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CINEMA, ARTE MASCULINA PARA E SOBRE HOMENS
Aconteceu naquele século: raros filmes com protagonistas mulheres Uma leitora avisou sobre este vídeo muito bom que analisa os filmes que ganharam o Oscar nos últimos 50 anos. Só quatro desses 50, ou 8%, têm uma protagonista mulher, ou apresentam uma perspectiva feminina. Isso por que vivemos numa sociedade em que histórias de e sobre homens valem mais que de mulheres. Como só 7% das diretoras são mulheres, e há tão poucas produtoras e roteiristas, e quem é visto como público-alvo são os homens (na realidade, meninos), os filmes são pra eles. Na realidade, há dois erros graves na análise – tanto Silêncio dos Inocentes quanto Titanic são contados por mulheres, então o número subiria para 6 dos 50. Em Titanic o casal Rose e Jack talvez seja igualmente importante, mas é Rose que sobrevive e quem narra a história em flashback. De Silêncio falarei num outro post, que este já tá longo demais. Claro que um filme centrado numa mulher não faz dele bom e nem ao menos feminista (ver comédias românticas, tipo: todas). Um filme centrado num homem não faz dele ruim ou machista. Masmo que um filme seja machista (como Era uma Vez na América, só pra citar o primeiro que me vem à mente) isso não significa que seja ruim, certo? Lawrence da Arábia é uma obra-prima, apesar de não ter uma só personagem feminina com falas. Mas é muito estranho que tão poucos filmes tragam uma perspectiva feminina. Dos dez filmes que concorreram ao Oscar este ano, seis têm uma perspectiva masculina (Discurso do Rei, Rede Social, A Origem, 127 Horas, Toy Story 3, O Vencedor), um tem perspectivas múltiplas, de família (Minhas Mães e Meu Pai), e três têm perspectiva feminina: Cisne Negro, Inverno da Alma e Bravura Indômita. Sobre os dois primeiros não resta dúvida, certo? Cisne e Inverno trazem protagonistas mulheres, e a história flui pelo ponto de vista delas (aliás, morri de rir esses dias quando vi um blog masculinista tratar de Cisne como se fosse um documentário da perversa e psicótica mente feminina!). Bravura é um pouco mais discutível, mas a personagem da Hailee é quem impulsiona a trama, quem a conta, e quem aparece na maior parte das cenas. Pra mim, ela é a protagonista (e por isso achei tão condenável que sua intérprete tenha sido indicada pra categoria de coadjuvante). Perguntas que a autora do vídeo sugere para perceber se o filme é o ponto de vista de um homem ou de uma mulher: quem tem mais tempo na tela? De quem é a perspectiva da cena que vemos? A história se centra em qual personagem? Quem nós vemos tomar decisões? Com quem mais nos identificamos? Essa última pergunta eu acho um pouco mais complicada, porque isso é recepção. Eu posso me identificar com, sei lá, o cozinheiro de O Iluminado, e nem por isso ele vira o protagonista da trama, né? Há uma estatística que eu considero de grande relevância e nunca me canso de repeti-la: são apenas três os filmes na história do Oscar que ganharam as cinco principais categorias (melhor filme, diretor, roteiro, ator e atriz). Silêncio dos Inocentes foi o mais recente, em 1991. Os outros foram Aconteceu Naquela Noite (1934) e Um Estranho no Ninho (1975). Em Aconteceu realmente há um equilíbrio entre os personagens de Claudette Colbert e o de Clark Gable. Mas em Estranho o filme é inteirinho do Jack Nicholson, e a terrível enfermeira-chefe (Louise Fletcher) aparece pouco. Ela se destaca por ser uma vilã memorável, apesar de ser praticamente uma coadjuvante (e Louise teve a sorte de concorrer num ano fraquérrimo na categoria de melhor atriz, em que você olha a lista e quase pergunta: quem são essas pessoas?). Mas e aí, por que é tão raro um filme conquistar os cinco grandes