Sabe aquela velha rixa entre os críticos do cinema nacional? Tem aqueles que falam mal de filme brasileiro porque enfoca os pobres, prejudicando a imagem do país no exterior, e tem aqueles que criticam justamente quando o filme retrata o universo alienante da classe média. A verdade é que há várias realidades sociais no Brasil, e poucas produções conseguem tratar de várias ao mesmo tempo (acho que “Cidade de Deus” e “Cronicamente Inviável” abordam bem esse tema). Bom, “No Meio da Rua”, de Antonio Carlos Fontoura, faz essa ponte, digamos, com perfeição. Sua pré-estréia acontece agora em julho, no meio da 4ª Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis. O filme começa mostrando o universo de um garoto rico, opa, de classe média alta (notou que, de acordo com a mídia, não existe rico no Brasil?). Sua agenda aos 8 ou 9 anos já é tão ocupada com aulas de inglês, informática e tênis que não sobra tempo pra brincar. E no meio do caminho ele conhece um menino pobre, que vive na favela do Vidigal e faz malabarismo pelas ruas do Rio pra ganhar uns trocados. O que aproxima os dois é um joguinho de videogame. Ou seja, é uma fábula urbana, né? Na vida real o vidro escuro e fechado do carro blindado se encarregaria de separar um do outro. Mas aqui o pobre menino rico passa uns dias com seu novo amigo. Essa é minha única crítica ao filme, que as crianças pobres pareçam tão mais felizes que as ricas.
Muito mais coisa acontece, claro, e pouco a pouco “Rua” vai se transformando num filme de terror pro público-família de classe média. Pra mim, o videogame já traduz o clima da aventura: tudo é bonito e divertido, mas tem umas gotinhas de sangue ameaçando sujar o quadro. O elenco é todo ótimo, a música do João Bosco no final é arrebatadora, e há pelo menos uma cena inesquecível, quando a meninada na favela imita os ricaços andando de carro, e o garoto rico imita um pedinte. A tensão social nesse pedaço é fortíssima, e me fez lembrar da Daslu, loja pra grã-finos recém aberta em SP. Atrás do shopping super luxuoso tem uma favela super miserável. Esses vizinhos nunca vão se encontrar, mas isso não impediu o núcleo pobre de pendurar uma faixa lembrando que o preço de um brinquinho da Dasloser equivale a toda a renda mensal da favela.
Não vou fingir que não sei por que choro. Eu choro de culpa, de vergonha. E um filme que desperta essas emoções acaba virando programa obrigatório pra toda a família, sim.