CASO POLANSKI: EXISTE TODO UM CONTEXTO
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CASO POLANSKI: EXISTE TODO UM CONTEXTO


Mais sobre Polanski: aqui e aqui.

Várias leitoras e alguns leitores ficaram decepcionados com a minha postura frente ao caso Polanski. E eu entendo vocês. Não vou ser hipócrita de negar que, se o criminoso fosse uma outra pessoa menos admirável profissionalmente, minha postura seria tão conivente. Mas acho também que está havendo um linchamento exagerado da parte dos que condenam o diretor.
Primeiro, estão agindo como se o caso tivesse acontecido anteontem, e não 32 anos atrás. Gente, contexto é tudo. Não dá pra tirar uma narrativa do contexto e fingir que tudo que existe é a narrativa. A narrativa foi moldada pelo contexto. E o contexto dos anos 70 é totalmente diferente do de hoje. As leis anti-pornografia infantil endureceram muito (e com razão) na década de 90. Hoje em dia temos todo um cuidado com abuso contra crianças (às vezes até excessivo) que não havia na época. Nos anos 70, antes do crime contra Samantha, o relacionamento de Polanski com Natassja Kinski, uma garota de 15 anos, era público e notório. Saía nas revistas, e não havia indignação com aquilo. A Vogue Hommes aceitou de bom grado que um diretor famoso fotografasse adolescentes com pouca ou nenhuma roupa em poses eróticas, e a opinião pública nem piscava. Pelo contrário, havia público pra isso. Jodie Foster fez uma prostituta infantil em Taxi Driver, em 76. No mesmo ano Alan Parker lançou Quando as Metralhadoras Cospem, um musical em que todos os papéis (de gangsters a showgirls) eram interpretados por crianças. Vejam esse pedacinho e me digam se conseguem imaginar um filme desses sendo feito hoje em dia. Não se convenceram? Então que tal este trechinho de Pretty Baby, do Louis Malle? Brooke Shields não tinha nem seios e era meio que um símbolo sexual pra muitos homens. Não importa que Lagoa Azul fosse sobre a descoberta sexual de duas crianças náufragas. Grande parte do apelo comercial do filme era ver uma linda menina semi-nua numa produção mainstream. Querem prova maior do contexto da época do que uma foto da Brooke, nua com dez anos de idade? (aqui, só publico uma parte da foto, porque não quero que este blog seja acusado de pedofilia). Não foi o Polanski que tirou. Esta semana um artista quis exibir a mesma foto da Brooke numa galeria e foi proibido. Porque são outros tempos (e ainda bem que são).
Outra parte do contexto é que, na Europa, não é assim tão escandaloso menores de idade transarem com homens mais velhos. Nem hoje e muito menos na década de 70. Uns dois atrás, quando eu estava morando em Detroit, vi um filme que me causou um enorme choque cultural. É triste, mas não lembro do título, dos atores, nem da língua em que era falado (acho que era alemão). Mas era um filme, provavelmente de 2006, em que um belo loiro de seus 35 anos veleja com uma menina de 13 que acabou de conhecer. Eles passam o dia todo sozinhos, isolados, e ninguém acha nada de mais. Vocês precisavam ver a reação do público americano... O pessoal tava engasgando durante a sessão.
Não estou justificando uma pessoa de 40 e poucos anos transar com uma menina de 13. Acho que isso não deveria acontecer de jeito nenhum. Mas as leis de estupro estatutário são bastante vagas. Nos EUA, a definição pra isso depende de estado pra estado. Na Califórnia, sexo com menor de 16 anos, mesmo consentido, é estupro estatutário. No Brasil, é com menor de 14. Mas se o “adulto” na relação tem entre 3 e 5 anos a mais que a “vítima”, não é crime. Soa um tanto absurdo, pra mim, condenar um rapaz de 19 (também adolescente) por transar com uma menina de 13. Bom, cá pra mim, adolescentes de 13 deveriam esperar mais uns dois anos até iniciarem sua vida sexual. Mas essa sou eu. Isso foi o que eu fiz quando adolescente. E não me sinto confortável impondo meus valores pra todo mundo. Acho, sinceramente, que existem meninas (e meninos) de 13 anos que fazem sexo consentido, inclusive com homens mais velhos. Eu acho errado. Acho que os homens (e as raríssimas mulheres que se envolvem nesse tipo de relacionamento) deveriam ter a responsabilidade moral de se conterem. Mas acontece, e pra chamar isso de estupro, tem que se basear numa lei. Faz pouco tempo, Paula Lavigne causou comoção ao revelar que perdeu a virgindade aos 13 anos com Caetano, que tinha 40. Foi estupro? Pela lei, sim. Pra Paula e pra Caetano, não (depois eles se casaram―isso muda alguma coisa?).