prêmios do Oscar? Obviamente que é por causa da ausência de papéis femininos marcantes. Uma produção ganhar melhor filme, diretor, roteiro e ator não é tão incomum - taí O Discurso do Rei pra não me deixar mentir. Não que seja fácil levar esses quatro prêmios principais: Ben-Hur ganhou 11 Oscars, mas perdeu o de roteiro; Titanic levou quase tudo em 97, mas Kate Winslet perdeu, e Leonardo Di Caprio sequer foi indicado. No entanto, Sindicato de Ladrões (54), Gandhi (82), Amadeus (84), e Forrest Gump (94) são alguns exemplos de filmes que ganharam filme, diretor, roteiro e ator. Nenhum deles têm um papel feminino à altura do protagonista homem. A situação não parece estar melhorando. Vamos fazer uma comparação com a década de 80. Em 81 (cito o ano em que o filme concorreu ao Oscar, não em que ele foi lançado) ganhou Gente como a Gente, que talvez tenha uma perspectiva das três pessoas da família (embora eu nunca entendi por que o Timothy Hutton, que é quem aparece mais, levou o Oscar de coadjuvante). Em 82, Carruagens de Fogo. 83, Gandhi. Ambos têm perspectivas masculinas. Em 84, Laços de Ternura, que têm não uma, mas duas protagonistas mulheres (e eu precisaria forçar a memória pra me lembrar se algum outro filme em 84 anos de Academia repetiu essa façanha. Claro, temos filmes com duas protagonistas mulheres - Thelma e Louise, por exemplo. Eles só não ganham Oscar). Em 85, Amadeus. Em 86, Entre Dois Amores, que só vi uma vez e não me lembro nada, mas a perspectiva é feminina. Em 87, Platoon. Filme de guerra, já viu, né? Só homem (por isso Bastardos Inglórios é tão inovador). Em 88, O Último Imperador. Em 89, Rain Man (com dois protagonistas homens). Em 90, Conduzindo Miss Daisy, que tem a perspectiva de um homem e uma mulher. Ou seja, balanço da década de 80: seis filmes com perspectiva masculina, dois com feminina, e dois mais variados.
Na década de 90 tivemos Dança com Lobos, bem masculino (apesar de uma personagem feminina ser forte e importante). Em 92, Silêncio. Pra mim, totalmente feminino, como explicarei num outro post. Em 93, Imperdoáveis. Em 94, Lista de Schindler. Em 95, Forest Gump. Em 96, Coração Valente. Em 97, O Paciente Inglês (que deve ser o filme que menos me lembro das últimas três décadas). Todos trazem perspectivas masculinas. Em 98, Titanic, que é feminino. Em 99, Shakespeare Apaixonado, em que o foco tá no grande dramaturgo, não na sua musa. E em 2000, Beleza Americana, que, embora traga excelentes interpretações de todo mundo, principalmente da Annette Bening, é conduzido por Lester Burnham (Kevin Spacey). Já falei que o nome é um anagrama de Humbert (protagonista de Lolita) Learns? Ok, dos dez premiados na década de 90, nada menos que oito são sobre homens. E na primeira década do século 21? Começamos com Gladiador, vamos pra Uma Mente Brilhante. Chicago (03) é sobre mulheres, Senhor dos Anéis sobre elfos. Em 05, Menina de Ouro tem a perspectiva do Clint Eastwood e da Hillary Swank. Crash, no ano seguinte, tem um montão de personagens. E os cinco últimos filmes têm poucos papéis femininos: Infiltrados, Onde os Fracos Não Têm Vez, Quem Quer Ser um Milionário, e Guerra ao Terror (Discurso do Rei já entra numa nova década). Ou seja, estamos próximos à década de 90: dos dez, sete são masculinos. E a gente pode continuar por outras décadas, desde o início do Oscar, em 1927, que não muda nada. Nem numa década de liberação sexual como a dos 70 foi diferente. E claro que se a gente pegar os filmes de outros países, os resultados serão parecidíssimos. Já passamos do primeiro século da invenção do cinema, e a sétima arte (alguém ainda fala assim?) continua sendo predominantemente masculina. E, lógico, e hétero. E branca.
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