Até que enfim um programa digno de Oscar! O espanhol “Mar Adentro” deve levar a estatueta de melhor filme estrangeiro e talvez, se houver justiça, a de maquiagem. Pra mim, é a mais bem-sucedida de todas as produções que concorrem às premiações da festinha americana (com a possível exceção de “Diários de Motocicleta”, também bárbaro). Meu Deus, como chorei vendo “Mar”! Derramei mais lágrimas em duas horas do que normalmente derramo em um ano. O título da película bem que podia se referir ao que o pessoal do cinema enfrentou ao entrar na sessão depois que saí da sala. Pra você ter uma idéia, tive que me recompor no banheiro. Os bilheteiros olharam assustados pra mim que, em prantos, só conseguia balbuciar: “Esse é de matar!”.
Até pode ser que qualquer filme sobre eutanásia baseado em história real faça chorar, mas “Mar” bate todos os recordes. Ele conta os últimos anos de Rámon Sampedro, um tetraplégico que ficou famoso na Espanha por acreditar que a vida é um direito, não uma obrigação. Rámon, quando jovem, calculou mal um mergulho no mar, quebrou o pescoço e, durante quase três décadas, desafiou a justiça para poder se matar. Claro que um assunto difícil desses levanta muita polêmica, e claro que vários tetraplégicos reclamaram contra “Mar” e contra “Menina de Ouro” porque, afinal, é claro que um deficiente pode levar uma vida digna. Mas não é essa a questão. Rámon nunca quis falar por toda a comunidade de tetraplégicos do planeta, apenas por ele. Em nenhum momento disse que pessoas sem movimentos devem morrer, mas é injusto que ele não pôde encerrar sua vida quando e como bem entendesse. “Mar” lança provocações inteligentes, como, por exemplo, por que um Estado laico deve decidir pela vida de alguém baseando-se em questões religiosas. Mas o principal mesmo é a emoção suscitada por imagens e músicas tocantes e pela interpretação de um ator de primeira, Javier Bardem.
Ai, ai, o Javier. Não sei se você se lembra de como o cara aparece bonitão nas obras de Bigas Lunas (ainda bem que ele conseguiu deixar o diretor), ou em “Carne Trêmula” e “Antes do Anoitecer”. Em “Mar” ele faz um homem muitos anos mais velho, e ainda assim convence, graças também à sutil maquiagem (sabe como no cinema todo mundo envelhece mal? “Mar” tem muito que ensinar à Hollywood nesse quesito). É impressionante que o Oscar tenha ignorado a atuação do Javier. Sinceramente, essa é pra entrar na lista das injustiças históricas. Com seu sorriso triste, seu charme e, mesmo atado a uma cama, sua vitalidade, Javier põe no chinelo qualquer Jamie Foxx ou Di Caprio. Tanto que a gente fica torcendo para que Rámon fracasse na sua cruzada pela eutanásia. Ninguém quer que ele morra. Uma das frases-chave de “Mar” é dita pelo pai de Rámon: “pior que ter um filho que morre é ter um filho que quer morrer”. Essa relação com a família é super bem-trabalhada, como, aliás, tudo nesse filme de Alejandro Amenábar (“Abra os Olhos”, “Os Outros”). É estranho: apesar de fazer o espectador chorar baldes, “Mar” é pra cima. Rámon até parece alguém feliz, sorridente, cheio de amigos. E no entanto ele só pensa em morrer. Faz a gente pensar na nossa mísera existência, né?