CRÍTICA: BUFFO E SPALLANZANI / Sem essa de engolir sapos
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CRÍTICA: BUFFO E SPALLANZANI / Sem essa de engolir sapos


Ah, finalmente transpuseram pro cinema um livro que já li! Estou até com medo que, quando chegar “Harry Potter”, as pessoas desconfiem da minha ignorância por nunca ter folheado as historinhas do menino aprendiz. Idem para “O Xangô de Baker Street” e “O Senhor dos Anéis”, que sequer planejo assistir. Li “O Senhor das Moscas”, serve? O filme de que estou falando é “Bufo & Spallanzani”, baseado na obra de Rubem Fonseca.

Graças aos céus, do Rubem eu leio tudo. Ele é bárbaro, apesar de seus romances não serem tão bons quanto seus contos. Cometo a heresia de afirmar que sua narrativa mais eficaz é a primeira, “O Caso Morel”, que pouquíssima gente conhece. Tomara que o público se familiarize ao menos com seus livros mais famosos, como “Agosto”, “A Grande Arte”, “Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos”, por aí vai.

O título “Bufo & Spallanzani” pode soar esquisito, mas é bastante simples. Bufo é um tipo de sapo, e o tal de Spalla foi um cientista que fazia experiências com anfíbios. Sim, sapo é anfíbio. Ler o Rubem é ter a certeza de que depararemos com revelações bizarras e às vezes grotescas. Quer um exemplo? Sabia que um sapinho não pára de copular com a fêmea nem quando tem um de seus membros (não aquele membro, claro) carbonizado? Por favor, não faça esta experiência em casa. Aliás, deixe os sapos em paz. Eles também são filhos de Deus. Existem faz bem mais tempo que eu ou você juntos: 300 milhões de anos. Eu respeito quem sobrevive à nossa sanha destruidora por tantos milênios.

Não se preocupe que, se você for ver “Bufo” – e acho que deveria ir –, você não terá de agüentar um documentário de uma hora e meia sobre rãs. Este sub-tema todo é uma metáfora, bem entendido, do drama do protagonista. No fundo, há dois personagens centrais, no filme ainda mais que no livro. Um é um inspetor de polícia, lindamente interpretado por Tony Ramos (pra mim, a prova definitiva que ele é um grande ator se deu na mini-série “O Primo Basílio”). O outro, encarnado por José Mayer, é um escritor suspeito de um crime e que corre risco de vida. Pra você ter uma idéia, o filme é tão bacaninha que até o Zé Mayer está bem no papel. Talvez não seja culpa dele, afinal, fazer sempre o mesmo galã carrancudo na TV.

O mais legal do Rubem é o fato de não haver heróis em suas obras. Pode até ser que o policial seja considerado um herói, mas isto apenas por ele ser honesto, uma qualidade não muito em voga nas delegacias do país. Ele é contra a tortura e não aceita subornos. Mas também é solitário e amargurado, e só vive pro trabalho. E o escritor, então? Nem ele ser o narrador da trama ajuda a diminuir a imagem de fraqueza que temos dele.

O roteiro é do Rubem, de outra ótima autora, a Patrícia Melo, e de Flávio Tambellini, o diretor do filme, e é muito hábil. Só há um deslizezinho que nos deixa um pouco atordoados. Por alguns minutos, eu fiquei perdida quando entrou um flashback narrando o passado do escritor. Porém, tirando isso, os roteiristas se deram bem em condensar a história (há toda uma seção no meio do livro que não acrescenta grande coisa aos acontecimentos, e que sabiamente foi deixada de lado) e em cortar a quantidade de personagens. O humor e a sensação de estranheza, entretanto, permanecem intactos.

Não vou elogiar “Bufo” por ser bem feito, pelas atuações, pela música adequada e até pelo som que permite compreender os diálogos – sabe, essas características benevolentes que todo filme deve ter. Mas, se você é do tipo que pensa que produção nacional é sinônimo de baixa qualidade, bom, você ainda não viu “Bufo”, né? Inclusive, os nacionalistas de plantão, que odeiam filme brasileiro por tratar da dura realidade do país, vão gostar de “Bufo” por trazer personagens da classe média pra cima. Tá, menos o policial honesto, que anda de ônibus.





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