estão precisando ir mais na igreja", e isso se transformou numa discussão religiosa. Ele disse muita coisa que pra mim não passa de um monte de besteira, mas uma coisa me marcou: ele acredita que, por minha mãe não seguir a doutrina dele, ela vai pro inferno. Minha mãe, que sempre foi tão boa pra nós, que nunca foi infiel, condenada ao inferno, porque não é crente.
Eu não acreditei. Eu tentei argumentar, mas foi inútil. Ele acredita, ele tem a plena consciência de que ela vai sim pro inferno por não seguir a doutrina extremamente conservadora e machista que ele segue. Lola, meu pai é Juiz do Trabalho, ele estudou Direito por anos e anos, ele deveria ter noção das coisas! Mas ele é completamente cego pela religião. Ele e todos os seguidores acreditam que são os únicos certos, e que todos os que não seguem aquela doutrina vão queimar para sempre. Então eu tenho esse problema. Não consigo entender como meus pais se dão tão bem, e como minha mãe pode viver ao lado de alguém que ache que ela vai pro inferno (ela não acredita, mas aceita a "opinião" do meu pai). Acho que ele deve achar que eu também vou, certo? Ele diz que cada um só pode salvar a si mesmo. Tenho vontade de abraçar minha mãe e de consolá-la, e falar que meu pai está errado, mas ela parece inabalada com isso. E por que eu não estou assim? Não consigo relevar isso. Tenho mágoa das religiões, porque elas julgam e mandam as pessoas pro inferno. Tenho raiva toda vez que minha família começa a discutir sobre a Bíblia perto de mim, quando começam a discutir sobre a religião tão maravilhosa deles! E eu não consigo fazer ninguém enxergar os absurdos que estão impondo. Obrigado por me ouvir, Lola! Eu precisava mesmo falar com alguém sobre isso, mas parece que ninguém que eu conheço quer discutir uma coisa tão complicada quanto essa.
Minha resposta: Pois é, me solidarizo completamente com vc. Religião é algo que deveria ensinar tolerância, não ensinar a ser contra os outros. Fico feliz ao ver que vc está bem amadurecida quanto a este assunto. E que sua mãe não liga. Um dia, espero, seu pai notará como foi intolerante. Ou não. Não dá pra saber. Todas as religiões acham que são únicas, que são as escolhidas, que só seus fiéis encontrarão a salvação. Tem jeito não, as religiões vivem de mandar as pessoas pro inferno... Mas dói quando é o o próprio pai que manda nossa mãe pro inferno! Pelo menos seus pais acertaram numa coisa: deixaram vc escolher sua religião. Ok, ter que fazer essa escolha com nove anos é cedo demais, e, no seu contexto, foi como ter que fazer aquela escolha traumática (e totalmente desnecessária) do "de quem vc gosta mais, seu pai ou sua mãe?". Mas a maior parte das crianças não têm escolha alguma. Elas são doutrinadas na religião da família e acabou. E, imagino, deve ser isso que perpetua as religiões. Aposto que crianças que crescem sem religião e são encorajadas a escolher sua crença apenas quando adultas optam por não ter religião alguma (existe alguma pesquisa sobre isso?). Foi mais ou menos o meu caso e dos meus irmãos. A gente não tinha religião em casa (meu pai era ateu, minha mãe, "católica relaxada"; nunca fomos sequer batizados), mas inventaram de nos colocar pra estudar num colégio católico. Apesar da minha fase ultra-católica aos 13 anos de idade -- todos temos nossos pecados (o meu foi arrastar meu pobre pai, ateu convicto, às missas de domingo) --, no resto do tempo eu fui, e sou, ateia. E me sinto muito livre por isso. Eu faço meus próprios dogmas.
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