CRÍTICA: MELANCOLIA / Merecemos ser exterminados
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CRÍTICA: MELANCOLIA / Merecemos ser exterminados


Um casamento com muitos vampiros. Quantos? Quais? Resposta no fim.

Nos primeiros minutos de Melancolia, em que as imagens, apesar de parecerem lindas molduras, não se mexiam, olhei pro maridão, vi que ele já estava cochilando, e comentei: “Tenho esperança que o filme comece um dia”. Sou um pouco impaciente quando o início demora. Mas essas imagens eram deslumbrantes e logo me rendi a elas. Pior: elas eram assustadoras, fantasmagóricas, porque dava pra ver que tinha algo se mexendo. E tinha mesmo. Elas foram filmadas em super câmera lenta, devagar quase parado. A cena que vai habitar meus pesadelos pra todo o sempre -– e que também é uma descrição exata do que é a depressão –- é a de uma noiva tentando andar pra frente, atada por plantas nos pés. Depois de ver dez minutos de imagens dessas, já sabemos que estamos num universo alternativo, a anos luz do cinema americano, onde a edição é rápida, picotada, e tudo tem explicação. Pois é, estamos no mundo do Lars von Trier (vou sempre me lembrar de uma das recepções mais hostis que vi a um filme, no caso, aos cenários de Dogville numa sessão em Joinville. O público não se conformou que só havia linhas no chão pra representar casas). Von Trier é original, ousado, e eu gosto dele, embora eu tenha odiado Anticristo, e o diretor tenha uma queda pela misoginia e pela crueldade com animais. E pela polêmica exibicionista em entrevistas pra imprensa. Desta vez, no festival de Cannes, Von Trier meio que se revelou simpatizante nazista. Ou algo do gênero. Ele é muito tosco no seu trato com jornalistas. Cannes teve que dizer que não tem nada a ver com ele.Mas falemos de Melancolia. Cada vez que penso no filme, e não vou deixar de pensar nele tão cedo, mais ele me fascina. O clima é paradão (apesar da câmera frenética na mão), mas é angustiante, prende, sufoca. É dividido em duas partes: uma em que Justine (Kirsten Dunst, talvez no melhor papel de sua carreira, aparentando ter bem mais que seus míseros 30 anos) se casa, e outra em que ela se isola na mansão da irmã, Claire (Charlotte Gainsbourg, que já passou por lençóis piores em Anticristo). Permeando tudo há um desastre iminente: um planeta, Melancolia, está numa dança macabra com a Terra, ameaçando se chocar contra nós. Os astrônomos, como o marido milionário de Claire (Kiefer Sutherland, que eu nunca havia notado que tinha uma voz tão sedutora), asseguram que tá tudo bem. Mas as imagens iniciais do filme mostram nosso planetinha azul se espatifando. E aí, em quem acreditar? A primeira parte é longa demais. Eu já entenderia que Justine tá com uma depressão acachapante se o filme tivesse meia hora a menos. Se bem que compreendo que quem já tenha passado por isso vai se identificar. É realmente um dos retratos mais fiéis da depressão já mostrados no cinema. Já a segunda parte é muito melhor amarrada, juntando o relacionamento das irmãs com a doença com o fim do mundo. Von Trier sempre teve depressão, e muitas das imagens não só de Melancolia como também de Anticristo vêm da sua cabeça enferma. Numa consulta com um psiquiatra, ele descobriu que pessoas deprês mantêm a calma em situações de estresse, muito mais que gente “saudável”. Ahn, certo. Mas se eu tiver que escolher entre passar trinta anos com alguém deprê que vai ser um buda durante dez minutos, e passar trinta anos com alguém saltitante e feliz que vai ser um histérico quando um planeta se chocar com a Terra, eu nem pisco. Todo mundo em pânico! Com todo o respeito às pessoas que sofrem de depressão, a personagem da Kirsten é insuportável. Ok, ela só não é totalmente insuportável porque está cercada de gente que expele maus fluidos: sua mãe reclamona e amarga (Charlotte Rampling, sempre bela), seu pai vacilão (John Hurt), seu chefe porco capitalista (Stellan Skarsgard), seu cunhado, outro porco capitalista (que soa sexualmente ameaçador quando lhe propõe um acordo), sua irmã, que está longe de ser uma pessoa feliz, e seu noivo (Alexander Skarsgard, filho de Stellan na vida real), que não parece ser má pessoa, só não entendi sua motivação.Tá, mas quando Justine bate sem dó no seu cavalo preferido, eu passei a torcer pra que Melancolia, o planeta, acelerasse seu curso e se chocasse diretamente com ela. Qualquer pessoa que espanca um animal não é minha amiga. E, Lars querido, um conselho: diretor que já é odiado por defensores de animais desde que matou um jumento em Manderlay deveria evitar maltratar um bicho pro resto de sua carreira. Fiquei ansiosamente procurando nos créditos o aviso de “Nenhum animal foi machucado durante as filmagens”. Não encontrei! Glupt.Mas tô de picuinha. Adorei um montão de coisas no filme. O uso de música (apropriadíssimo o prelúdio de Tristão e Isolda como trilha sonora de colisão cósmica). O dispositivo para enquadrar planetas invasores e ver se eles estão se aproximando ou se afastando (algo tão rústico, e eficaz, quanto contar números no caso de raios). A explicação pra que algo trivial como “quantos feijões há neste jarro?” ganhe destaque. A premonição dos animais. O planeta invasor, quase vampiresco no seu hábito de sugar o oxigênio da Terra.Claro, sou suspeita pra falar -– adoro filmes sobre fim de mundo. Mas este não é exatamente sobre isso. Um filme sobre um planeta que se choca com o nosso seria sobre a preparação pra esse terrível incidente, ou sobre o Bruce Willis sendo enviado pra dissolver o planeta invasor, ou sobre o Tom Cruise sobrevivendo ao desastre. Melancolia se passa num local isolado com pessoas deprês ou apáticas. É praticamente um “Imagine Que o Planeta Explode e Ninguém Aparece”. E tá bom assim.P.S.: Respondendo à pergunta lá de cima, eu contei quatro vampiros: Kirsten, a menininha adorável (not) em Entrevista com o Vampiro; Kiefer, em Garotos Perdidos; Alexander Skarsgard, o Eric de True Blood; Udo Kier (que aqui faz o planejador do casamento, aquele que não olha pra noiva que se atrasou e estragou a “sua” festa), de Blade e A Sombra do Vampiro. Esqueci algum?




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