Por que mal-sucedido? Bom, porque foi mal na bilheteria e não conquistou os críticos. Assim, ficou de fora de todas as listas dos melhores do ano, e será totalmente esquecido pelo Oscar. E o pior é que parece ser o tipo de filme adulto, forte, tristérrimo, feito justamente pra abocanhar umas estatuetas. Por contar com dois protagonistas premiados, a Halle Berry (Oscar por “A Última Ceia”) e o Benicio Del Toro (por “Traffic”), era de se esperar que ao menos um deles fosse indicado. Não vai acontecer, embora o Benicio tenha colecionado alguns dos maiores elogios de 2007. E é estranha essa esnobada da Academia, porque o Benicio interpreta um viciado em heroína, um desses papéis que são isca de Oscar, com direito a crises de abstinência e tudo.
O papel da Halle é mais difícil, extremamente antipático e injusto em alguns momentos. A história é a seguinte: ela é casada com o David Duchovny (“Arquivo X”), que morre de forma trágica. Pra tentar lidar com a perda, ela convida o melhor amigo do marido, o Benicio, pra morar em sua garagem. É um meio de salvá-lo, já que o carinha tá que tá pra morrer por overdose. Ok, primeiro problema: o falecido, o Duchovny, é um santo. O sujeito é canonizado antes mesmo de morrer (aposto que isso também ocorre com o Gerald Butler em “P.S.: Eu te Amo”). Excelente pai, maravilhoso nos negócios, amigão de um viciado, com uma superdisposição pra ajudar qualquer pessoa em perigo, e ainda faz sexo com a própria esposa após anos de casamento. Segundo problema: o Benicio também é perfeito. Seu único porém é ser viciado em heroína, e fumar (eu não gostaria de um fumante na minha garagem, contaminando o ar do escapamento do carro). Eu ia dizer que todos os homens são bacanas, e as mulheres (a Halle e a filha – basta comparar a doçura do menininho com as mudanças de humor da garota; e a esposa do vizinho é pintada como uma ogra) é que são complicadas. Mas aí lembrei que a outra viciada também é um poço de bondades. Ou seja, pra um filme tão profundo, falta gente com um pouco mais de nuances.
Apenas o vizinho careca dá a “Coisas” um mínimo de humor. Mas seu personagem soa inverossímil. Ele acaba de conhecer um viciado morando de favor numa garagem e o convida pra trabalhar com ele numa firma de advocacia? Acho que não. A diretora dinamarquesa Susanne Bier exagera nos closes de olhos e nas notas musicais, que parecem comandar: “Agora derramem umas lágrimas. Hora do dilúvio. Soluços coletivos, todo mundo”. Não dá pra negar que funciona. Depois da sessão, houve uma debandada de senhoras correndo pro banheiro pra se recompor.
No entanto, “Coisas” ganha pontos por causa da sua criatividade. Não me recordo de outro drama em que a viúva chama o melhor amigo viciado do esposo pra morar com ela. E eu bato na madeira vinte vezes, mas não pude parar de pensar que, se o maridão bater as botas, ele não tem um melhor amigo à altura pra vir morar na minha garagem, me abraçar até eu dormir, e consolar nossos bichinhos de estimação. Deixa eu ver... Um grande amigo dele é um carinha ultra-folgado já no quinto casamento, conhecido por não se levantar nem pra pegar o controle remoto (ele pede pra esposa do momento). É mais fácil reformar um viciado em heroína.