CRÍTICA: ANTICRISTO / Perturbador, no mau sentido
Geral

CRÍTICA: ANTICRISTO / Perturbador, no mau sentido


O mundo visto de um buraco.

Evitei ao máximo ver Anticristo, o último filme do dinamarquês Lars von Trier, por causa da tão falada cena de mutilação genital feminina. A produção de terror causou polêmica em Cannes há um ano e meio, quando o júri premiou Charlotte Gainsbourg com o prêmio de melhor atriz, mas também deu ao filme o duvidoso título de “a obra mais misógina do auto-declarado maior diretor do mundo”. De lá pra cá, não passa um mês sem que algum leitor me pergunte, “Mas o que você achou de Anticristo?”. Logo, atendendo a pedidos (o que eu não faço pelo blog!), vi o filme em vídeo e cá estou eu pra falar sobre ele.Primeiro, sobre sobre von Trier: ele é misógino? Gosto bastante de todos os filmes que vi dele, principalmente Dogville. Mas digamos assim, o que Ondas do Destino, Dançando no Escuro, Dogville, Manderlay e Anticristo têm em comum? Todos contêm uma personagem feminina que sofre algum tipo de violência. Parece ser uma obsessão do diretor mostrar mulheres sofrendo. Esta é praticamente a marca registrada dele, além da paixão pela polêmica. Auto-proclamar-se maior diretor do mundo nunca alavancou a carreira de ninguém. Dar declarações anti-americanas tampouco ajuda um cineasta no maior mercado de cinema. Matar um jumento de verdade (em Manderlay) só causa a ira de movimentos de defesa dos animais.No entanto, pelo jeito, von Trier sentiu que não conseguia atenção suficiente e por isso fez Anticristo, caprichando nas polêmicas. Olha só quantas: 1) dar entrevistas dizendo que realizou o filme enquanto estava com depressão, 2) incluir cenas de sexo explícito, 3) adicionar cenas de castração masculina e feminina, 4) mostrar pelo menos uns três animais terrivelmente machucados (aparentemente nenhum de verdade desta vez), caso os ativistas tivessem se esquecido. Não por coincidência, sabe quem amou o filme? O John Waters, outro que odeia mulheres e animais.
Por aí já deu pra notar que não gostei do filme e não entendi qual é a do filme. Felizmente, fechei os olhos durante a parte mais famosa, porque quem precisa ver uma gráfica cena de mutilação feminina? Cruz credo. Isso afetaria a minha vida sexual. Mas não tenho nem certeza se Anticristo é misógino. Certamente é sobre misoginia, mas pode-se fazer um filme sobre racismo sem ser racista, certo? Só sei que é perturbador, e não no bom sentido. O filme começa com um prólogo de alguns minutos, com uma fotografia fantástica em preto e branco. Vemos em câmera lenta, sem diálogos, um casal (Willem Dafoe e Charlotte, que não recebem nome no filme, então vou me referir a eles com o nome dos intérpretes) fazendo sexo. Um menininho acorda, passa pelo casal, sobe numa mesa, abre mais a janela, e se joga (e é interessante porque ele se joga mesmo. Não é que ele cai. Pouca gente acredita em suicídio infantil, mas isso existe). A edição dá a entender que Charlotte tem orgasmo no mesmo momento que seu filho morre. Depois de Charlotte passar um mês medicada no hospital, Willem, que é psicólogo, resolve cuidar dela. E para isso ambos vão para uma cabana numa floresta chamada Éden. Entendeu, né? Ele Adão, ela Jane, quer dizer, Eva. Lá ele começa a ter visões com animais. Uma raposa até fala com ele enquanto canibaliza a si própria. Já Charlotte vai piorando a olhos vistos. O lugar também não ajuda: à noite, sementes de uma árvore caem em cima da casa, como se fosse um tiroteio. Charlotte faz sexo pra tentar se livrar da dor (e, se me permite, o sexo deles é muito ruim, sem preliminares nem nada). Willem investiga o que causa mais medo a sua esposa: a natureza, Satanás, ela mesma, ou ele (“me” pode ser ele, já que ele é quem escreve)? Só deus sabe. Ou von Trier, e ele não vai falar. O negócio vai piorando, piorando, até chegar ao final, em que ambos se machucam de todas as formas físicas. Aliás, chega uma hora em que tudo fica tão exagerado que eu quase comecei a rir. Acho que é quando Willem se esconde no tronco da árvore. Isso me lembrou uma cena de Titus Andronicus, a peça de Shakespeare que peca pelo excesso, em que um dos irmãos cai num buraco, e o outro vai ajudá-lo e cai também.Melhor avisar que vai haver alguns spoilers por aqui. Não reclame! Você teve um ano e meio pra ver Anticristo! Então, antes do caos total, Willem descobre duas evidências sinistras. Uma é que os pés do filho estavam deformados. Ao observar fotografias antigas, ele vê que que o menino sempre estava com os sapatos trocados de pé. Um breve flashback exibe Charlotte calçando o guri (e toda essa explicação é a minha parte favorita do filme). Outra evidência é a tese de doutorado de Charlotte. Ela já havia passado um verão na cabana com o filho, tentando terminar a tese. Willem encontra um caderno de anotações da mulher, em que a letra fica cada vez pior, até tornar-se ininteligível (sempre gosto desses cadernos em que a letra muda, revelando o estado de espírito do personagem, embora seja meio clichê).Nisso Anticristo lembra bastante O Iluminado. Ambos tratam de cabin fever, essa condição em que pessoas isoladas perdem a razão. Ambos são fimes de terror, embora um cause medo, e o outro, apenas repulsa. Em ambos temos uma criança em perigo, um cônjuge que vai se assustar pra valer, e um outro completamente tantã. Mas e aí, o que essas evidências provam? Que Charlotte já era pancada antes da morte do filho? “Você sempre foi o zelador”, que nem no Iluminado? Que é ela a anticristo? Que ela colaborou na morte do garoto?
Tem um momento no final em que o prólogo é mostrado de novo, e vemos que Charlotte vê seu filho passando, antes de se jogar pra morte. Ela poderia ter interrompido o sexo com o marido e ido atrás do menino. Mas essa cena não tem que necessariamente representar a realidade. Pode ser uma viagem da cabeça dela, uma parte de sua culpa. O problema é que há elementos mais factuais (deformações nos pés, caderno incompreensível) provando que Charlotte já era cheia de problemas. Isso corrobora a interpretação que ela viu seu filho sim.Mas se a gente precisa de uma prova definitiva de que a mulher perdeu totalmente o juízo (apesar de ser seu marido que bate papo com raposas), esta tem que ser a conclusão a que ela chega após estudar ginocídio (genocídio de mulheres, ou femicídio). Imagina você escrever uma tese sobre misoginia e aí, no meio da pesquisa, concluir que a culpa toda é das vítimas, que são demoníacas. Caso de internação, né? Pra mim é esse o instante mais machista da história: a mulher faz uma pesquisa de doutorado sobre misoginia e seu marido é que tem de explicar-lhe que as “bruxas” executadas na Idade Média não foram queimadas por serem bruxas de verdade, mas simplesmente por serem mulheres. Quero dizer, não soa nem um pouquinho ofensivo pra você? O marido arrogante e sabe-tudo tem mais conhecimento sobre ginocídio do que sua esposa que estuda o assunto?
A interpretação de Charlotte é que, se a natureza humana é ruim, a feminina é pior ainda, digna de ser castigada. E fica a impressão que Charlotte é punida (primeiro por ela mesma, com a mutilação genital, depois pelo seu homem, que termina o serviço) por seu desejo sexual. Sem dúvida essa é uma mensagem estupidamente misógina. Pra mulheres que gostam de sexo, só há uma solução: tortura seguida de morte. Pra piorar, depois de uma tradicional queima na fogueira, surgem mulheres sem rosto pra rodear Willem. Quem são elas? Espíritos de vítimas de ginocídio, agora liberados, após serem salvas pelo patriarca, que matou a anticristo? Ou fantasmas malignos? Isso importa? Acho que não. O que importa mais que qualquer simbologia são as imagens horríveis (eu fechei os olhos pra não ver um clitóris sendo cortado, mas não a tempo de deixar de ver um pênis ejaculando sangue), que grudam na mente do público. Não entendi o propósito dessas imagens. E também não compro o conceito do “o artista é um gênio; quem não compreendeu é que é burro”. Desta vez von Trier pareceu-me muito mais misógino que genial.




