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CRÍTICA: FOI APENAS UM SONHO / A impossibilidade de sair de um pesadelo
Vidas de desespero silencioso. Ou nem tão silencioso assim. Na primeira vez que vi Foi Apenas um Sonho, no computador, gostei muito. Quando vi no cinema, então, amei, chorei, me descabelei. Minha previsão estava certa: é o filme mais adulto da temporada. Não sei o quanto pode apelar aos jovens, já que trata de um casal preso num cotidiano do interior americano nos anos 50. Como o casal é interpretado com maestria por Kate Winslet e Leonardo Di Caprio (ambos deveriam ter sido indicados ao Oscar), faz pensar o que teria acontecido se os pombinhos de Titanic tivessem sobrevivido ao naufrágio, casado, tido filhos, e rapidamente dado nos nervos um do outro. Sim, porque isso do amor ideal é lindo enquanto a paixão dura uns dias num transatlântico. Quero ver suportar a rotina de uma vida inteira. O título original, Revolutionary Road, é mais apropriado. É a rua onde eles moram (como um bonde chamado desejo), mas é também a estrada não escolhida, the road not taken. Os dois protagonistas estão cheios de defeitos. O marido é arrogante, quando fala com a mulher tem a mania de apontar o dedo e ser autoritário, gosta de se exibir. Ela é neurótica, vive triste, tem mudanças de humor, se fecha, não quer conversar. No meio das discussões, um diz coisas horríveis pro outro, o que não é nada raro entre casais. Acho que é um ótimo exercício lembrar disso durante uma daquelas brigas acaloradas: essa é uma das pessoas que você mais ama na vida (ou, na maior parte dos casos, nem estaria com ela), e você fala todos esses insultos e barbaridades pra ela?! Imagina o que a gente não diria pros nossos inimigos...Tem todo um contexto também, que não é mencionado no filme, mas vale conhecer. Estamos nos EUA, uma década após o final da Segunda Guerra, com a economia batendo recordes, uma era de pretensa tranquilidade. A vida passa a ser, prum homem, trabalhar num emprego inócuo, casar, ter filhos, morar num subúrbio, e comprar uma casa pela qual pagará o resto da vida. Pra mulher, a mesma coisa, sem a parte do trabalho, o que constitui uma violência, porque boa parte das mulheres tinha experimentado (e gostado de) trabalhar enquanto os homens estavam na guerra. E todas tiveram de voltar caladinhas pro lar doce lar. Nesses tempos, houve também uma grande mudança de paradigmas. Até a Segunda Guerra, era normal pros americanos alugarem suas casas, não comprarem. Mas foi vendida a ideia de que, pro país prosperar, os cidadãos precisariam gastar mais e mais. Gastar era sinal de patriotismo. Era quando as mulheres exibiam seus eletrodomésticos. Sabe as fotos e desenhos de mulher posando ao lado de sua geladeira como se fosse a maior conquista do planeta? Essa época. Sonho se passa em 1955, uns quinze anos antes da revolução sexual e do feminismo. Kate lembra que “nunca foi a nenhum lugar”, e que o marido foi feliz enquanto estava lutando na Europa. Logo, ela tenta convencê-lo a largar tudo e ir viver lá. Quando contam a uma amiga os planos de morar em Paris, ela pergunta: “Pra quê?”. Kate trabalharia, e ele tentaria descobrir o que quer da vida. Um colega sugere que é perigoso perceber que, de repente, muitas pessoas não têm vocação. O próprio Leo diz não ter talento especial pra nada. O casal não sabe o que quer, apenas tem uma vaga noção do que não quer. É instigante como o projeto de Kate é pra que Leo descubra sua vocação. Ela descobrir a dela nunca é cogitado. Mas tampouco parece que ela tem algum talento. E quanto ao personagem de Leo, ele é um sujeito bem vazio. Só sabe que não quer repetir o feito de seu pai, mas, aos trinta anos, está trabalhando na mesma empresa em que seu pai labutou a vida toda, sem que seu chefe soubesse de sua existência. O filme mostra dois minutinhos de Kate e Leo se conhecendo numa festa, e a gente não faz a menor ideia por que Kate acha o Leo o cara mais fascinante que ela já conheceu. Há muita conversa sobre eles serem pessoas especiais, mas Sonho não mostra nada que os torne incomuns. Não considero esse um defeito. Pelo contrário, indica como era difícil ser especial naqueles tempos (e hoje?). O que o casal tem de especial é que Kate e Leo são lindos. Sua beleza física os destaca, sem dúvida. E talvez a inquietude, a ansiedade em querer fazer algo mais da vida. Mas só essa ansiedade não faz ninguém especial. Talvez seja preciso ter algum tipo de vocação mesmo. Muita gente chora no filme. E o choro revela as vidas de desespero silencioso, como apontava Checkov. Como o personagem mais perspicaz diz, não se trata apenas do vazio daquelas vidas, mas da falta de esperança. Só que ele é louco e está internado num hospício, recebendo eletrochoques (quem o interpreta é Michael Shannon, indicado ao Oscar de coadjuvante. Novamente, ele faz um sujeito desequilibrado, como em Possuídos - Bug, e dá show). É ele quem tem as falas mais marcantes, como o devastador “Estou feliz por não ser essa criança”. Por falar em crianças, considero, esse sim, um erro de Sonho. O casal tem dois filhos pequenos, e pelo que eu conheço de casais com filhos pequenos, o mundo revolve em torno deles. Eles estão sempre presentes. Certo, hoje em dia talvez até seja possível a classe média ter filhos sem precisar vê-los mais que algumas horas por dia, com tantas escolinhas de esporte, idiomas, coisa e tal, mas naquela época imagino que não dava pra ser um casal constantemente sozinho. As crianças em Sonho são mandadas pro típico departamento de achados e perdidos do cinema, onde também ficam os cachorros. Outro defeito, mais ou menos, é que o filme ameaça terminar umas cinco vezes. Sem spoilers, posso dizer que a última cena não tem muito a ver com o resto, mas é significativa. O único porém é que esse compêndio todo de finais faz parecer que os homens são mais sensíveis e sofrem mais com a tragédia alheia que as mulheres, e isso não é verdade nem na trama, quanto mais na vida real. Além do mais, silenciar uma mulher é não ouvir alguém que historicamente não tem voz. Mas há muito mais acertos que erros. Pensa só como seria fácil fazer Sonho com narração em off, e no entanto, desistiram disso. Às vezes parece bastante teatro, as mesmas pausas e tudo. Mas é baseado num romance do Richard Yates que nunca li e agora tô louca pra ler, não numa peça. E claro que há semelhanças com Beleza Americana (do mesmo diretor, Sam Mendes, casado com Kate na vida real) e com Pecados Íntimos, pois falam do pesadelo dos subúrbios, e de ter uma vida que não foi a sonhada. De cair nos mesmos moldes que tentamos evitar. De reparar que não somos tão únicos assim.
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