CRISES, GRANDES OPORTUNIDADES DE NEGÓCIOS
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CRISES, GRANDES OPORTUNIDADES DE NEGÓCIOS


O capitalismo não está funcionando. Um outro mundo é possível

O documentário A Doutrina do Choque, baseado no livro de Naomi Klein, tem seus probleminhas de ritmo, mas o conteúdo é interessantíssimo e me mostrou vários pontos que eu desconhecia (dá pra vê-lo inteirinho aqui). Ele começa fazendo uma associação entre choques elétricos testados nos anos 1950 para tratar pacientes (técnicas que foram logo incorporadas pela CIA), e a doutrina de um dos maiores pensadores do capitalismo, Milton Friedman (vencedor do prêmio Nobel de Economia em 76, e saudado por Bush no aniversário de 90 anos do economista). Friedman estava convicto que uma terapia de choque econômico seria mais aceita pela sociedade para implantar o capitalismo sem nenhuma regulamentação. Ele havia se oposto ao New Deal de Roosevelt na década de 30, um plano que permitiu o mínimo de sobreviência à população pobre durante a Depressão, oferecendo empregos no setor público e uma rede de seguridade social. Logo após a Segunda Guerra, a Europa abraçou a causa da proteção social. Friedman também vociferou contra isso, pois achava radical. O que ele defendia era que qualquer intervenção governamental era maléfica, e que a economia saberia controlar-se a si própria. Nos anos 50 essas ideias eram vistas como coisa de maluco. Governo deixar de providenciar serviços à população? Não intervir na economia? Não dar nenhum tipo de alento à população menos favorecida? Pois é. Só que três décadas mais tarde essa visão virou a predominante.
A primeira chance que Friedman teve para testar seu modelo foi no Chile. No 11 de Setembro alternativo, mas igualmente trágico, o de 1973, um golpe militar orquestrado e patrocinado pelos EUA derrubou o presidente eleito, o socialista Allende, e colocou o general Pinochet no poder. Em questão de dias, 13 mil opositores ao regime foram presos, a maior parte mantida dentro do Estádio Nacional. Após pressões internacionais, Pinochet desocupou o estádio. Pouco depois, a FIFA deixou que jogos de classificação para a Copa do Mundo ocorressem em Santiago ― no mesmo Estádio Nacional que havia sido palco de torturas e mortes um mês antes! A União Soviética, que devia disputar uma partida contra o Chile, recusou-se a ir. A partida foi jogada, com a equipe chilena chutando sozinha contra o gol vazio do outro lado! O Chile se classificou para a Copa.
Friedman e os Chicago Boys investiram pesado no país sul-americano. Muitos estudantes chilenos receberam bolsas para ir para a Universidade de Chicago aprender a doutrina liberal. Qualquer sugestão de estatizar alguma empresa foi rapidamente ceifada. O primeiro ano deste choque de capitalismo no Chile foi uma explosão de desemprego, um alto custo social para os pobres, e uma inflação de 375% ao ano, a maior do mundo no período.
Durante os 17 anos em que Pinochet foi ditador, Friedman (e os EUA) esteve ao seu lado. Mas isso não impediu que os Chicago Boys colaborassem ativamente com outros governos militares, como o do Uruguai e o do Brasil. Na Argentina, após o golpe de 1976, esses economistas americanos conseguiram postos-chave no governo. Um ano depois, os salários da população perdiam 40% de seu valor. E aí vem outro sinal de como futebol é o ópio do povo (veja Pra Frente Brasil): em 1978, a Argentina sediou a Copa do Mundo. A final ocorreu num estádio a poucos quilômetros de onde boa parte dos presos políticos eram torturados e mortos sob as ordens do ditador Videla. Essa foi a ditadura em que quinhentos bebês de desaparecidas foram adotados por militares e simpatizantes do regime (Videla foi derrubado pelas Mães da Praça de Maio e mais tarde condenado à prisão perpétua. Enquanto isso, outros países ainda não conseguiram enfrentar seus fantasmas e punir militares).
