Geral
O autoengano da imprensa
Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
A Folha de S. Paulo e o Globo comemoram discretamente, nas edições de sexta-feira (8/2), os números do americano The New York Times no balanço de 2012. Com pouca variação, os dois diários brasileiros anunciam que o jornal americano, ainda uma das principais referências de qualidade da imprensa mundial, viu a receita de circulação superar os ganhos com publicidade. Os indicadores se referem ao grupo New York Times Company, que inclui outros títulos, como The Boston Globe e International Herald Tribune.
De fato, o balanço da empresa impressiona: o lucro cresceu 200% no quarto trimestre do ano passado em relação ao mesmo período de 2011, conforme destaca o Globo, alcançando no ano o total de US$ 133 milhões. Também é verdade o que diz a Folha – que pela primeira vez, em um ano fechado, a receita do grupo com a venda de jornais nas mídias impressa ou digital foi superior ao ganho obtido com publicidade. No entanto, é preciso ler todo o conteúdo e buscar outras informações no próprio New York Times e em sites especializados em mídia para entender alguns detalhes.
É preciso considerar, por exemplo, que o aumento do lucro no último trimestre de 2012 se deve em grande parte à venda de ativos e a uma sequência de cortes nos custos de operação. Em setembro, a empresa vendeu o site About.com, especializado em informações utilitárias, por US$ 300 milhões, e o portal de empregos Indeed.com, por US$ 100 milhões. Portanto, o lucro da empresa no ano não é propriamente resultado de melhor desempenho do negócio jornal, como dão a entender a Folha e o Globo.
Por outro lado, a receita de circulação superou a de publicidade em 2012 simplesmente porque o faturamento com anúncios caiu 5,9%. Ao mesmo tempo, a companhia aumentou os preços de suas assinaturas de papel e investiu numa campanha de assinaturas digitais pelo sistema que oferece acesso gratuito a um número limitado de reportagens no computador e em aparelhos móveis. Além disso, fez um esforço para melhorar sua presença no mercado global, ampliando, por exemplo, a oferta de conteúdos em mandarim e criando condições para crescer na China.
Não é, portanto, um modelo que possa ser copiado pela imprensa brasileira.
O predomínio da imagem
Os números do New York Times são, de fato, otimistas, mas estão longe de significar uma interrupção no processo de desvalorização das marcas tradicionais de mídia. A questão é muito mais complexa do que pode mostrar o balanço positivo de uma empresa que é referência mundial em qualidade jornalística.
E não se trata apenas de encontrar um modelo de negócio adequado para produzir resultados diante do avanço das mídias digitais e da redução do número de pessoas interessadas em ler jornais de papel. A questão envolve também uma mudança crucial nos hábitos da sociedade.
Uma dessas mudanças é uma nova forma de leitura, que mescla imagens com o alfabeto: os mais jovens conseguem entender conteúdos mais rapidamente e de maneira mais completa por meio de vídeos associados a textos curtos, e só buscam a leitura em assuntos que exigem mais raciocínio. O texto passa a ser valorizado a partir desse novo nível de interesse, despertado inicialmente pela imagem.
Portanto, quanto mais ligeiro e superficial for o texto jornalístico, menor seu valor para esse novo público – o que nos coloca diante da constatação de que o processo de aligeirar a narrativa jornalística, ocorrido nas últimas décadas, começa a se revelar nocivo para a imprensa tradicional.
Um estudo divulgado nesta semana pelo Instituto Video Metrix, ligado ao grupo ComScore.com, revela ocrescimento da preferência do público por vídeos online em todo o mundo. No Brasil, chega a 43 milhões o número de espectadores únicos. São pessoas que preferem assistir a um vídeo sobre os assuntos que lhes interessam e que, por isso, tendem a dedicar menos tempo à leitura de notícias no formato tradicional.
As principais fontes desse conteúdo são organizações globais, como Google, Facebook e Yahoo. Entre as empresas brasileiras com mais audiência está o Globo.com.
Essa é apenas uma das mudanças em curso, e não há estudos conclusivos sobre o desenvolvimento futuro dos hábitos do público. Como sempre, a disputa é pelo tempo do consumidor.
Com a imensa oferta disponível nos meios digitais, os jornais precisam convencer o antigo leitor de que seus conteúdos são relevantes, colocá-los diante dos olhos do público, aprender a formatar a informação da maneira mais atraente possível e conduzir o olhar da imagem para o texto.
Comemorar os números do New York Times sem considerar essa complexidade é apenas autoengano.
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