Por Altamiro Borges
Os neoliberais do mundo inteiro estão de luto. A morte da “dama de ferro” Margaret Thatcher entristeceu a burguesia rentista e privatista do planeta. Também baqueou os viúvos de sanguinárias ditaduras – como os filhotes de Pinochet no Chile. A mídia do capital, que tanto bajulou a ex-governante, evita destacar seu legado destrutivo e regressivo. Em editorial ontem, a Folha endeusou a mulher que “mudou a face da política com o ideário de crenças liberais que se tornaria lugar-comum dentro e fora do Reino Unido”.
Na ótica do jornalão da famíglia Frias, que sempre defendeu os interesses da minoria parasitária e satanizou as lutas dos trabalhadores, Margaret Thatcher resume “a crença no trabalho duro, na responsabilidade e na liberdade individuais. Poucas pessoas terão feito tanto para propagar, na década de 1980, esse núcleo duro de ideias liberais. O presidente americano Ronald Reagan (1911-2004), talvez, mas com menos brilho. Thatcher foi dessas figuras políticas raras que encarnam até a medula uma ideologia”.
A Folha, que expressa as ideias de tantos neoliberais assumidos ou enrustidos, sente saudade da sua “plataforma radical”, com “venda de empresas nacionalizadas (a palavra ‘privatização’ só entrou em voga com seu governo), cortes drásticos de despesas estatais, controle rígido da inflação”. Também elogia a sua postura fascista diante dos trabalhadores, ao “por de joelhos os sindicatos de mineiros em 1984/85, após 51 semanas de greve”. Apesar de admitir que ela deixou o poder “humilhada” - o que lembra o rejeitado FHC, outro ídolo da Folha -, o jornal canoniza a “dama de ferro”.
O editorial confirma que o neoliberalismo está hoje mais fragilizado – levou ao colapso os países europeus e foi rechaçado pelos povos da América Latina. Mas não está morto. Os que choram pela morte de Margaret Thatcher não desistiram do “ideário de crenças liberais”. Neste sentido, vale reproduzir artigo de Vladimir Safatle, também publicado na Folha, mas que se opõe à visão dogmática do jornalão:
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Canonizando Margaret
"Não existe esse negócio de sociedade. Existem apenas homens e mulheres individuais, e há famílias." Foi com essa filosofia bizarra que Margaret Thatcher conseguiu transformar o Reino Unido em um dos mais brutais laboratórios do neoliberalismo.
Com uma visão que transformara em inimigo toda instituição de luta por direitos sociais globais, como sindicatos, Thatcher impôs a seu país uma política de desregulamentação do mercado de trabalho, de privatização e de sucateamento de serviços públicos, que seus seguidores ainda sonham em aplicar ao resto do mundo.
De nada adianta lembrar que o Reino Unido é, atualmente, um país com economia menor do que a da França e foi, durante um tempo, detentor de um PIB menor que o brasileiro. Muito menos lembrar que os pilares de sua política nunca foram questionados por seus sucessores, produzindo, ao final, um país sacudido por motins populares, parceiro dos piores delírios belicistas norte-americanos, com economia completamente financeirizada, trens privatizados que descarrilam e universidades com preços proibitivos.
Os defensores de Thatcher dirão que foi uma mulher "corajosa" e, como afirmou David Cameron, teria salvo o Reino Unido (Deus sabe exatamente do quê). É sempre bom lembrar, no entanto, que não é exatamente difícil mostrar coragem quando se escolhe como inimigo os setores mais vulneráveis da sociedade e quando "salvar" um país equivale, entre outras coisas, a fechar 165 minas.
Contudo, em um mundo que gostava de se ver como "pós-ideológico", Thatcher tinha, ao menos, o mérito de não esconder como sua ideologia moldava suas ações.
A mesma mulher que chamou Nelson Mandela de "terrorista" visitou Augusto Pinochet quando ele estava preso na Inglaterra, por ver no ditador chileno um "amigo" que estivera ao seu lado na Guerra das Malvinas e um defensor do "livre-mercado".
Depois do colapso do neoliberalismo em 2008, ninguém nunca ouviu uma simples autocrítica sua a respeito da crise que destroçou a economia de seu país, toda ela inspirada em ideias que ela colocou em circulação. O que não é estranho para alguém que, cinco anos depois de assumir o governo do Reino Unido, produziu o declínio da produção industrial, o fim de fato do salário mínimo, dois anos de recessão e o pior índice de desemprego da história britânica desde o fim da Segunda Guerra (11,9%, em abril de 1984). Nesse caso, também sem a mínima autocrítica.
Thatcher gostava de dizer que governar um país era como aplicar as regras do bom governo de sua "home". Bem, se alguém governasse minha casa dessa forma, não duraria muito.
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