Em seus discursos, Friedman gostava de dizer que capitalismo e liberdade andavam de mãos dadas, que o capitalismo era uma luta contra a tirania. Este ainda é o discurso oficial.
A grande vitória de Friedman veio nos anos 80, quando dois países ricos finalmente passaram a seguir sua doutrina com afinco. Margaret Thatcher, no Reino Unido, e Ronald Reagan, nos EUA, cortaram gastos do governo, reduziram impostos e a propriedade estatal, e impediram a regulamentação da indústria. No primeiro ano de governo de Thatcher, o desemprego dobrou em alguns setores da economia, e houve muitas greves, a mais famosa a dos mineiros, que durou um ano (através da força policial, a dama de ferro derrotou o sindicato, e aproveitou para privatizar tudo). Naomi Klein diz que a impopularidade de Thatcher parecia provar que a doutrina liberal era detestada demais para ser implantada num país que dependesse de aprovação popular, tipo uma democracia. O que salvou Thatcher foi uma crise, a guerra. Embora a maior parte dos britânicos nunca tivesse ouvido falar nas Ilhas Falkland, Thatcher promoveu uma guerra lá nas Malvinas contra a Argentina, em 1982. Durou apenas três meses, mas gerou uma onda de patriotismo, o que fez com que a dama de ferro ganhasse a reeleição em 83.
Antes de Thatcher, um CEO (alto executivo) na Inglaterra recebia dez vezes mais que um trabalhador médio. Em 2007, ganhava cem vezes mais. Nos EUA pré-Reagan, um CEO ganhava 43 vezes mais que um trabalhador. Em 2005, já ganhava 400 vezes mais. Ou seja, é óbvio que o sistema funciona. Não pra todos, mas aí já é querer demais.
Quando o capitalismo chegou à Rússia, em 91, empresas estatais foram vendidas por uma pechincha, e pequenos grupos começaram a prosperar. Um terço dos russos caiu para abaixo da linha da miséria. A corrupção e a máfia tomaram conta do país. Com Yeltsin, que dissolveu o Parlamento ― com o total apoio do Ocidente ―, o número de pobres na Rússia explodiu, mas nenhum outro país no mundo teve tantos novos milionários. É uma compensação, né?
Com um inimigo de tantas décadas derrotado, era essencial que aparecesse um novo. Este novo inimigo surgiu em 2001, com o outro 11 de Setembro. Agora lutávamos contra um eixo do mal pouco especificado, sempre pronto para acolher novos inimigos na sua indefinição. Os conflitos que se seguiram foram vendidos como um choque entre civilizações, uma guerra contra o terror. Guerra esta que virou mais uma grande chance de negócios. A guerra no Iraque é a mais privatizada da história moderna. Em 2007 havia mais terceirizados que soldados, o que contraria até o que Friedman pensava (ele achava que as Forças Armadas não deveriam ser privatizadas).
A despedida de Friedman, em 2006, foi dizer que Nova Orleans depois do Katrina era uma terra de oportunidades. Poderia-se, por exemplo, privatizar toda a rede de ensino, então completamente destruída. Negócio imperdível!
Klein fala que o capitalismo é melhor implantado logo após um desastre (natural ou causado), quando as pessoas ainda estão anestesiadas pelo choque. No Sri Lanka, depois do tsunami, muitos habitantes foram impedidos de voltar as suas terras, que logo seriam vendidas para empreendores multimilionários que as transtormariam em hotéis de luxo.
Em setembro de 2008, como todos sabemos, o mercado implodiu, na mais grave crise desde o Crash de 1929. Nenhuma das duas quebras foi obra de comunistas. Pelo contrário, a crise é um resultado direto da política de privatização e da falta de regulamentação. Para tentar atenuá-la, dinheiro foi transferido do governo, dos impostos, para as empresas e os indivíduos que causaram a crise. Mas o documentário é otimista e diz que, da última vez em que o mundo se viu diante de uma crise tão grave, tivemos o New Deal e políticas keynesianas de seguridade social. Quem sabe aconteça de novo?
Eu adoraria ser tão otimista, mas acho que, se tem uma coisa que o capitalismo conseguiu fazer bem, foi vender pra maioria das pessoas a ideia de que este é o único modelo possível.




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