No caso de Polanksi foi diferente. O depoimento de Samantha mostra que ela disse “não” em vários momentos. E, se uma pessoa diz não e a outra continua, é estupro. Porém, 32 anos atrás Polanski não foi acusado de estupro, mas de “sexo ilegal com menor de idade”. A gente pode reclamar dessa injustiça que foi esse acordo de Polanski ser acusado pelo menor crime, mas não pode mudar a acusação. Ou é isso que a gente quer, retroceder três décadas e mudar a acusação? Polanski foi avaliado por psiquiatras que disseram que não, ele não era pedófilo (e as definições do que constitui pedofilia são bem diferentes de fazer sexo com uma menina de 13 anos). A gente quer voltar atrás e dar uma nova definição pra pedofilia, pra que possamos enquadrar Polanski nessa definição? O diretor foi então confinado numa prisão para uma outra avaliação, esta de 90 dias. Após 42 dias, a avaliação estava feita. E o juiz, apesar de ter dito pro advogado de defesa e pro promotor que a pena seria de apenas mais 48 dias (pra completar os 90), estava dando declarações (ilegais, porque não se pode discutir o caso abertamente com colegas de golfe) que iria condenar Polanski por mais tempo. Quanto, ninguém sabe. O diretor fugiu, como já narrei no outro post.
Polanksi cometeu um crime ao estuprar Samantha e um erro ao fugir. Pessoalmente, eu acho que ele foi bastante punido: não pôde mais trabalhar nos EUA, que é a meca do cinema. Mas, enfim, desculpem decepcioná-los, Polanski não era nem é um serial rapist, um estuprador em série. E nem um pedófilo. Era um homem que, como muitos outros (que eu acho igualmente repulsivos), sentia atração sexual e achava tudo bem transar com adolescentes. Acho até estranho ler comentários de gente falando “Sabe-se lá quantas outras meninas Polanski estuprou”. Existe a chance que ele não tenha estuprado nenhuma além de Samantha? Quando há casos de estupros em série, as vítimas geralmente aparecem (vejam o caso do médico Roger Abdelmassih: o número de vítimas que apareceram pra depor já ultrapassa 60). Se Polanski fosse realmente um estuprador em série perigosíssimo pra sociedade, alguma outra vítima não teria aparecido em 32 anos? (sem falar nas vítimas retroativas a 1977).
Fora isso, crimes têm data de validade. Se a gente mata ou estupra alguém e não é condenada dentro de 20 e 16 anos, respectivamente, o crime preescreve. Por que isso acontece? Porque considera-se que todo mundo tem direito a um julgamento justo, e que as testemunhas, por exemplo, possam não ter uma memória tão afiada depois de duas décadas. No caso do Polanski, seu crime mais sério, hoje, é ser foragido da justiça americana. Aqui cabe discutir o que se espera de uma prisão. Prisão é pra reabilitar ou pra punir pelo crime cometido? Eu acho que Polanski está reabilitado e que já foi punido, mas tem gente que parece defender a pena de morte pra ele. Li vários comentários de gente exigindo castração química! Isso tem que ser pra punir, né? Não deve ser pra impedir que um narigudo de 1,65 m de altura e 76 anos estupre novamente. Sua vítima, Samantha, foi contra a prisão do diretor em 77, o perdoou em 97, deu várias entrevistas e participou do lançamento do documentário Roman Polanski: Wanted and Desired, no ano passado (que não foi feito por ele nem por seus amigos, mas que obviamente é favorável ao diretor). E ainda assim, devemos prender Polanski após 32 anos mesmo que a vítima diga que não quer que ele seja preso? Claro que a justiça não deve agir em torno do que a vítima quer ou não quer. Mas nós, tão afoitos em colocar Polanski na cadeia, não deveríamos levar em consideração nem um pouquinho o que a vítima quer?
Em abril, escrevi um post sobre perdão e boicote a celebridades. Tipo, quanto tempo demorou pra que eu mudasse de opinião sobre o Sean Penn (que bateu na Madonna nos anos 80)? Não que eu tenha parado de admirar o Sean como o grande ator que é, mas minha admiração pela sua persona só renasceu no começo do século 21, quando ele se envolveu com causas de esquerda e, inclusive, se deslocou até Nova Orleans pra ajudar as vítimas do Katrina. Lógico que bater em alguém não é tão sério quanto estupro, mas quantos anos leva pra se perdoar quem cometeu um crime? Dez anos? Nunca? Nem depois que ele morra? Não sei, me parece exagerado.
E sim, existe o contexto de quem é a celebridade. Agora tem um grande movimento de “Free Polanski” acontecendo. Mais de cem celebridades já assinaram um manifesto pedindo sua liberdade. Nomes como Almodovar, Scorsese, Woody Allen, David Lynch, Costa Gavras, Stephen Frears, Inarritu, Terry Gilliam, Etore Scola, Kar Wai, Walter Salles, Wim Wenders, Monica Bellucci, Tilda Swinton, só pra ficar nos mais famosos. Toda essa gente é pedófila? Lógico que não. Mas, digamos assim, toda essa gente apoia o estupro? Também não, né? Esse pessoal vê um contexto que algumas pessoas que mais parecem partidárias do "Kill Polanski" não veem. E sim, uma parte do contexto é que Polanski é um grande cineasta, pra muitos o maior diretor vivo. Não dá pra fingir que se fosse um, sei lá, Paul Verhoeven (que eu gosto!), seria igual. Se o caso todo tivesse acontecido anteontem, tampouco haveria gente pedindo sua libertação. Mas aconteceu 32 anos atrás, e logo num tempo em que ninfetas como Brooke Shields reinavam absolutas. Esse tempo passou. O tempo de punir Polanski também.




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