Ao assistir a Além da Linha Vermelha, minha maior preocupação foi: será que vou perder a Páscoa? O filme é interminável, tem quase três horas de duração e dá a impressão de que não vai acabar nunca. Geralmente, não gosto de sair no meio de uma sessão, mas devo confessar que, desta vez, fiquei tentada. Resisti bravamente.
Este foi um dos três concorrentes ao Oscar que fala sobre a Segunda Guerra. Sua comparação direta é com O Resgate do Soldado Ryan, que é melhor. Pelo menos, na saga de Spielberg, os trinta primeiros minutos se salvam.
Fica difícil contar a história de Além da Linha Vermelha porque, simplesmente, não há história. Há pretensões, e de monte. O filme quer ser um estudo metafísico sobre guerras, mas tudo que consegue é fazer o público recordar-se de exemplares mais bem-feitos do gênero. Por exemplo, traz citações de Glória Feita de Sangue, de Kubrick, com oficiais superiores comandando missões suicidas sem preocuparem-se com os soldados que morrerão.
E também lembra Apocalypse Now, de Coppola. Afinal, Linha Vermelha está cheio de jornadas interiores. Vários guerreiros se dedicam a compartilhar seus pensamentos filosóficos conosco, pobres espectadores. Os monólogos são mais ou menos assim: "Irmãos..." (pausa de dois minutos, com paisagens), "...amigos" (mais dois minutos; imagens de passarinhos). Isso quando não começa com "Ó minh'alma!". Os atores que declamam essas frases parecem retardados sob o efeito de calmantes, só que mais lentos. Essas partes são de lascar mas, felizmente, depois da vigésima intervenção, nossa mente alcança o subterfúgio de desligar-se automaticamente. Recomenda-se também controlar os roncos.
Em Apocalypse, o narrador tinha um diário e observações inteligentes. Não é o caso daqui. Não dava pra criar monológos mais interessantes e dinâmicos, a la Trainspotting - Sem Limites? Por que eles falam tão devagar? Por que Linha Vermelha não tem uma hora e meia a menos de duração? Por que todos os soldados têm olhos azuis?
Quando eu já estava pra lá de Marrakesh, o que me trazia de volta à realidade era tentar adivinhar quem era quem no elenco de astros. Parecia uma constelação: Nick Nolte, John Cusack, John Travolta de bigode, Sean Penn, George Clooney, John Savage, Woody Harrelson, Ben Chaplin... Identificar alguns era tarefa árdua, já que, com a falta de história, eles iam e vinham sem nenhum padrão.
Por que fazer um filme? Para entretenimento, como é o caso de 99% da produção atual, ou para forçar a reflexão. Linha Vermelha não se aplica a essas categorias. Então lembrei de uma terceira: para concorrer a um Oscar (não necessariamente ganhar). E sobre um tema nobre, como a guerra, é ainda mais garantido. Ninguém arrisca esbravejar contra um épico histórico cheio de boas intenções. O pessoal se esquece que cinema é cinema. Mesmo que um filme se dedique ao Nobel da Paz, ainda assim é cinema, e deve ser avaliado como tal.
Também há quem aprove Linha Vermelha justamente por ser lento, no parâmetro de "o que é arrastado é bom". Outro ponto "a favor" é que fracassou nas bilheterias, possibilitando o rótulo de "gênio incompreendido". Ora, tem gente que gosta de um filme só por não ser falado em inglês (vide A Vida é Bela: tema + idioma = obra-prima).
Uma bela fotografia e poucas cenas emocionantes de guerra não foram suficientes para que eu me esquecesse do título superapropriado de uma outra produção: Suppose They Gave a War and Nobody Came (imagine que eles fizessem uma guerra e ninguém viesse). Acertaram em cheio. Fizeram e ninguém veio.
Linha Vermelha adquiriu fama apenas por ser dirigido por um cara muito estranho: Terrence Malick. Malick fez o ótimo Terra de Ninguém em 1973, o cartão-postal Cinzas do Paraíso (na linha "a fotografia é o filme"), e logo em seguida sumiu por vinte anos. Virou um recluso. E voltou agora, sem dar entrevistas.
Não sei por que os críticos, quase todos benevolentes com Malick, vêm ocultando certos fatos. Você sabia que The Thin Red Line é um remake de um filme de 1964 com o mesmo nome, baseado no romance do mesmo autor (James Jones)? Eu também não; descobri por acaso.
Uma dica esperta é trocar de cor. Nas locadoras, encontra-se um documentário excepcional chamado The Thin Blue Line (em português, Na Linha da Morte). É de onze anos atrás, vencedor de Oscar no gênero, e bem mais envolvente.