CRÍTICA: FILHOS DA ESPERANÇA / Que esperança?
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CRÍTICA: FILHOS DA ESPERANÇA / Que esperança?


Sem aviso prévio, dois dos melhores filmes de 2006 tiveram uma passagem meteórica por Joinville. Duvido que continuem em cartaz, porque seria bom demais pra ser verdade. Quem viu, viu, quem não viu deve vê-los assim que saírem em DVD. Estou falando de “Volver” e de “Filhos da Esperança”. Sobre o primeiro, nenhuma novidade. Tudo que o Almodóvar faz é amplamente aguardado. As expectativas são altas pra quem praticamente fez cinco obras-primas consecutivas. Mas e pro Alfonso Cuarón, diretor de “Filhos”, alguém dava alguma coisa? Tá certo que o mexicano fez o ótimo “E Sua Mãe Também”, e tem quem adore “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban (não esta que vos fala), mas esse não é o melhor dos currículos. E de repente aparece “Filhos”, forte candidato ao Oscar de fotografia, que os críticos americanos chamam de “Blade Runner” do século 21. Um filmão.

Tem uma palavra que nem sei se existe em português: distopia. É o contrário da utopia. Utopia é o sonho de um mundo ideal, e distopia é “Admirável Mundo Novo”, “1984”, “Laranja Mecânica”, “Blade Runner”, e este “Filhos”, entre outros. São cenários de um futuro sombrio. Como eu adoro distopias e histórias sobre fim do mundo, sou suspeita pra elogiar “Filhos”. Só posso dizer que o troço é de uma angústia só e me deixou na beira da cadeira durante toda a projeção, sofrendo pacas. Quando veio um momento comovente, lá pelo fim, eu compareci. Dizer que chorei é covardia. Eu tive convulsões. Foi breve, mas doloroso.

“Filhos”, baseado num romance de uma tal de P. D. James, mostra o que será da gente em 2027. O filme não capricha nas tecnologias futuristas, ao contrário de “Minority Report” (que eu gosto muito). O mundo é um inferno, ponto, e nesse contexto não faz a menor diferença ter TV de plasma ou celulares de última geração. Alguns países e continentes (África, pra variar, e parte dos EUA) foram dizimados por guerras, inclusive nucleares. Na Inglaterra, imigrantes ilegais são mandados para campos de concentração. E, pra piorar, as mulheres não conseguem mais ter filhos. O último bebê nasceu há dezoito anos e é argentino, veja só onde fomos parar (imagina o futuro da humanidade depender de um argentino). Essa celebridade mundial morre e o pessoal de Londres enche as ruas com fotos e flores, como fizeram na época do acidente fatal da Lady Di. Cães e gatos são tratados como filhos. Os outros animais são queimados em estradas. Logo logo, assim que todo mundo morrer, a humanidade acaba. Pra mim, uma das imagens que fica é a do Davi de Michelangelo sem a parte inferior da perna. Mas tem que olhar rápido, porque o filme transborda de informação.

Nesse caos ainda somos presenteados com um elenco de primeira, como o Clive Owen, Julianne Moore, Michael Caine, e bons atores que nunca ouvi falar, com três nomes ainda por cima, só pra carreira não decolar. O impressionante é que a câmera nervosa enfoca um herói no meio de um tiroteio que nem pensa em pegar em armas, o que é muito diferente do que a gente tá acostumada a ver. De qualquer modo, fica a reflexão: se já nos comportamos desse jeito abominável hoje, sabendo que atrás vem gente, imagine se soubéssemos que a humanidade acaba aqui. Eu quase saí da sessão com vontade de fazer um filho. Quase.

Eu e o maridão não temos nem queremos filhos, um pouco por hedonismo e preguiça, outro pouco porque já tem gente demais no mundo, e mais um pouco por não querer deixar pra ninguém o legado da nossa miséria, como já escrevia Machado de Assis um século atrás. Sem falar que sinto cada vez mais que a humanidade é o vírus da Terra, como dizem em “Matrix”, e que a gente tá seriamente acabando com o planeta. E acabando mesmo, finito. Do jeito que está, e após ver “Uma Verdade Inconveniente”, tenho minhas dúvidas se ficará alguma herança pros netinhos. Existem comunidades que defendem a idéia do ser humano parar de se reproduzir, deixar a humanidade acabar, e aí começar tudo de novo, pra ver se dá certo dessa vez. Eu não chego a tanto, mas não consigo ver distopia como ficção científica. Pra mim é a realidade batendo à nossa porta, e salve-se quem puder.





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