Crise da mídia e a festa imodesta
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Crise da mídia e a festa imodesta


Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:

Quando a imprensa brasileira fala de si mesma, o leitor pode ter duas certezas: uma delas é que será uma notícia otimista; a outra é que, se não for otimista, a notícia vai destacar o aspecto menos negativo do assunto. Por exemplo, na edição de quarta-feira (26/2) a Folha de S. Paulo comemora uma mudança nas regras do Instituto Verificador de Circulação para o cálculo da audiência de jornais na internet, que coloca a própria Folha como líder entre seus concorrentes. Por outro lado, o Estado de S. Paulo destaca uma pesquisa do Instituto Ipsos segundo a qual os usuários da internet preferem sites de jornais para buscar informação.

Nos dois casos, os textos estão dourando uma pílula amarga, com um verniz de otimismo que não consegue esconder o fato de que o público efetivo dos jornais continua em queda.

Pode-se mesmo afirmar que, analisando-se os dados sobre fontes de informação na internet, a periodicidade da leitura dos jornais em sua versão digital deixou de ser diária, e o que está acontecendo de fato é que eles passaram a ocupar o espaço aberto com a diminuição da busca por revistas semanais.

Aliás, o comportamento típico dos cidadãos que acessam constantemente a rede não indica boas perspectivas para o sistema tradicional de coleta e seleção de notícias: sua principal atividade é a comunicação interpessoal, seguida do entretenimento e, apenas como terceira prioridade, o acesso a informação.

Deve-se considerar, ainda, que embora faltem dados precisos sobre o tipo de conteúdo que atrai mais os usuários, é provável que o mais comum seja a busca de informação utilitária, ofertada por um grande número de aplicativos que não têm nenhuma relação com o que se convenciona como veículo jornalístico.

Quando se fala em audiência ou escolhas do público, deve-se pensar na preferência pelo uso do tempo. O que está em disputa é a decisão imediata do usuário diante de uma necessidade ou desejo – e, na maioria dos casos, a configuração dos sites da imprensa não facilita essa tarefa.

Não é nada, nada mesmo

O crescimento do uso de aparelhos móveis, destacado na reportagem do Estado sobre a pesquisa Ipsos, é um fator negativo para a mídia tradicional, porque amplia a oferta de alternativas para o usuário, que, em trânsito, prioriza a rapidez do acesso e da obtenção do dado que procura. A chamada informação utilitária, como a programação de cinemas, listas de restaurantes ou as condições do tráfego, é acessada mais facilmente por meio de aplicativos que são oferecidos por variadas fontes.

Para competir em melhores condições pelo tempo do público, a imprensa teria que trabalhar no longo prazo pela valorização do produto jornalístico, de modo que ele se tornasse uma das prioridades do usuário. Isso exigiria a oferta de conteúdos mais instigantes, capazes de atiçar a curiosidade e surpreender o leitor, mas o que se vê é exatamente o contrário: a chamada mídia tradicional investe cada vez mais em informação utilitária, e transformou o campo mais nobre do jornalismo em espaço de militância política.

Quanto às novas regras do IVC, comemoradas pela Folha, elas passam a considerar a edição digital como objeto de até 50% da circulação total de um jornal: como a Folha possui o site com maior audiência, e cobra pelo acesso, passa a ser considerado o diário com maior número de leitores.

O instituto que contabiliza a circulação dos jornais no Brasil aumentou, de 70% para 85% do preço de capa, o desconto máximo permitido para o cálculo de valor das assinaturas digitais – assim, os planos de menor valor também passam a ser considerados na conta da audiência, e um leitor que paga por um acesso restrito passa a ser contabilizado na circulação total.

Mas o contexto ainda é o da queda na circulação geral. O número de leitores da mídia tradicional é hoje uma fração do público de vinte anos atrás, quando a própria Folha alardeava uma distribuição diária de mais de 1 milhão de exemplares.

Agora, junte-se uma notícia com a outra e teremos o seguinte: numa delas, informa-se que o jornal mais lido do Brasil tem 332.354 leitores, como média diária de circulação, somadas as versões digital e de papel; na outra, anuncia-se que 68% das pessoas que acessam a internet pelo menos uma vez por semana preferem visitar sites de jornais.

Não é nada, não é nada, não é nada mesmo.




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