Demora pra que os personagens tenham qualquer contato entre si, mas a platéia aguardava ansiosamente. Qualquer cara nu tomando banho desfocado no cantinho da tela gerava um “Ihhhh, aí tem!”. Não sei se o diretor Ang Lee (de “Razão e Sensibilidade” e “O Tigre e o Dragão”; vamos esquecer “Hulk”) testou o filme com exibições-teste pra um público comum, não só o de arte. Ele aparenta brincar com a demora, como se houvesse uma planilha pro espectador checar: “Quando o cara cospe no chão, ele tá sendo homem o suficiente?”. Seria ótimo também se houvesse um eletrocardiograma pra medir os batimentos cardíacos da platéia nos momentos de tensão: os caras se beijam, público tem chilique, os caras se casam com mulheres, público respira aliviado, os caras transam entre si, público sofre ataque cardíaco.
A verdade é que a reação da platéia interferiu na minha avaliação de “Espinha”. Não consegui me envolver com a trama de dois caubóis que se amam durante vários anos. Os personagens são adeptos de um romantismo meio violento, em que socos funcionam como preliminares pra sexo. Claro que não são apenas os gays que gostam de contato físico violento com outros homens. Desculpe dizer, mas o que são os esportes senão uma desculpa pra contato físico com o mesmo sexo?
O filme não é chato em nenhuma parte, se bem que ninguém precisaria contar ovelhinhas pra pegar no sono. E antes de apelidar o drama como “western gay”, é bom reconhecer que esses caubóis têm mais relações hetero que homo. Os atores, Heath Ledger (de “O Patriota” e “Coração de Cavaleiro”) e Jake Gyllenhaal (de “O Dia Depois de Amanhã” e “Por um Sentido na Vida”), estão bem, não brilhantes. Tem o problema de maquiagem de sempre. O Jake mais velho lembra o James Dean em “Assim Caminha a Humanidade” – alguém com rostinho de dezoito anos fingindo ter quarenta. Ah sim, gente, fiquem sossegados. Ambos os atores são hetero. É só ficção. Na vida real o Heath é casado com a Michelle Williams, que faz sua mulher em “Espinha”. Por mim eu premiaria os dois só por agüentarem a pergunta freqüente dos repórteres, “Ohhhh! Como foi beijar um homem?”.
O ideal seria que os espectadores vissem “Espinha” não como um love story gay, mas de duas pessoas que não podem viver com quem amam de verdade. Imagina só que maravilha seria pra vida de todo mundo se os dois pudessem viver juntos. Não haveria esposa traída, filha renegada, mentiras, nada. Não parece mais fácil assim? Vou me referir a uma outra história de amor épica, a minha com o maridão. A gente se ama de paixão mas alguma coisa na sociedade não permite que fiquemos juntos. Pode ser qualquer coisa: quem sabe ele é de uma cor e eu de outra, ou nossas religiões se odeiam, ou ele foi ensinado que mulheres gordas devem morrer sozinhas. Não seria igualmente trágico?
Eu também adoraria saber se mesmo essa platéia escancaradamente preconceituosa não condena, por exemplo, que um pai mostre pros filhos de nove anos como um gay merece ser brutalmente assassinado. Não quero acreditar que a gente vive numa sociedade em que o espectador-comum realmente ache que o homossexual é digno da pena de morte. Essa idéia, pra mim, foi muito mais assustadora que qualquer coisa exibida na tela.