Ou seja, aparentemente só eu que não estou sorrindo. Mas até eu gostei dos primeiros cinqüenta minutos deste terror feito pra crianças que ainda não aprenderam a ler. Depois, quando nossos heróis-mirins (sim, aqui os personagens são pré-adolescentes da espécie humana, não esquilos, leões e pingüins) entram na casa, o filme morre. A história é minimalista: um velho ranzinza, dublado como Epaminondas, aterroriza a meninada que chega perto de seu lar. Dois guris tentam, Epaminondas morre, ou quase, e a casa se assombra de vez. O roteiro se encarrega de incluir outros personagens que somem sem deixar vestígios, e são trazidos à tona preguiçosamente nos créditos finais, sem explicar nada. Tanto como a bola de basquete. Isso eu posso contar porque acontece bem no comecinho. Os meninos só adentram o terreno da casa mal-assombrada porque a bola caiu lá. E de repente ninguém mais, fora o espectador, quer saber onde ela tá. Uma bola que tem até nome, Wilson, velha conhecida nossa desde “O Náufrago”. Esse merchandising...
Do ponto de vista técnico, como não podia deixar de ser, “ACM” é perfeito, primoroso, até virtuoso. Mas também, custou 75 milhões de dólares! Com essa fortuna daria pra construir várias casas mal-assombradas de verdade ou montes de conjuntos habitacionais pros pobres do terceiro mundo. A técnica usada não é exatamente animação—leva o nome de motion capture. Quer dizer, é tudo gerado por computador, mas são atores em carne e osso que determinam os movimentos, atuando contra um fundo verde, com sensores e tal. Parece que fizeram isso em “O Expresso Polar”, que tive o prazer de pular. Entendeu? Isso importa?
“ACM” já começa com uma folhinha voando, acho que só pra lembrar que um dos assinantes de cheques do filme é o Robert Zemeckis, aquele um que ganhou os tubos dirigindo o politicamente horrendo “Forrest Gump”. O outro produtor executivo é o Spielberg. Sabe, né, quando o pessoal insiste no nome dos produtores é porque o diretor é um completo desconhecido. Mas este terror animado deve muito a outras coisas que o Spielberg produzia na década de 80, como “Poltergeist” e “Goonies” (traduzindo: filmes que a criançada de hoje nunca viu mais gordos). E, no começo, o clima era tão delicioso que até me levou a pensar no deleite que sentiria ao ver bater as botas um velho pai que não apenas defende seus filhos de ouvir pagode no volume que quiserem, apesar de incomodar a vizinhança inteira, como também ameaça de morte qualquer um que reclame. O meu próprio Epaminondas.
Só que, mais adiante, a mensagem deixa de ser que criança não deve se apressar em parar de ser criança e mira suas munições na repulsa à mulher. É sério. Na piadinha mais fofa (tá no trailer), uma menina diz que tá vendo a úvula (tá na garganta) da casa, e um garoto responde, “Ah, então é uma casa mulher”. Freud dizia que toda piada tem seu fundo de verdade. E não é que a casa é mulher mesmo? Não só mulher, mas monstro. E quem é a vilã da história? Uma mulher gorda. A única pessoa que já a amou na vida vira pra ela e lhe dá sermão: “Você tem sido muito má”. Nenhuma condenação a quem faz a mulher se comportar mal porque, afinal, ela é má naturalmente, por ser gorda, claro. O menino gordo é engraçadinho, o viciado em videogames também é meio redondo e ainda assim um charme, mas a mulher gorda é um monstro. Como diz o título. Não é à toa que as imagens mais recorrentes e perigosas da casa sejam pedaços de madeira que se transformam em dentes. Lembrou da vagina dentada? Mas pais, não se preocupem. As crianças vão ignorar tudo isso, ou quase tudo, e ficar só com a noção de que não existe aberração maior no mundo que uma mulher gorda. Normal.