Tem uma palavra que nem sei se existe em português: distopia. É o contrário da utopia. Utopia é o sonho de um mundo ideal, e distopia é “Admirável Mundo Novo”, “1984”, “Laranja Mecânica”, “Blade Runner”, e este “Filhos”, entre outros. São cenários de um futuro sombrio. Como eu adoro distopias e histórias sobre fim do mundo, sou suspeita pra elogiar “Filhos”. Só posso dizer que o troço é de uma angústia só e me deixou na beira da cadeira durante toda a projeção, sofrendo pacas. Quando veio um momento comovente, lá pelo fim, eu compareci. Dizer que chorei é covardia. Eu tive convulsões. Foi breve, mas doloroso.
“Filhos”, baseado num romance de uma tal de P. D. James, mostra o que será da gente em 2027. O filme não capricha nas tecnologias futuristas, ao contrário de “Minority Report” (que eu gosto muito). O mundo é um inferno, ponto, e nesse contexto não faz a menor diferença ter TV de plasma ou celulares de última geração. Alguns países e continentes (África, pra variar, e parte dos EUA) foram dizimados por guerras, inclusive nucleares. Na Inglaterra, imigrantes ilegais são mandados para campos de concentração. E, pra piorar, as mulheres não conseguem mais ter filhos. O último bebê nasceu há dezoito anos e é argentino, veja só onde fomos parar (imagina o futuro da humanidade depender de um argentino). Essa celebridade mundial morre e o pessoal de Londres enche as ruas com fotos e flores, como fizeram na época do acidente fatal da Lady Di. Cães e gatos são tratados como filhos. Os outros animais são queimados em estradas. Logo logo, assim que todo mundo morrer, a humanidade acaba. Pra mim, uma das imagens que fica é a do Davi de Michelangelo sem a parte inferior da perna. Mas tem que olhar rápido, porque o filme transborda de informação.
Nesse caos ainda somos presenteados com um elenco de primeira, como o Clive Owen, Julianne Moore, Michael Caine, e bons atores que nunca ouvi falar, com três nomes ainda por cima, só pra carreira não decolar. O impressionante é que a câmera nervosa enfoca um herói no meio de um tiroteio que nem pensa em pegar em armas, o que é muito diferente do que a gente tá acostumada a ver. De qualquer modo, fica a reflexão: se já nos comportamos desse jeito abominável hoje, sabendo que atrás vem gente, imagine se soubéssemos que a humanidade acaba aqui. Eu quase saí da sessão com vontade de fazer um filho. Quase.
Eu e o maridão não temos nem queremos filhos, um pouco por hedonismo e preguiça, outro pouco porque já tem gente demais no mundo, e mais um pouco por não querer deixar pra ninguém o legado da nossa miséria, como já escrevia Machado de Assis um século atrás. Sem falar que sinto cada vez mais que a humanidade é o vírus da Terra, como dizem em “Matrix”, e que a gente tá seriamente acabando com o planeta. E acabando mesmo, finito. Do jeito que está, e após ver “Uma Verdade Inconveniente”, tenho minhas dúvidas se ficará alguma herança pros netinhos. Existem comunidades que defendem a idéia do ser humano parar de se reproduzir, deixar a humanidade acabar, e aí começar tudo de novo, pra ver se dá certo dessa vez. Eu não chego a tanto, mas não consigo ver distopia como ficção científica. Pra mim é a realidade batendo à nossa porta, e salve-se quem puder.