Foi por uma série de acasos que Apocalypse veio a se tornar o que é. Para início de conversa, quem havia sido escalado para dirigi-lo era ninguém menos que George Lucas, que abandonou o projeto para primeiro se dedicar a Loucuras de Verão e, depois, a Guerra nas Estrelas. O roteiro original, escrito em 1969, quando a intervenção dos EUA não era ainda vista como desastrosa, descrevia soldadinhos a la John Wayne, e levava a assinatura de John Milius, direitista de carteirinha. Se quiser ter uma noção do fascismo de Milius, basta assistir a Amanhecer Violento, sobre adolescentes mascadores de chiclete que defendem sua cidade de uma invasão comunista. Pode-se imaginar que Apocalypse teria sido um tanto diferente com Lucas e Milius.
No fundo, sem Francis Coppola, o filme nunca teria sido realizado. Só que Coppola alternava crises de depressão e megalomania e estava a um passo da loucura. É impossível falar de Apocalypse sem abrir um parênteses para o ego de Coppola na época. Em 1975, quando assumiu as rédeas do filme, Coppola era tido como um deus, e não para menos. Acabava de ver duas de suas obras (O Poderoso Chefão II e A Conversação) nomeadas ao Oscar de melhor filme no mesmo ano - fato único na história do prêmio -, e nadava em dinheiro. Ou seja, estava no céu. Por isso que a queda foi tão brusca.
Coppola teve enormes dificuldades para escalar seu ator principal. Robert Redford, Jack Nicholson, Gene Hackman, Al Pacino, Steve McQueen - todos foram sondados e recusaram, já que não queriam passar seis meses na selva. Finalmente, contratou Harvey Keitel, e o despediu logo depois, por razões mal explicadas. Chamou então Martin Sheen para o papel de sua carreira. Sheen se empenhou tanto que, no meio das filmagens, teve um ataque cardíaco. Quase morreu aos 37 anos, o que significaria o caixão também para Apocalypse.
Ah, a história! Um capitão americano no Vietnã é enviado, numa missão secreta, até o Camboja, para liquidar um oficial (de seu próprio exército) que havia enlouquecido e inaugurado uma seita. No caminho, ele presencia uma série de atrocidades.
A cena mais famosa é a que mostra Robert Duvall, no comando de uma tropa de helicópteros que bombardeia uma escola vietnamita, incentivando seus homens a aproveitarem as ondas e surfarem ao som da "Cavalgada das Valquírias", de Richard Wagner. A verdade é que Duvall rouba o filme como o demente que diz "adoro o cheiro de napalm pela manhã", e que nem sequer pisca durante o fogo cruzado. Sua imagem virou a marca registrada de Apocalypse.
O filme foi rodado nas Filipinas, entre tufões que derrubavam cenários e rebeliões armadas, além de muitas drogas. O documentário da esposa de Coppola, Hearts of Darkness - O Apocalipse de um Cineasta, também disponível em vídeo, expõe claramente como os atores e a equipe viviam dopados.
O final de Apocalypse traz Marlon Brando, e é a parte imperfeita deste clássico, por ser confusa e pretensiosa demais. Brando não criou nenhum problema, apesar da obesidade e de não ter lido o livro de Joseph Conrad, Coração das Trevas, no qual o filme é inspirado.
Apocalypse, orçado em US$ 12 milhões, terminou gastando uns 40 mi. Muito desse dinheiro era de Coppola, que ganhou de brinde um colapso nervoso. Se valeu a pena? Digamos apenas que foi a última obra-prima de Coppola - e uma das últimas do cinema.