Eu: “Quantos anos eu tinha quando te conheci?”
Ele pensa durante dez segundos. Pista: é o título de um filme com o Jim Carrey. Finalmente ele responde: “Ih”.
Eu: “E quantos anos você tinha?”
Ele: “Não faço idéia”.
Eu: “32, que é 23 ao contrário. Você acha que isso quer dizer que o nosso relacionamento é amaldiçoado?”
Ele: “Não, o nosso não. Só o meu”.
Tá, claro que a minha história com o maridão é muito mais fascinante que o suspense, mas preciso falar dele. Seguinte: um Jim muito estranho faz um cara que fica obcecado por um livro que sua mulher, a Virginia Madsen, lhe dá. Eles têm um casamento feliz e um filho de 12 ou 13 anos que aparenta ter 23, por baixo. O mais incrível é como a Virginia lê o livro inteiro em dez minutos e o Jim leva uma semana, sendo que ele não faz mais nada o dia inteiro. Deve ser por isso que trabalha na carrocinha (nada contra, mas preciso me solidarizar com os cachorros). Logo a família unida estará investigando coisas e cavando covas no meio da noite, sem luz, ou no máximo com luz vermelha pra revelar um quarto também vermelho e nos lembrar que estamos vendo um suspense (sem sustos). Mas a maior obsessão mesmo não é com o número, e sim com um certo padrão de comportamento: toda vez que alguém vê uma faca no chão e um corpo imóvel na cama, essa pobre alma pega a faca antes de ir até a cama examinar o corpo. Essa gente não vê CSI não?
Há uns lances que lembram paródias e dificilmente podem ser levados a sério. “23” seria uma paródia de film noir? O público ficou na beira da cadeira com a longa seqüência do detetive e a loira suicida. Não por causa da cena, mas porque tudo era branco, inclusive as legendas. E o que o Jim tá fazendo aqui, tatuado e com olhar intenso? Não será um suspense chinfrim desses que vai impulsionar sua carreira. Só espero que ele tenha recebido um salário de 23 milhões de verdinhas pra compensar.
Este é o 23o filme do Joel Schumacher (sem parentesco com o astro aposentado da Formula I, infelizmente). Se quase toda a obra do Joel já não fosse meio desastrosa, a gente poderia pensar que, de fato, o número traz maus agouros. Vejamos, o cara fez os bonitinhos “O Fantasma da Ópera”, “Um Dia de Fúria” e “O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas”, mas também cometeu “Batman Eternamente”, “Por um Fio”, “8 Milímetros”, “Tudo por Amor”... “23” não é o pior nem o melhor dele. A favor do suspense, posso dizer que ele merece o Oscar de Melhor Decoração de Paredes desde “Uma Mente Brilhante”. Você pode ver uma amostra dessa criatividade na cara do Jim que aparece no pôster, toda rabiscada. Aproveite porque esse rosto só tá no pôster, não no filme.
Enfim, na saída ainda tive outras conversas altamente filosóficas com o maridão. Quis saber dele o que ele faria se, tal qual o personagem do Jim, passasse a ter pesadelos em que me mata. Ele titubeou: “Ahn, eu pararia de comer sanduíche à noite?”. Mas interrompi seus pensamentos pra reclamar que o filme me tratou como uma retardada: “Eles dividem, somam, subtraem, e sempre tem que dar o resultado, 23, como se eu não fosse entender. Tipo: 13 + 8 é... Opa, exemplo errado! O que você quer, eu faço Letras!”. Talvez assim você entenda que eu adoraria escrever uma crítica em que cada 23ª letra quisesse dizer alguma coisa, mas tenho problemas com isso. Sei lá, é na 23ª letra ou após a 23ª letra? Se algum desocupado quiser contar e me mandar a mensagem (certamente sinistra), agradeço.
P.S.: Como a Virginia Madsen, linda em “Sideways”, tá tão feia? Aqui ela tá a cara da assistente do Monk. Se bem que descobri no final que ela interpreta outra personagem além da mulher do Jim, então tá perdoada. Também descobri que a Virginia é irmã do Michael Madsen (“Cães de Aluguel”, “Kill Bill Vol. 2”). E que ela foi casada com o Danny Huston, que faz o psicólogo amigo dela em “23”. O que isso tem a ver com qualquer coisa? Também não tenho certeza, mas procurando bem e somando todas as datas obviamente dá 23.