- 'ninfomaníaca', De Lars Von Trier, O Filmes Que Discutem A Sexualidade Das Mulheres, Assista O Filme
Enquanto a neve cai lá fora, uma bela mulher em convalescença senta-se à cama e conta a seu anfitrião histórias sobre sexo. Suas histórias. Assim, como uma perversão de As mil e uma noites, começa um dos filmes mais esperados do ano, Ninfomaníaca,...

- CrÍtica: Melancolia / Merecemos Ser Exterminados
Um casamento com muitos vampiros. Quantos? Quais? Resposta no fim. Nos primeiros minutos de Melancolia, em que as imagens, apesar de parecerem lindas molduras, não se mexiam, olhei pro maridão, vi que ele já estava cochilando, e comentei: “Tenho...

- Sabe Aquele Filme Que...?
“A cena mais horrível de todas é de um filme que vi há muito tempo, não lembro o nome, só recordo que eram três filmes num só... a primeira história era bem boba, com um índio de madeira que criava vida, a segunda mostrava um sujeito que enfrentava...

- CrÍtica: Manderlay / Von Trier 2 A Zero
Você se lembra de “Dogville”? Eu não poderia esquecer, menos por conta do filme (ótimo, por sinal) que por causa da reação hostil do público joinvilense, que só faltou jogar copo de refri na tela. “Dogville” foi a primeira parte da trilogia...

- Os Infortúnios Da Melancolia
Luiz Felipe Pondé, Folha de SP Marquês de Sade (século 18) escreveu, entre outras obras, "Justine ou os Infortúnios da Virtude", sempre vista como uma obra erótica ou de crítica política. Mas ela é mais do que isso. Se Sade fosse apenas um escritor...



Geral








.